Alguns desafios educacionais brasileiros

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O mundo passa por grandes mudanças e transformações, a tecnologia acelera de uma forma intensa e seus impactos sobre os indivíduos são grandes e variados, o mundo da produção se movimenta e os trabalhadores permanecem atônitos e preocupados, será que a previsão marxista feita no século XIX, de que a tecnologia vai destruir o emprego e gerar uma sociedade marcada por desempregados, subempregados e excluídos se efetivará?

Diante desta realidade de transformação constante, o Brasil segue na rabeira deste movimento, estamos mais preocupados com as rivalidades políticas e dos interesses imediatos da classe política do que com a competitividade da economia e a melhora das condições sociais da sociedade, o esforço do momento é fugir da justiça e continuar se protegendo através do chamado foro privilegiado, mais uma das excrescências da legislação brasileira.

Nesta sociedade percebemos que, por mais que os indivíduos clamem por mais educação, a classe política, o empresariado, os sindicatos e os demais grupos e entidades de classe, ainda não definimos que tipo de educação queremos e mais, qual o tipo de profissional que almejamos formar e a maior de todas as perguntas: o que o Brasil, enquanto país, quer ser quando crescer?

Depois de vinte anos trabalhando na universidade, angariando experiências variados, escrevendo artigos e textos para discussão, resolvi me embrenhar no ensino técnico buscando, com isso, mais experiência para minha formação enquanto professor e buscando a resposta para muitas das perguntas que me faço com constância e que confesso, ainda não consegui uma resposta racional e satisfatória.

Conheci, nesta experiência, um ambiente hostil ao conhecimento, pessoas que se julgam profissionais da educação com pouca ou nenhuma experiência docente, coordenadores despreparados e amedrontados, além de alunos desqualificados para o ambiente escolar fruto de um ensino médio feito de forma equivocada, marcado por uma formação frágil, uma escola desestimulante e professores desqualificados, nada muito diferente do que encontramos nas faculdades e universidades que permeiam as várias regiões do Brasil e faz com que tenhamos um ensino péssimo, que pouco forma e na maioria das vezes apenas deforma o cidadão, transformando-o em um consumidor ou, como encontramos na atualidade, um cliente.

Quando buscamos na memória lembramos que talvez, sem modéstia ou elogio, tenhamos sido uma das últimas gerações de formandos do ensino público que tivemos a alegria de assistir aula com professores bem formados técnica e culturalmente, pessoas que tiveram a alegria de nascer em famílias de classe média onde a proximidade com seus pais era intensa e se refletiu na formação universitária e mais, na formação como seres humanos, dotados de valores humanos sólidos e uma bagagem moral elevada, tudo isto na atualidade se encontra diferente, a classe média se desinteressou pelo ensino, preferem profissões mais valorizadas financeiramente, formam em Medicina para salvar vidas,  Direito para almejar  cargos públicos com mordomias e penduricalhos ou outros empregos que lhes garantam melhores condições financeiras e retornos econômicos mais atraentes, com isso, nossa escola não mais absorvem os melhores, não mais atrai aqueles que veem na educação a chave para uma sociedade melhor.

A educação sempre foi vista como um instrumento de ascensão social e profissional, os pobres e a classe média viam nela a forma de conseguir alçar voos mais altos em uma sociedade hierarquizada e inflexível, poucos conseguiam mas mesmo assim muitos sonhavam com este caminho de glória, de satisfação e de sucesso garantido agora, na atualidade este sucesso se encontra ameaçado, a educação não mais garante o sucesso imediato e muitos não mais se interessam pelos bancos escolares, a ascensão para muitos é apenas um sonho de verão, algo impensável para a grande maioria dos indivíduos.

A escola virou um espaço de individualidades degradantes, professores que pouco estudam, coordenadores despreparados, diretores fracos, míopes e imediatistas que fazem uma grande mídia para comemorar vitórias equivocadas e resultados questionáveis, ou seja, a escola perdeu o status do saber e do conhecimento, os grandes templos do momento são virtuais e os donos da informação são os detentores das redes sociais, Facebook, Instagram, WhatsApp, entre outros…

Para piorar a situação da escola brasileira, percebemos cada vez mais a ausência de um ator central no ensino e no aprendizado, os pais, que se distanciaram da escola e exigem que esta forme seus filhos, deem a eles não só informação e a técnica mas educação moral, ética, ordem, respeito, liderança, empreendedorismo, etc.

Nesta sociedade encontramos exigências impossíveis de serem atendidas pela escola, com isso os conflitos são cada vez maiores, professores mal remunerados, estressados, cansados e desqualificados, tanto financeira quanto psicologicamente e o resultado disso tudo está ai para que todos possamos visualizar, uma escola totalmente descaracterizada com demandas sobre humanas e resultados medíocres.

Num mundo em constante mutação, encontramos professores e dirigentes que pouco se atualizam, docentes que passam anos sem ler e escrever artigos, cujas leituras se restringem a materiais jornalísticos sem consistência, como pode um professor ficar tempos e tempos sem leituras em um mundo que vive uma constante metamorfose e que prescinde de instrumentos de debates e reflexões?

A comunicação se restringe a grupos de whatsApp e às redes sociais, a conversa, a discussão saudável e o debate edificante fazem parte do passado, atualmente o ambiente virtual, a educação a distância e o mundo do intangível predominam e mostram que a sociedade não está preparada para esta modernidade, uma realidade excludente de um mundo cada vez mais assustador onde o lema da sobrevivência é cada um por si e um suposto Deus por todo, este mundo é insustentável, como nos mostram todos os dias as guerras, o xenofobismo e a violência que não mais se restringe a países pobres e miseráveis mas que está presente em todos os países, regiões e classes sociais, pela primeira vez percebemos que o violência, a instabilidade e a insegurança se tornou algo efetivamente democrático.

Neste ambiente percebemos que a educação brasileira caminha muito lentamente para uma melhoria consistente e substancial, com isso nossa sociedade perde grandes oportunidades de negócio em uma sociedade que se transforma rapidamente e coloca a educação, o conhecimento e a inovação no topo dos agentes centrais para o progresso, diante disso, percebemos que o país se encontra em uma encruzilhada, ou investe mais na educação e amplia os horizontes de cidadania ou o país tende a construir um futuro bastante nebuloso para as próximas gerações, condenando o país a mediocridade e a insignificância.

Numa sociedade como a brasileira, que pouco se preocupa com a educação e reflete menos ainda sobre seu futuro imediato, a escolha da carreira se transforma em um instrumento central, a opção pela docência num país que remunera pouco o professor, que explora continuamente este ativo central para o futuro da sociedade, enchendo-o de reuniões pedagógicas que pouco decidem, demandando tempo e energias devem ser repensadas e revistas pelos adolescentes, sob pena de condenar seu futuro e inviabilizar muitos de seus sonhos imediatos.

Nesta realidade, cada vez mais clara e visível para todos, confesso que muitas vezes pensei em abandonar a carreira docente e buscar novos ares e desafios, num mundo onde a educação é o ativo central e mais importante, o professor, o docente ou o mestre está sendo colocando no centro do esquecimento, pobre do país que coloca este profissional num lugar tão distante da realidade contemporânea.

Diante deste desafio, o futuro da educação no Brasil é um dos maiores entraves para o crescimento e consolidação do país como uma sociedade pujante e respeitada, somente a educação para a cidadania pode propiciar a todos os indivíduos a possibilidade de almejar a ascensão social, a melhora profissional e a possibilidade de acreditar que a meritocracia não é apenas um conceito vago e distante mas algo presente e possível para todos de acordo com seu esforço e merecimento.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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