A Literatura Espírita sempre nos brinda com obras de grande conteúdo doutrinário, filosófico e reflexivo, dentre as várias obras Espíritas, uma nos marca de forma especial, o livro “Memórias de um suicida”, do espírito Camilo Cândido Botelho e psicografia de Yvonne do Amaral Pereira é uma destas obras marcantes e especiais que todos as pessoas deveriam ler, reler, discutir e indicar.
A Doutrina Espírita surge para o mundo em meados do século XIX através de Allan Kardec, pseudônimo do pedagogo francês Hippolyte Leon Denizard Rivail, nesta obra, Kardec nos traz informações sobre o mundo espiritual, o verdadeiro local da vida, local de onde viemos e para onde retornaremos no momento oportuno, somos todos espíritos que habitamos corpos materiais, nossa verdadeira vida se dá no mundo espiritual, conceitos novos surgem e se difundem para a Europa e depois para todo o mundo ocidental, a reencarnação, a obsessão, o mundo espiritual, as colônias, a morte, etc…
A obra Memórias de um suicida nos conta a história de cinco pessoas esclarecidas que vivem em Portugal no momento da codificação, mesmo sendo pessoas cultas, inteligentes e muito bem informadas, nenhum deles se interessou por saber um pouco mais sobre a nova Doutrina, mesmo conhecendo muito do conhecimento humano da época, mesmo estudando e convivendo com pessoas bem formadas e atualizadas, nenhum deles se interessou pela chamada terceira revelação, isto nos lembra uma frase de grande sabedoria: “quem sabe pode muito, quem ama sabe mais”.
Todos os personagens do livro vivem envoltos em seus mundos, alguns vivendo para as letras, outros para os negócios, outros mais para seus amores e interesses sentimentais, quanto tempo perdemos nas vivências cotidianas, nos interesses materiais e nos prazeres imediatos e, nestes mundos menores nos esquecemos da verdadeira razão da vida e os objetivos do progresso espiritual da humanidade.
Nos momentos de desesperanças, desajustes emocionais e medos, os conhecimentos do mundo material, a acuidade reflexiva e os pensamentos lógicos foram insuficientes e incapazes de confortar seus corações e impedir que, cada um de sua forma, cometesse o maior de todos os crimes, o suicídio.
Depois das andanças pelo Vale dos suicidas, todos passam a enxergar a vida de uma forma diferente, todos sabem que erraram, o remorso machuca suas mentes e massacra suas consciências, nestes momentos de dores e aflições que, cada um deles percebe, intimamente, que todo o drama vivido lhes é algo inexplicável, sem respostas a busca por Deus ou uma força superior começa a se destacar em suas mentes e, com isso, a oração e o pedido de ajuda se materializa em seus corações, a oração tem o condão de ligar os indivíduos a uma força superior, mas serve ainda como uma forma de nos conscientizarmos de nossas fragilidades e inferioridades.
O socorro existente no mundo espiritual e nas colônias é algo desconhecido por quase todos, a existência de colônias e cidades organizadas, estruturadas e bem administradas também passa distante das inteligências mais astutas do mundo material, tudo isto nos mostra como somos tão pequenos e pouco curiosos sobre os conceitos maiores da vida e da existência humana, muitas vezes nos afiliamos a seitas e grupos pseudo-religiosos, assumimos suas crenças e pouco refletimos sobre seu significado, somos todos, ou a grande maioria, verdadeiros fantoches de nossas limitações.
A chegada no Instituto Maria de Nazaré, localizada no plano espiritual, sua organização, trabalhadores, departamentos e suas tecnologias nos encantam enormemente, aparelhos que só chegariam no mundo material décadas posteriores já eram realidade nas colônias no final do século XIX, diante disso, percebemos o quanto de nossas descobertas ou criações são, na verdade, inspirações que recebemos e registramos dos cientistas e pensadores do mundo espiritual, nestas descobertas logo colocamos nossos nomes, registramos o produto e logo estamos cobrando por sua utilização, pobres seres que desconhecemos as origens e a missão que Deus nos concedeu.
Os cursos, as palestras, as missões, os estudos, as conversas e a troca de experiência, são instrumentos de engrandecimento de todos que se dedicam a descobertas íntimas e pessoais, o tempo passa e todos se sentem úteis e necessários, conhecer suas trajetórias, suas experiências e a certeza constante de que todos são espíritos em evolução, todos são deveras devedores e não existe nenhuma vítima de forças externas, se somos vítimas os algozes somos nós mesmos.
Camilo, grande escritor português, inteligência de destaque na Europa e no mundo da época nos conta os pormenores de sua trajetória nos Instituto, suas conversas com os doutores de Canalejas, suas palestras com os diretores e instrutores, suas andanças por departamentos e suas mais íntimas memórias, tudo isto para nos mostrar que, neste mundo, não podemos esconder nada de nós mesmos, o conhecer-se a si mesmo se faz necessário, é urgente e fundamental.
As conversas de Camilo com o doutor Carlos de Canalejas, onde este último destaca suas dúvidas mais íntimas, seus medos, seus amores e suas dificuldades nos levam a compreender que todos, indistintamente, trazemos em nossa alma segredos e desajustes dos mais severos possíveis, fruto de nossas andanças pelo mundo material e pelos desequilíbrios que nos caracterizam e corrói nossos mais íntimos sentimentos.
As excursões feitas ao mundo material nos mostra como estão próximos os mundos físico e espiritual, como nos interessamos pelo mundo do conhecimento, das riquezas físicas e dos prazeres imediatos e nos esquecemos de buscar a compreensão da verdadeira razão da vida e da existência dos seres humanos, o livro nos mostra, nas entrelinhas, que existem mais coisas entre o Céu e a Terra do que nossa vã filosofia pode imaginar.
O mergulho em suas histórias de vidas anteriores, o momento exato de relembrar suas vidas pregressas, momento em que Camilo revê seu passado e suas vidas anteriores, sua existência no momento do apedrejamento de Jesus Cristo, sua vida mesquinha, suas fofocas, suas armações, seus atos reprováveis, seu prazer inveterado na maldade e na difusão de calúnias e difamações, tudo isto se aclara na mente e na visão do grande escritor português do século XIX.
Mas, o que mais nos chama a atenção na história de Camilo Cândido Botelho é suas vivências no século XVII, quando a obra nos leva a conhecer todas as atitudes insanas para se casar com sua prima Maria Magda, nesta encarnação percebemos como a insanidade do ser humano pode lhe causar graves constrangimentos em momentos posteriores, a busca por um amor distante de seu coração o leva a crimes terríveis e a dores que o acompanharão durante muitos milênios.
Humilhações, surras, agressões, violências, torturas, calúnias, difamações e quando acreditávamos que a insanidade já tinha chegado ao fim, Camilo leva seu rival à cegueira, tudo isso leva o Marido de Maria Magda ao suicídio, ao se sentir um verdadeiro estorvo para sua esposa e para os seus filhos recorre ao autocídio, Camilo, num determinado momento de suas vidas futuras teria que responder por todos os crimes e humilhações cometidas contra Maria Magda, seu esposo Jacinto de Ornélas Ruiz e seus filhos.
O suicídio é um crime terrível contra as leis de Deus e gera dramas dos mais severos para aquele que o comete, seus impactos não se restringem apenas ao espírito suicida, os filhos e toda a família do suicida são atingidos e afetados por seus crimes, suas trajetórias se cruzam e, numa próxima vida, estes espíritos se reencontrarão para o acerto das contas, o reequilíbrio de suas energias e a compreensão das verdadeiras leis que regem a sociedade e a humanidade como um todo.
A oração é um verdadeiro bálsamo para todos os indivíduos, ela nos ajuda a compreender a nossa limitação e a grandeza de Deus, orar para os espíritos suicidas é uma forma de caridade constante, a oração os auxilia na compreensão de seus crimes e o fortalece para conseguir continuar em sua caminhada, entendendo que, mesmo tendo cometido um grave crime, que para algumas religiões são imperdoáveis, todos somos dignos de uma segunda chance e oportunidade, como nos foi dito por Jesus Cristo: “Das ovelhas que meu pai me confiou nenhuma se perderá”.
O livro acima descrito se caracteriza como uma das maiores obras da literatura espírita, seus ensinamentos nos ajudam a compreender um pouco mais da vida, nos descortina com todas as forças a realidade do mundo e as fraquezas dos indivíduos, todos somos devedores, todos nascemos com dívidas enormes, mas todos somos assessorados por espíritos e instrutores de alta evolução, suas inspirações são fundamentais para seguirmos nas trilhas do bem, do amor e do progresso, cabe a cada um de nós, enquanto seres humanos, nos abrirmos para sentir esta inspiração, sempre com fé, reflexão e confiança de que Deus está dentro de cada um de nós, as dificuldades existem para todos e sempre existirá, mas como nos diz um velho ditado: “Se Deus é por nós, quem será contra nós”.
O livro Memórias de um suicida foi publicado pela primeira vez em 1958, Camilo Candido Botelho se suicidou em 1890, permaneceu no mundo dos espíritos mais de cinquenta anos, reencarnou no final dos anos quarenta, segundo nos foi revelado pela obra, em sua nova encarnação teria que conviver com a cegueira desde os quarenta anos, sua morte do corpo físico se daria depois dos sessenta anos, diante disso, percebemos que Camilo deveria conviver com a cegueira durante mais de vinte anos, se na vida anterior sua cegueira ocorreu depois de seus sessenta anos e seu tempo de vida com esta doença se restringiria a apenas poucos anos, nesta nova vivência no corpo físico sua doença se faria presente por mais de duas décadas, ou seja, suas dores seriam aumentadas para poder compreender que as leis de Deus são imutáveis e todos nós devemos respeitá-las, mesmo nos momentos de maior desequilíbrio e desesperança, devemos confiar que o auxílio sempre chega, exercer a paciência é sinal de sabedoria e humildade.