Modelo de desenvolvimento conduz a sacrifício da vida e destruição da natureza, escreve autor
Márcio Seligmann-Silva – Folha de São Paulo – Ilustríssima 17 de fevereiro de 2019.
[RESUMO] Antigo meio para garantir a sobrevivência da humanidade, a técnica, argumenta o autor, acoplou-se a um modelo de desenvolvimento que passou a ter por fim o sacrifício da vida e a destruição da natureza.
De certo modo, a história da técnica se confunde com a história da humanidade. Tornamo-nos humanos na medida em que nos separamos da natureza: ao menos esse é o nosso mito originário “ocidental”. Prometeu presenteou a humanidade com o fogo, ou seja, com o saber técnico, e foi castigado por isso. Zeus não o perdoou por tornar os humanos inteligentes como os deuses.
Já em outro veio poderoso dessa tradição, no Antigo Testamento, quando, no Gênesis, Deus nos expulsou do Paraíso, condenou-nos ao trabalho duro e a suar para podermos garantir o nosso sustento. Segundo o relato, Ele nos deu vestes, os primeiros produtos de uma técnica ainda divina. O homem trabalhador é o homem que vai depender cada vez mais de técnicas.
Por outro lado, é notório que desde o início do século 19, com a Revolução Industrial, a técnica sofreu uma abrupta mudança em sua natureza. De meio de garantir a sobrevivência humana na face da Terra, ela foi acoplada a um projeto capitalista que em pouco tempo —200 anos diante dos mais de 5 bilhões de anos da Terra e de dezenas de milênios de existência do que podemos chamar de humanidade— transformou o planeta a tal ponto que ele não só está irreconhecível, como à beira de um colapso.
Desde seu nascimento, essa técnica moderna dividiu as opiniões entre entusiastas e críticos. Dentre estes últimos, havia tanto uma corrente conservadora como uma de tendência transformadora, que percebia na técnica capitalista apenas uma perversão dos verdadeiros e revolucionários potenciais da técnica.
Na primeira categoria, Goethe, em 1825, ou seja, de dentro de uma Alemanha ainda fragmentada em pequenos Estados e predominantemente agrícola, queixava-se em carta a seu amigo Zelter: “Riqueza e rapidez, eis o que o mundo admira e o que todo o mundo quer. Ferrovias, correio expresso, navios a vapor, e todas as possíveis facilidades de comunicação são as coisas que o mundo culto deseja a fim de se sofisticar e assim permanecer na mediocridade”. Incrível a atualidade dessas palavras, de quase 200 atrás.
No final de sua obra máxima, o “Fausto”, Goethe imagina justamente esse moderno homem empreendedor, desapropriando e atropelando os mais frágeis economicamente para abrir terreno para a agricultura, conquistando terras à água por meio de um dique. Ele não deixa, porém, de destacar o tema da arrogância dessa empreitada e do seu risco: “Cá dentro é um paraíso a terra nossa;/ Que suba lá fora a maré furiosa/ E se, violenta, tentar abrir brecha,/ Em comum esforço acorre o povo e a fecha”.
O capitalismo e sua técnica já eram vistos pelo velho Goethe, portanto, como ambíguos portadores de belas invenções e de altos riscos. Represas estavam na origem da riqueza e do terror. Também aqui encontramos uma macabra contemporaneidade. Diques e represas são marcos decisivos na história da técnica, símbolos da domesticação da natureza e de sua força.
Pouco mais de um século depois, Walter Benjamin, que admirava e citava essas passagens de Goethe mencionadas aqui, lapidou a máxima nas suas famosas teses “Sobre o Conceito da História”, de 1939: “Nunca houve um documento da cultura que não fosse simultaneamente um documento da barbárie”.
Não há, portanto, nenhum motivo para que nos surpreendamos diante das catástrofes tecnológicas: elas fazem parte do programa e, devido à rápida velocidade do avanço da técnica predatória, devem ser cada vez mais aniquiladoras e frequentes. A menos, é claro, que a humanidade —ou aqueles que decidem por ela— desperte para a necessidade de puxar um freio nesse percurso em direção ao abismo.
Para Benjamin, essa técnica moderna, que denominou de “primeira técnica”, tem como fim o sacrifício da vida, a destruição, o controle e a dominação da natureza que leva à sua asfixia. A vanguarda dessa técnica, não por acaso, é a indústria armamentista. Ela leva a uma política da morte, tanatopolítica, à nossa autoaniquilação. Nas palavras de Benjamin: “Para que falar de progresso a um mundo que afunda na rigidez cadavérica? (…) Deve-se fundar o conceito de progresso na ideia da catástrofe”.
Nessa mencionada linhagem de crítica positiva, ele sonhou com uma “segunda técnica”, emancipadora, calcada em um jogo com a natureza e que nos libertaria das penas do trabalho. Em sua visão, a fotografia e o cinema seriam os exemplos principais: duas técnicas que alargam o nosso campo de ação, nos empoderam, ao invés de destruírem as naturezas interna (tornando o homem alienado) e externa (acabando com a nossa “casa”): “A técnica não é dominação da natureza: é dominação da relação entre natureza e humanidade”.
Benjamin criticou o conceito utilitarista da social-democracia de um Josef Dietzgen, que via no trabalho apenas um meio de conquista e submissão da natureza: “Já estão visíveis, nessa concepção, os traços tecnocráticos que mais tarde vão aflorar no fascismo”.
Ou seja, essa concepção capitalista (e mesmo a social-democrata) do trabalho associa-se à “primeira técnica” e tem a sua figura máxima no fascismo. Esse raciocínio de Benjamin também se revela acurado e profético. Como anotou em 1948 Robert Antelme, que lutou na resistência à ocupação nazista na França: “Quando o pobre torna-se proletário, o rico torna-se SS”.
Aparentemente, a marcha incontornável da humanidade em direção ao precipício (em regimes capitalistas puros, nos de capitalismo de Estado e nos que tentaram, de modo infeliz, a ditadura dos partidos comunistas) não pode ser alterada sem um levante de uma população que, lamentavelmente, parece cada vez mais fascinada pelo mundo da técnica e dos gadgets.
Como no mito dos lemingues que se suicidam no mar, nossa espécie supostamente racional faria algo semelhante por meios mais “sofisticados”. Benjamin, novamente, criticando o modelo de progresso incorporado inclusive pelo marxismo, anotou: “Marx afirma que as revoluções são as locomotivas da história do mundo. Mas talvez isso seja totalmente diferente. Talvez as revoluções sejam o freio de emergência da humanidade que viaja neste trem”. Se não soubermos responder ao Kairós, ao tempo oportuno, para ceder a esse reflexo de puxar o freio, poderá ser tarde demais.
A chamada “força do mercado”, esse “quarto poder” que efetivamente manda e desmanda no mundo, está calcada nesse modelo de técnica predadora sem o qual as indústrias (e suas ações no mercado) não existiriam. O capitalismo se alimenta da Terra, mas desconsidera que esta mesma Terra é finita e está sendo exaurida.
O filósofo Hans Jonas dedicou os últimos anos de sua longa vida (1903-1993) à construção de uma nova ética da responsabilidade à altura desses desafios contemporâneos. Ele afirmava que “não temos o direito de hipotecar a existência das gerações futuras por conta de nosso comodismo” e propôs uma virada.
Ao invés de construir um modelo calcado no presente, com o objetivo do viver bem e da felicidade conectados ao aqui e agora, estabeleceu o desafio de construir uma ética do futuro: da destruição da casa-Terra, ele deduz o imperativo de salvar essa morada para garantir a possibilidade de vida futura.
Em vez de apostar no modelo liberal do progresso infinito a qualquer custo ou de acreditar na promessa revolucionária que traria de um golpe o “paraíso sobre a Terra”, ele aposta em um “summum bonum” moderado, modesto, o único possível para a nossa sobrevivência. Fala de um “princípio de moderação”, reconhecendo que a conta deveria ser paga pelos que mais possuem.
Hoje, podemos dizer que esse futuro que ele desenhava, ou seja, esse tempo já sem muito tempo de sobrevida, tornou-se o nosso tempo. Sua “heurística do medo” —a saber, uma pedagogia da humanidade que se transformaria a partir do confronto com a visão medonha de seu fim muito próximo— soa ainda poderosa, mas um tanto inocente, mesmo reconhecendo que suas ideias influenciaram protocolos como o Acordo de Paris, de 2015.
Observando a sequência de crimes socioambientais, parece que essa heurística não está rendendo frutos. Não aprendemos com as catástrofes, e isso nos levará, caso não alteremos nosso curso, à catástrofe final. Ou seja, a emoção do medo do Armagedom está sendo vencida pela razão instrumental e sua promessa (distópica) de transformar a natureza em mercadoria.
A questão é: quem vai estar aqui para consumir quando apenas 50 bilionários tiverem a mesma riqueza que 6 bilhões de habitantes da Terra e, pior, quando a Terra estiver chapinhando no cafarnaum a que nos leva esse modelo de progresso?
Diretora da Oxfam Internacional, Winnie Byanyima tem repetido que os 26 bilionários mais ricos do mundo possuem o mesmo que os 3,8 bilhões de habitantes mais pobres dessa bola azul. A entropia ecológica e a social caminham de mãos dadas e devem ser combatidas juntas.
Um lamentável e terrível exemplo da situação em que nos encontramos em termos dessa submissão a um determinado modelo liberal associado a uma técnica espoliadora e destrutiva é justamente o que acaba de ocorrer com o rompimento da barragem da empresa Vale em Brumadinho (MG).
Apenas a arrogância fáustica, a hybris que cega, o sentimento de onipotência pode justificar que essa barragem (como tantas outras) tenha sido construída logo acima de uma área urbana e das instalações dos funcionários da empresa. Novamente a situação de risco associada a esse tipo de tecnologia ficou exposta. Os alarmes que não soaram reproduzem o silêncio da humanidade diante das repetidas manifestações da violência da técnica.
O cerne do capitalismo é o lucro e isso explica, nesse caso e em outros, tudo de modo simples e direto. O crime de Brumadinho deve ultrapassar 300 vítimas fatais diretas, fora a destruição de toda uma região habitada também por pescadores, ribeirinhos e indígenas pataxó que dependiam diretamente do rio Paraopeba para a sua sobrevivência. Se pensarmos nos inúmeros atingidos, apenas no Brasil, por barragens (de mineradoras e de hidroelétricas), fica claro que não se trata apenas de uma questão de “barragem a montante”.
O caso dos índios juruna da Volta Grande do Xingu é paradigmático: essa população que vivia (apesar das pressões do agronegócio e da proximidade da rodovia Transamazônica) em harmonia com o seu meio e de modo feliz viu o seu rio —fonte de sua vida, água, alimentos, transporte, rituais, lazer etc.— baixar a um nível que a transformou, da noite para o dia, em uma população empobrecida e dependente de ajuda.
Detalhe: a queda do nível do rio foi decorrência da instalação e do funcionamento, desde 2015, a poucos quilômetros de sua aldeia, da hidrelétrica de Belo Monte, a terceira maior do mundo.
Esse fato possibilitou que uma mineradora canadense, a gigante Belo Sun, tente agora implementar na mesma região o que será a maior mineração de ouro a céu aberto do Brasil, com direito a uma barragem de rejeito ao lado do rio Xingu. Sintomaticamente, uma grande operação técnica abre caminho para outra.
O ISA (Instituto Socioambiental) tem alertado em muitas ocasiões que, das 63 espécies endêmicas de peixes conhecidas da bacia do rio Xingu, 26 podem ser encontradas apenas na Volta Grande. Com apenas 20% da vazão, elas e uma riqueza de animais e plantas incalculável estão sob risco, para não dizer condenadas à extinção.
O atual modelo de política deste governo, aplicado aos indígenas, implica uma continuidade da ideologia colonial que via no Brasil e na sua população autóctone mera fonte de obtenção de riqueza: a terra é reduzida à categoria de commodity e os habitantes são reduzidos a trabalho escravo ou mal remunerado e (eventualmente) a consumidores de produtos baratos.
A negação da diferença, a anulação do “outro”, a ideia de que “o índio quer vir para a cidade, quer trabalhar e ter seu carro” significam uma continuação do genocídio indígena.
Durante a ditadura militar (1964-1985), esse mesmo tipo de ideologia era propagada. A partir da Doutrina de Segurança Nacional, baseada na ideia de integridade do território e do povo e de proteção contra as ameaças e agressões —base que, portanto, influencia bastante o governo hoje—, a população indígena era vista como “estrangeira” que deveria ou ser forçada a abandonar a sua cultura (produzindo o etnicídio) ou ser exterminada (perpetrando o genocídio).
A princípio, concebia-se a região amazônica como deserta de pessoas, ou seja, negava-se a existência de uma pungente e riquíssima cultura plural, milenar e exemplar. O Estatuto do Índio (lei nº 6.001/1973) permitiu a exploração de madeira em terras indígenas bem como a remoção de suas populações para liberar áreas para a mineração ou outras obras públicas.
Vários e abalizados estudos mostram que as terras indígenas são as mais capazes de preservar a natureza. Essa preservação vai no sentido oposto ao da entropia a que leva nosso atual modelo econômico-tecnológico. Os indígenas são, como mostrou recentemente a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha em um artigo na revista piauí (“Povos da megadiversidade”), portadores da diversidade que está no cerne do seu mundo.
No Brasil existem 305 etnias que falam ao todo 274 línguas —que país no mundo possui riqueza cultural igual? São responsáveis pelas “terras pretas”, locais de fantástica fertilidade, herança de milênios de práticas técnicas indígenas, e pela agrodiversidade, sem a qual não pode haver segurança alimentar, deixando a humanidade à mercê de pragas e da fome.
Cito a antropóloga: “No Alto Rio Negro há mais de cem variedades de mandioca; nos caiapós, 56 variedades de batata-doce; nos canelas, 52 de favas; nos kawaiwetes, 27 de amendoim; nos wajãpis, 17 de algodão; nos baniuas, 78 de pimento”. Já o agronegócio com suas monoculturas, como se sabe, via “primeira técnica”, tende a reduzir a biodiversidade a um mínimo.
Voltando ao modelo da “segunda técnica”, podemos dizer que também as técnicas indígenas são lúdicas e visam não uma dominação da natureza, mas um jogar com ela. Na cosmovisão indígena não existe esse traçado entre natureza e cultura, mas, antes, uma série de transformações e mutações que conectam deuses, humanos, animais, vegetais e minerais. Não há espaço em seu panteão para um deus Prometeu da técnica na forma de profeta do deus capital.
A artista mineira Lais Myrrha transmitiu essa ideia de modo muito delicado e preciso em seu trabalho “Dois Pesos e Duas Medidas”, que ocupava o vão central da Bienal de São Paulo de 2016. Essa obra consiste em dois enormes pilares em forma de totens: um construído com material presente nas construções indígenas (barro, palha, cipó, madeira) e outro com técnica “ocidental” de alvenaria (tijolo, cimento, ferragens, PVC, vidro).
O título é importantíssimo, como costuma acontecer em obras conceituais: por que desprezamos a tecnologia indígena, que dura já milênios e nunca destruiu de modo irreversível um centímetro da Terra, e, por outro lado, veneramos a nossa técnica prometeica ocidental, que em 200 anos praticamente asfixiou a Terra, mudou seu clima e instaurou uma nova era geológica, o Antropoceno?
Hans Jonas notou que o sonho da civilização, ou seja, de domesticação da natureza, nascera do medo dessa mesma natureza e da ideia de sua conquista como um ato heroico. Hoje as coisas estão invertidas. Nós somos o perigo para a natureza. As marés que nos destroem (de água ou de lama) são respostas dessa natureza ferida.
Como escreve Jonas: “A euforia do sonho fáustico se dissipou e nós despertamos sob a luz diurna e fria do medo”. A resposta a esse medo, no entanto, não deve ser o pânico, mas a ativação de uma nova ética que inclui pela primeira vez a natureza e não se limita a ser apenas intersubjetiva.
Afinal, o ser humano é, antes de mais nada, capaz de responder pelos seus atos. Se somos essencialmente seres capazes de assumir responsabilidade, aparentemente uma parte de nossa humanidade está sendo negada quando crimes socioambientais —ou seja, contra a população e a natureza— como esses ocorridos no Brasil são assimilados sem que ninguém seja responsabilizado.
Temos que reestabelecer a lei da multiplicidade que até hoje garantiu a reprodução da vida sobre a Terra. Os perigos da (primeira) técnica não podem ser ocultados sob a luz brilhante do fascínio por suas conquistas.
Entenda-se: não se trata de uma cruzada obscurantista contra a técnica, muito menos contra as ciências, muito pelo contrário. A própria ciência de ponta aporta os dados incontornáveis quanto à necessidade de mudarmos de rumo. Temos poder demais, não de menos —e, por outro lado, também temos a liberdade de escolher um novo rumo. Ou pelo menos: temos a liberdade de poder lutar por essa liberdade.
A responsabilidade não poderia existir sem o “a priori” da liberdade. O poder tecnológico pode ser transformado em potência que nos permitirá frear nossa “locomotiva”, evitando outras Bhopal, Chernobyl, Fukushima, Samarco, Vale, o césio 137 em Goiânia, o derrame de óleo do Exxon Valdez, o aquecimento global etc.
No entanto, a dificuldade da ética do futuro, proposta por Hans Jonas, é que a compaixão se dá com relação aos que estão próximos. O filósofo afirma: “A caridade começa em casa”. Exigir compaixão para com os pósteros demanda um nível de abstração e de altruísmo raros. Daí ser mais efetiva uma heurística do medo voltada para os perigos do presente e que inscreva a história das nossas catástrofes, em oposição a uma falsa história triunfal autocomplacente.
Um amigo e contemporâneo de Hans Jonas, Günther Anders (o primeiro marido de Hannah Arendt e primo de Walter Benjamin), pensou de modo claro essa necessidade de termos diante dos olhos as catástrofes do passado e do presente, como meio de uma educação moral da humanidade.
Ele afirmava que é necessário, seguindo-se um imperativo da memória, dar-se uma “nota de eternidade” a cada choque. Anders tinha consciência de que vivemos em um estado de emergência no que tange a nosso (des)equilíbrio ecológico, que exige atitudes firmes.
Concluo citando as generosas palavras que compõem o último trecho do poderoso relato que Davi Kopenawa fez ao antropólogo Bruce Albert, publicado no livro que precisamente leva o título de “A Queda do Céu – Palavras de um Xamã Yanomami”: “Os xapiri [espíritos] se esforçam para defender os brancos tanto quanto a nós. Se o sol escurecer e a terra ficar toda alagada, eles não vão poder mais ficar empoleirados em seus prédios nem correr no peito do céu sentados em seus aviões! Se Omoari, o ser do tempo seco, se instalar de vez perto deles, eles só terão fios de água para beber e assim vão morrer de sede. É bem possível que isso aconteça mesmo! No entanto, os xapiri continuam lutando com valentia para nos defender a todos, por mais numerosos que sejamos. Fazem isso porque os humanos lhes parecem sós e desamparados. Nós somos mortais e essa fraqueza lhes causa pesar”.
Ao invés da autoimagem arrogante do “homo faber” prometeico e poderoso, que levou a um modelo de desenvolvimento que privilegia a poucos e destrói o chão em que vivemos, essa figura de nossa fragilidade me parece muito mais empoderadora para enfrentarmos os enormes desafios que temos diante de nós.
Ela poderá estar na base de um “princípio de moderação” que seria capaz de nos garantir uma maior sobrevivência sobre esta esfera azul e, sobretudo, um “viver em comum” mais ético.
Márcio Seligmann-Silva é professor titular de teoria literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.