Enquanto isso, vamos continuar sem importar para proteger indústrias locais; que não exportam
Rodrigo Zeidan, Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
Folha de São Paulo, 15/02/2025
O que é melhor para uma sociedade, que um país seja exportador ou importador líquido de produtos? Se você respondeu que é melhor exportar, está errado, por mais contraintuitivo que pareça. Países ricos tendem a importar mais. Nem todo país rico é importador líquido, mas muitos países que consistentemente apresentam déficits comerciais são ricos.
Ou seja, a sanha de Trump para reduzir o déficit americano não faz sentido. Por exemplo, três quartos das importações mundiais são de produtos intermediários e equipamentos necessários para aumentar a produção local. Tarifas reduzem a produção total. Por exemplo, as tarifas de aço de Bush em 2002 e 2003 reduziram exportações e empregos, de acordo com publicação de Lydia Cox. Essas tarifas não funcionam no Brasil, nos EUA, na China, ou em Marte. As tarifas sobre aço e alumínio no primeiro governo Trump geraram mil empregos diretos no setor, mas destruíram 75 mil empregos nas indústrias manufatureiras americanas. Um desastre. O mercantilismo barato de Trump é estupidez. Reciprocidade brasileira seria outra.
Usamos estratégias parecidas e nos ferramos. O país exporta commodities e importa manufaturados exatamente por taxar importações demais, resultado da estratégia de substituição de importações acelerada pelos militares na década de 1970. No passado, ela ajudou a nos jogar na hiperinflação. Como vários governos não mudaram muito isso, pois nada é mais forte que pressão de indústrias subsidiadas, somos o país mais fechado para o comércio.
Os Estados Unidos da América Latina estão seguindo a mesma cartilha dos militares brasileiros e da Cepal (quem disse que direita e esquerda não concordam em algo?). Ao cortar importações para subsidiar as indústrias locais, governos jogam exportações no buraco.
No Brasil, precisamos ser exportadores líquidos para contrabalançar a saída de capital de outras fontes, mas isso não significa que seria o ideal. Importamos o que não fabricamos bem, o que liberaria recursos da sociedade para exportar mais. Quanto mais crescemos, mais importamos e exportamos.
Na década de 1980, o Brasil transacionava mais que a China. As exportações chinesas chegaram a US$ 100 bilhões em 1994, enquanto no Brasil isso só aconteceu em 2004. Hoje? Os chineses exportam o equivalente a R$ 20 trilhões, dez vezes mais que o Brasil (R$ 2 trilhões). Importações? R$ 15,3 trilhões, ante R$ 1,57 trilhão no nosso fechado mercado.
Enquanto mantivermos extensas políticas protecionistas, estaremos às margens das cadeias globais de valor. É por isso que na China política industrial tem chance de dar certo. Lá, subsidiam-se indústrias (não empresas) e esses subsídios são temporários, voltados para setores com capacidade exportadora. Não exportou? Quebra-se. Hoje, são mais de 130 montadores de veículos elétricos no país. Em 2030, devem ser 17. As outras vão quebrar ou serão engolidas. Esse é o capitalismo chinês, no qual o jogo não é processar outras empresas por vender mais barato, como a Anfavea quer fazer no Brasil. A BYD não quer chutar a Tesla da China, quer vencê-la.
Os americanos vão aprender que importação é vida. Enquanto isso, vamos continuar sem importar para proteger indústrias locais. Que não exportam. E continuaremos sem sair do lugar.