O Judiciário brasileiro é fundamental para a construção da democracia nacional, seu poder é imprescindível para melhorar as relações sociais, econômicas e políticas no mundo contemporâneo.
No caso brasileiro, o Judiciário tem um papel fundamental numa sociedade como a nossa, marcada por grandes injustiças sociais, uma nação construída diretamente na exploração, na escravização e na degradação dos trabalhadores mais precarizados, diante disso, faz-se necessário algumas reflexões para compreendermos a sociedade nacional.
O Judiciário brasileiro é oriundo, na grande maioria, de setores mais aquinhoados na sociedade brasileira, indivíduos que detém recursos materiais para garantir acesso as melhores escolas, os mais caros e consistentes cursos preparatórios, as mais disputadas faculdades ou universidades, etc… garantindo aprovação nos concursos mais disputados para a carreira jurídica, perpetuando pouca diversidade na carreira, que, na sua maioria é marcada por pessoas de classe média, média alta ou de alta renda, pessoas ou famílias que possuem condições monetárias e financeiras para um investimento em seus filhos ou seus descendentes, garantindo um espaço interessante, com grandes privilégios e a manutenção do status quo.
Observando e refletindo sobre o judiciário nacional e, com alguma experiência como professor de sociologia nos cursos de Direito, percebo que muitos dos alunos que entram nas faculdades e vislumbram, futuramente, uma carreira na magistratura ou no Ministério Público, são indivíduos dotados de grande poder monetário, pessoas oriundas de famílias mais enriquecidas da sociedade local e regional.
São bons alunos, estudiosos e bem-nascidos, que tem acesso a estudo de qualidade, professores mais qualificados, detentores de títulos de mestre e doutorado, recursos financeiros para livros, fluência em línguas estrangeiras, detentores de carro próprio e materiais didáticos de qualidade, que garantem a estes estudantes grande sucesso profissional no decorrer da universidade, são aqueles que não tem dificuldades para conseguir a aprovação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além disso, são estudantes que apresentam facilidades de conseguirem os melhores estágios e contam, ainda, com uma ampla rede de contatos de seus familiares, os chamados networks, que abrem portas para as melhores formações e, posteriormente, garantem uma formação sólida e consistente.
São bons profissionais, mas conhecem pouco a realidade nacional, são pessoas que conhecem uma teoria conservadora e tradicional, não conhecem as novas realidades da sociedade e da comunidade local, desconhecem os desafios dos trabalhadores contemporâneos e não compreendem as transformações dos modelos econômicos e produtivos que passam por grandes mudanças desde o advento da chamada globalização da economia e o incremento das tecnologias da informação, que criaram uma nova realidade, trazendo novos anseios e novos desafios.
Outro ponto de destaque, que muitos dos profissionais da área jurídica, neste momento estamos nos referindo aos juízes e procuradores, servidores públicos de elite, vivem em condomínios de luxo e possuem, ao seu lado, como vizinhos, empresários ricos e poderosos, dotados de grande poder financeiro e forte influência política, essas pessoas angariaram fortunas e passam a se aproximar, a frequentar sua residência, criando vínculos afetivos e, muitas vezes, familiares. Para estes profissionais, que na verdade são servidores públicos de elite, que ganham salários elevados e somam a isso, grandes penduricalhos que garantem grandes somas salariais, mesmo assim, ao compararem com seus vizinhos, empresários, empreendedores, ricos e abastados, seus recursos salariais são modestos. Lembro-os que modestos salários quando comparamos aos rendimentos dos seus vizinhos que possuem grande soma de recursos monetários. Se compararmos a todas as categorias de servidores públicos, seus proventos são muito maiores, seus benefícios são muito melhores e atraentes, além de contar com uma estrutura maior e mais consistente, centrada nas benesses da categoria e protegida por um grande aparato de poder corporativista.
Neste ambiente, percebemos que os servidores de elite se sentem atraídos por um estilo de vida superior a seus ganhos mensais, convivendo cotidianamente com grupos sociais mais aquinhoados, mais influentes e dotados de grande poder material. Desta forma, tais servidores públicos de elite se acreditam, cotidianamente, merecedores de incremento de seus rendimentos, defendendo penduricalhos e acabam criando uma casta de privilegiados, fortemente corporativista, demandando mais benefícios, mais penduricalhos e se esquecem de que fazem parte de um seleto grupo de servidores públicos que ganham muito mais de que todas as outras categorias de servidores do Estado.
Estes profissionais preferem férias no exterior, notadamente nos Estados Unidos e atualmente em Miami, um local mais aprazível, dotado de ares de civilização mais evoluída e requintada. Décadas anteriores, as férias eram na Europa, notadamente Londres e Paris, mas na contemporaneidade, estas cidades vêm perdendo espaço para cidades norte-americanas, desenvolvidas economicamente, destacadas como um verdadeiro centro da tecnologia, do conhecimento e valorização do status social.
Ao viajar mais para o exterior e menos para o interior do Brasil, essa elite consolida um desconhecimento da realidade local, pouco compreendendo os anseios da comunidade, os desafios mais imediatos e, infelizmente, nos afasta dos sentimentos mais íntimos da coletividade.
O Brasil, na contemporaneidade, mantém, um judiciário caro, lento e ineficiente, marcado por um imenso conservadorismo, com faculdades de direito atrasadas e muitas vezes, responsável por um ensino reacionário e fascista, afastando-o da sociedade brasileira e responsável pela perpetuação de um status quo para poucos privilegiados em detrimento da comunidade nacional.
Dentre as grandes transformações demandadas pela sociedade brasileira, destacamos uma verdadeira reforma no judiciário nacional, investindo fortemente em cursos mais humanistas, introduzindo uma grade de disciplinas de áreas como a filosofia, sociologia, economia, direitos humanos, meio ambiente, metodologia, dentre outras disciplinas presenciais. Muitos dizem que estas disciplinas já existem, uma verdade, mas a grande maioria das faculdades colocam estas disciplinas em um modelo à distância (EAD), distanciando as discussões mais urgentes e criando um processo de mecanização do ensino e uma verdadeira mercantilização do ensino jurídico. A formação do profissional deve ser marcada por maior diversidade, trazendo para a magistratura e para o ministério público pessoas oriundas de grupos sociais mais empobrecidos, pessoas originárias de grupos diversos, arejando o ensino jurídico.
São muitas as mudanças que a sociedade brasileira contemporânea demandam, estas mudanças envolvem transformações de mentalidade para todos os setores da comunidade, analisando intimamente os poderes da sociedade, vislumbrando um judiciário mais inclusivo, mais diversificado, mais eficiente, menos dispendioso, mais rápido e marcado por salários dignos e decentes para todos os seus funcionários, não apenas para um pequeno grupo de iluminados que garantem seus ganhos adicionais, seus penduricalhos, seus benesses e seus benefícios exagerados.
Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Gestor Financeiro e de Investimento, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.