Compromisso com a segurança, por Oscar Vilhena Vieira

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O país tem criado políticas ineficientes e muitas vezes contraproducentes, mas que têm mais apelo eleitoral

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de “Constituição e sua Reserva de Justiça” (Martins Fontes, 2023).

Folha de São Paulo, 11/01/2025

A negligência com a segurança pública levou à morte de cerca de 1 milhão de pessoas nas últimas duas décadas no Brasil. Essa é a face mais dramática de um fenômeno mais amplo, que dilacera famílias, esgarça o tecido social, compromete nosso desenvolvimento, além de brutalizar o cotidiano de milhões de pessoas, submetidas ao domínio arbitrário e violento do tráfico, de milícias e mesmo de agentes do Estado que, por definição, teriam a função de proteger os cidadãos.

A incapacidade do Estado brasileiro de assegurar o direito à segurança aos seus cidadãos gera ainda um outro efeito adverso que é ampliar a desconfiança da população nas suas instituições, abrindo espaço para discursos de lideranças populistas e descomprometidas com o Estado de direito.

Apesar de a criminalidade se encontrar entre as principais preocupações dos brasileiros, desde a década de 1990, as respostas oferecidas pelos sucessivos governos, sejam eles de direita, centro ou esquerda, tanto no âmbito dos estados, como no plano federal, não apenas se demonstraram insuficientes para conter o crescimento da criminalidade, em especial a criminalidade organizada, como em muitos aspectos têm contribuído para sua expansão.

Muito embora as últimas décadas tenham gerado um conjunto consistente de experiências bem-sucedidas de controle da criminalidade ao redor do mundo, o mercado político brasileiro tem premiado políticas ineficientes e muitas vezes contraproducentes, mas que têm mais apelo eleitoral.

Exemplo disso é a política prisional. O Brasil tem hoje a terceira maior população prisional do mundo. São mais de 800 mil presos, distribuídos em cerca de 1.500 estabelecimentos. Estima-se que 70% desses estabelecimentos estejam sob controle de facções criminosas. O resultado é que, para atender à demanda do populismo penal, o Estado brasileiro transformou-se no principal parceiro na arregimentação e no fortalecimento do crime organizado. Um desastre!

Múltiplas são as razões que têm dificultado reformas ou mesmo a adoção e consolidação de políticas públicas mais efetivas no campo da segurança pública. A primeira delas é que o debate sobre segurança tem se tornado cada vez mais polarizado, reduzindo a possibilidade da formação de consensos, com base em evidências e experiências bem-sucedidas. O caso das câmeras corporais é um bom exemplo.

Um segundo obstáculo são os interesses corporativos. Além das disputas entre as Polícias Militares e Polícias Civis, há também interesses do Ministério Público e da Justiça, que têm bloqueado a construção de soluções mais eficientes. Paralelamente, governadores com pretensões reformistas têm enormes dificuldades de se contrapor aos interesses dessas corporações.

Por fim, não se deve negligenciar a contaminação das instituições. O crime organizado é uma atividade altamente rentável e que depende de um sistema de segurança ineficiente e com baixa integridade para expandir suas atividades. Seus representantes, nas diversas esferas, estão, portanto, permanentemente mobilizados para assegurar a manutenção dessa baixa eficiência e falta de integridade.

Enfrentar essas resistências à modernização de nosso sistema de segurança é o principal desafio a lideranças efetivamente comprometidas com o bem-estar da população, assim como com a própria sobrevivência da democracia.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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