Vencedores do Nobel construíram modelos matemáticos para incorporar política e instituições em análises da economia
Claudio Ferraz, Professor da Escola de Economia de Vancouver (Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá) e da PUC-Rio.
Folha de São Paulo, 17/11/2024
O Prêmio Nobel de Economia de 2024, concedido a Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, coroa décadas de pesquisas voltadas a compreender como instituições criadas durante a colonização moldaram a trajetória da democracia e do desenvolvimento econômico dos países, contribuição fundamental para responder por que algumas nações prosperam e outras fracassam, uma das questões mais primordiais da disciplina.
Em 2003, eu cursava o segundo ano de doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley. Tinha ido para lá decidido em me especializar na área de desenvolvimento econômico e esperava aprender os modelos matemáticos de fronteira que explicavam por que alguns países se desenvolviam e outros não.
A primeira disciplina de desenvolvimento econômico focava as falhas de mercados de países pobres, a chamada microeconomia do desenvolvimento. O livro “Development Microeconomics”, de Pranab Bardhan e Christopher Udry, tinha acabado de sair, e o campo passava por um ressurgimento, com mais ênfase na microeconomia e em trabalhos empíricos.
Cheguei na segunda disciplina com a expectativa de estudar modelos de crescimento econômico e temas como educação, saúde e capital social. Logo na primeira aula, no entanto, percebi que aquele curso seria diferente. O professor não era do departamento de economia, mas de ciência política.
Em vez de enfatizar os trabalhos acadêmicos que iríamos ler, ele buscou nos convencer que, para ter boas ideias, teríamos que ler livros, algo que os economistas, infelizmente, não fazem no doutorado. A primeira leitura seria “Markets and States in Tropical Africa”, livro do cientista político Robert Bates.
Depois de distribuir a ementa, James Robinson foi para o quadro e começou a ensinar o modelo de crescimento de Solow, algo padrão naquela época, mas emendou um modelo matemático de economia e política para tentar apresentar as causas e as consequências econômicas do apartheid na África do Sul. Seu argumento era que a desigualdade que surgiu depois da colonização gerou a repressão e a exclusão de parte da população pela elite branca. Isso tinha desdobramentos não só políticos quanto econômicos.
Para mim e para grande parte do campo da economia nas universidades de ponta dos EUA, aquilo era uma novidade. No começo dos anos 2000, poucos economistas olhavam para a política usando modelos matemáticos. A exceção era um grupo de macroeconomistas, como Alberto Alesina, Torsten Persson e Guido Tabellini, que usava modelos políticos para entender déficits fiscais, ciclos políticos e decisões de estabilização.
Economia política não era lecionada em quase nenhum programa de doutorado de ponta e, no campo do desenvolvimento econômico, aspectos políticos não estavam na agenda, exceto por textos mais descritivos, como um trabalho de Albert Hirschman dos anos 1970.
O Prêmio Nobel de Economia deste ano foi concedido a Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, que lançaram luz sobre uma das questões mais fundamentais em economia: por que algumas nações prosperam enquanto outras fracassam? Diferentemente da literatura anterior, que se concentrava nos fatores de crescimento, a contribuição dos três pesquisadores foi trazer quantitativamente aspectos políticos para a análise dos economistas.
Seus trabalhos mostraram que é impossível entender o desenvolvimento econômico dos países sem levar a sério aspectos políticos. O prêmio coroa décadas de pesquisa e celebra duas agendas complementares: uma empírica, que busca compreender as raízes institucionais do crescimento, e outra teórica, voltada a modelos matemáticos que explicam a persistência de instituições ineficientes e as causas econômicas de transições de regimes políticos.
Durante décadas, economistas tentaram explicar as desigualdades de renda entre países. Nos anos 1950, Robert Solow, Nobel de 1987, desenvolveu um modelo que atribuía essas disparidades à acumulação de capital e ao crescimento populacional dos países. Nações que poupam mais e cuja população cresce mais devagar terão renda per capita mais alta a longo prazo.
Uma predição empírica desse modelo: países mais pobres deveriam crescer mais rapidamente, convergindo para o nível de renda dos países ricos, algo que raramente se observou na prática. Em 1997, Lant Pritchett publicou um artigo em que argumentava que a convergência de renda só ocorreu entre os países ricos no século 20. Já os países de baixa renda, com poucas exceções, permaneciam presos em uma armadilha de pobreza.
Como explicar o fato de países ricos continuarem a crescer mais rapidamente que muitos países em desenvolvimento? No final dos anos 1980, economistas como Philippe Aghion, Robert Lucas e Paul Romer começaram a destacar o papel do capital humano e do investimento em inovação como fatores centrais para o crescimento econômico.
Eles mostraram que os países que investiram cedo na educação e direcionaram recursos para pesquisa e desenvolvimento cresceram mais rapidamente na segunda metade do século 20. Estudos empíricos que incluíam educação e ciência se provaram mais eficazes em explicar as diferenças de renda entre os países que modelos que consideravam apenas o capital físico.
Os economistas continuavam, porém, sem entender sistematicamente o que levou alguns países a investir em educação ou inovação tecnológica e outros não. Aspectos políticos não faziam parte da modelagem utilizada pela maioria dos economistas neoclássicos, mesmo que historiadores econômicos como Douglas North e Robert Thomas já tivessem enfatizado, nos anos 1970, a importância das instituições.
Esses autores argumentaram que as regras do jogo que regulam as interações entre pessoas, empresas e governos eram fundamentais para entender a trajetória econômica dos países. Em seus trabalhos, sugeriram que países que protegiam direitos de propriedade, por exemplo, geraram mais inovação e incentivos para o empreendedorismo e que isso acontecia quando instituições políticas restringiam o poder dos líderes.
A tese de que instituições e políticas governamentais eram importantes foi testada por Robert Hall e Charles Jones. Em 1999, eles publicaram um trabalho muito influente que mostrava que diferenças de acumulação de capital e produtividade estavam relacionadas com o que eles chamaram à época de infraestrutura social dos países —instituições e políticas governamentais que determinam o ambiente econômico em que indivíduos acumulam habilidades e firmas acumulam capital e inovam.
Os autores usaram dados de consultorias de risco político e mediram índices de lei e ordem, qualidade burocrática, corrupção e risco de confisco e expropriação. Permanecia, no entanto, a pergunta: por que alguns países tinham infraestrutura social melhor?
Nessa mesma época, o proeminente economista Jeffrey Sachs argumentava que o principal problema dos países pobres era sua geografia. Países localizados nos trópicos têm clima menos propício à agricultura e grande propensão a doenças em razão de suas florestas cheias de mosquitos e malária. Tudo isso contribuiria negativamente para o crescimento econômico e geraria diferenças de longo prazo.
Foi depois de uma palestra de Jeffrey Sachs no final dos anos 1990 que James Robinson começou a pensar no papel histórico da geografia no desenvolvimento econômico dos países. Se a geografia é tão determinista, como países que foram ricos no passado em razão da sua geografia são pobres hoje?
Ao lado de Daron Acemoglu e Simon Johnson, Robinson se debruçou sobre dados históricos. No começo dos anos 2000, os pesquisadores publicaram dois artigos seminais que contestavam a importância direta da geografia como o principal determinante da riqueza das nações. O argumento de Acemoglu, Johnson e Robinson reconhecia que a geografia importava, mas não devido à qualidade do solo ou à proliferação de doenças, como argumentava Jeffrey Sachs, mas pelo efeito que teve sobre a colonização.
Em um trabalho, eles argumentaram que, onde havia recursos abundantes e a colonização era difícil devido à alta mortalidade, os colonizadores estabeleceram uma sociedade que tinha como objetivo extrair riquezas e, em locais mais propícios à sobrevivência, criaram instituições mais inclusivas que facilitavam a sua permanência.
Testar empiricamente a relação entre boas instituições e desenvolvimento econômico não era fácil. O que era causa e o que era consequência? Boas instituições poderiam ter facilitado o acúmulo de riqueza, mas o contrário também poderia ter acontecido. Como saber o que veio primeiro?
Acemoglu, Johnson e Robinson usaram o que economistas chamam de experimento natural. Essas técnicas se disseminaram na economia no final da década de 1980 e no início dos anos 1990 como forma de avaliar o impacto de políticas sociais. A ideia básica é selecionar lugares parecidos, onde uma política foi adotada em só parte deles, e comparar o que aconteceu com cada um deles ao longo do tempo. Até então, essas metodologias não eram usadas para avaliar eventos históricos —eram utilizadas para avaliar programas educacionais ou de mercado de trabalho.
Os três pesquisadores compararam países com diferentes processos de colonização e mostraram que, naqueles onde a mortalidade foi maior no período colonial, existem hoje instituições piores e, na média, os países são mais pobres. O argumento central é que, onde a mortalidade era mais alta, foram estabelecidas instituições extrativistas, sem Estado de Direito e com direitos de propriedade fracos, e que essas instituições persistiram até hoje.
Se as instituições impostas na colonização foram realmente importantes, civilizações que eram prósperas antes de se tornarem colônias devem ser hoje mais pobres como consequência da imposição de instituições extrativistas. Esse argumento já havia sido defendido por outros cientistas sociais, como os historiadores Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff em um trabalho sobre a reversão da riqueza nas Américas. Eles notaram que grandes proprietários fundiários e instituições extrativistas (trabalho escravo) foram favorecidos em locais onde a produção agrícola demandava grandes extensões de terra. Isso gerou desigualdade e concentrou o poder político em uma pequena elite.
Faltava, contudo, uma metodologia capaz de quantificar esses efeitos. Em um trabalho, Acemoglu, Johnson e Robinson compararam a renda per capita dos países no final do século 20 com as taxas de urbanização e densidade populacional por volta de 1500, quando os europeus começaram a colonização. Os pesquisadores descobriram que países relativamente ricos em 1500 são hoje relativamente pobres, o que sugere que a geografia não pode ser um fator determinante no crescimento das nações.
A pesquisa dos vencedores do Nobel impulsionou uma enorme literatura. Diversos pesquisadores chamaram a atenção para problemas com os dados históricos e o tratamento do processo de colonização como experimento natural. A principal crítica veio dos economistas Edward Glaeser, Rafael La Porta, Florencio López de Silanes e Andrei Shleifer, que argumentaram que os colonizadores também trouxeram capital humano, o que pode ter gerado investimentos em educação que explicariam o desenvolvimento a longo prazo.
Uma forma de testar se instituições afetam a prosperidade a longo prazo é focar um país e analisar a variação entre regiões que tiveram experiências históricas distintas.
Melissa Dell, orientada por Daron Acemoglu no MIT, analisou, em um trabalho publicado em 2010, os efeitos de longo prazo da mita, instituição de trabalho forçado em que espanhóis obrigavam aldeias indígenas a ceder parte da sua população para a mineração de prata. Dell demonstrou que locais onde a mita existiu são mais pobres até hoje.
Sara Lowes e Eduardo Montero, alunos de James Robinson em Harvard, estudaram a extração de borracha no Congo belga. Eles mostraram que locais onde houve concessões para essa atividade são hoje mais pobres, têm índices de escolaridade menores e indicadores de saúde piores.
Em relação ao Brasil, Joana Naritomi, Rodrigo Soares e Juliano Assunção publicaram um trabalho em 2012 que mostrou que locais que fizeram parte do boom de cana-de-açúcar ou do ouro no período colonial têm pior governança e pior provisão de bens públicos.
A contribuição acadêmica de Acemoglu e Robinson não se reduz a demonstrar que instituições têm um efeito causal na prosperidade dos países. Eles construíram modelos matemáticos para explicar por que instituições políticas são fundamentais para o processo de consolidação democrática e desenvolvimento econômico. Em países onde o poder político é distribuído mais igualitariamente, políticas públicas e escolhas de instituições econômicas geram mais prosperidade.
Essas ideias contrastam radicalmente com a forma como a maioria dos economistas modelavam o desenvolvimento econômico até os anos 1990, ignorando totalmente aspectos políticos.
Usar modelos em que a adoção de inovações tecnológicas dependem da aprovação do governo é uma forma de pensar a relação entre elites políticas e desenvolvimento econômico. Podemos imaginar uma sociedade agrícola em que a elite mantém seu poder político controlando os trabalhadores rurais. A modernização por meio da industrialização não só muda a atividade econômica predominante, mas leva à perda da capacidade da elite de controlar os trabalhadores. Em um caso como esse, a elite poderia frear a industrialização e atrasar a adoção de tecnologias modernas pelo país por temor de perda de poder político.
Durante os anos 2000, Acemoglu e Robinson publicaram uma série de trabalhos na área de economia política buscando responder por que países não adotam instituições que maximizam o bem-estar da sua população. Como instituições ineficientes são sustentadas ao longo do tempo? Em que contextos acontecem transições de regimes autoritários para regimes democráticos?
Os autores usaram modelos matemáticos para construir uma teoria geral do processo de democratização, consolidação democrática e reversão autoritária por meio de golpes de Estado. Suas teorias, resumidas no livro “Economic Origins of Dictatorship and Democracy “, de 2005, partem de duas premissas. Primeiro, que o povo —mesmo em sistemas autocráticos, em que não tem poder político— pode fazer uma revolução e tirar os ricos do poder. Segundo, que a elite, para evitar que isso aconteça, pode reprimir o povo usando violência ou redistribuir recursos.
Eles mostram que, para satisfazer as demandas da população mais pobre e prevenir uma revolução, a elite precisa fazer concessões, mas que essas concessões podem não ser críveis, já que as condições econômicas podem mudar ao longo do tempo. Mesmo que a elite promova uma redistribuição de renda no presente, a probabilidade de uma revolução pode ser baixa no futuro e a elite decida redistribuir menos.
A questão do compromisso crível é central nos modelos de Acemoglu e Robinson. A democratização, em seus modelos, surge como uma forma de tornar crível a promessa de redistribuição futura. Quando a população mais pobre adquire o direito ao voto, as políticas implementadas tendem a refletir os interesses do cidadão mediano em vez de atender exclusivamente aos desejos da elite. Portanto, a democratização é vista como uma concessão estratégica por parte da elite para evitar uma revolução.
Em modelos posteriores, os pesquisadores ultrapassaram a dicotomia entre ditadura e democracia e se perguntaram por que vemos transições democráticas sem a esperada redistribuição para a população mais pobre. Para explicar esses fenômenos, eles construíram um modelo que distingue as instituições entre regras “de jure” e “de facto”.
Uma coisa é que o que está escrito na Constituição, outra é o que realmente acontece na vida real. Mesmo que um país permita que seus indivíduos mais pobres passem a votar, a elite ainda pode recorrer à compra de votos, à violência ou mesmo a regras eleitorais que façam com que o voto dos mais pobres valha menos.
Um exemplo desse modelo foi testado empiricamente por Thomas Fujiwara que estudou a introdução do voto eletrônico no Brasil em 1996. O economista brasileiro mostrou que, apesar de indivíduos analfabetos terem o direito de votar desde 1985, grande parte dos seus votos eram anulados. A introdução do voto eletrônico mudou essa situação, garantiu mais representatividade “de facto” e mudou as políticas implementadas pelos políticos eleitos.
Os modelos de Acemoglu e Robinson nos ajudam a entender uma variedade de fatores que facilitam ou dificultam a consolidação democrática, como o nível de organização da sociedade civil, a desigualdade entre ricos e pobres e o impacto de crises econômicas. Ao incorporar a dinâmica política nas análises, seus estudos não apenas explicam por que algumas nações fracassam, mas oferecem dicas valiosas sobre como promover o crescimento econômico sustentável e inclusivo.
Em um momento em que a democracia enfrenta desafios globais, focar as instituições políticas é uma contribuição essencial e oportuna.