Combate ao crime organizado é questão de Estado, por Oscar Vilhena Vieira.

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Sem paz não haverá prosperidade nem democracia

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de “Constituição e sua Reserva de Justiça” (Martins Fontes, 2023)

Folha de São Paulo, 02/11/2024

Debelar o crime organizado constitui hoje o principal desafio da democracia brasileira. Muitos dirão que temos desafios mais importantes. O fato, porém, é que dificilmente conseguiremos êxito em outras frentes sem que a criminalidade organizada seja contida.

A expansão da criminalidade organizada vem submetendo parcelas cada vez maiores da população brasileira à brutalidade e à exploração econômica. Estima-se que 23 milhões de brasileiros vivam hoje em áreas dominadas por milícias e facções. Nessas áreas não há lei nem direitos. A regra são a violência e o arbítrio. É um erro acreditar que o crime organizado se interesse apenas por atividades ilegais altamente lucrativas, como o narcotráfico, o garimpo ilegal, a grilagem, o desmatamento criminoso, o tráfico de seres humanos ou a prostituição. O crime tem expandido suas ações para a distribuição de combustíveis —e mesmo a produção de álcool—, o mercado imobiliário, de transporte coletivo e de apostas e a lavagem de dinheiro, para ficar apenas nos exemplos mais evidentes.

Milícias e facções têm se dedicado a controlar o acesso da população aos serviços públicos, ao mercado local, à liberdade básica de ir e vir e até mesmo o acesso à religião. O chamado “narcopentecostalismo” é hoje um fenômeno que vem ganhando força em muitas comunidades. São, portanto, milhões de brasileiros reféns de um estado cotidiano de exceção.

Particularmente preocupante é a expansão do crime organizado pela amazônia. Como aponta Marta Machado, secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, há hoje uma forte conexão entre narcotráfico e degradação ambiental. Pistas clandestinas, rotas de escoamento, lavagem de dinheiro e prostituição fazem parte das mesmas redes. O enfrentamento da questão climática, no Brasil, está hoje umbilicalmente ligado ao combate ao crime organizado.

Múltiplos são os fatores que levaram a essa expansão do crime, que vão da ausência ou presença arbitrária do Estado à inexistência de oportunidades econômicas. Há, porém, uma dimensão institucional, que decorre de escolhas erradas no campo da segurança pública e da política criminal.

O primeiro desses erros tem sido apostar numa política de encarceramento indiscriminado e em massa. O Estado tem se tornado, assim, o principal parceiro do crime organizado. Nas prisões, as facções cresceram e se fortaleceram.

Um segundo erro tem sido negligenciar a profissionalização, a integração, as boas condições de trabalho, o investimento em inteligência e o controle das polícias, reduzindo sua eficiência e, em algumas circunstâncias, favorecendo a milicianização das forças de segurança.

Um terceiro erro foi flexibilizar o acesso a armas e munições, que têm migrado para as mãos de criminosos, aumentando o poder de fogo contra a população e mesmo contra a polícia.

O mais preocupante, neste momento, tem sido o avanço do crime organizado sobre a política partidária, o Legislativo, governos, polícias e mesmo a Justiça. É fundamental que medidas urgentes sejam tomadas antes que esse processo de captura do Estado se torne irreversível.

A PEC apresentada pelo Governo Federal aos governadores nesta semana pode representar um primeiro passo na criação de uma política de Estado de segurança pública. Conservadores e progressistas têm que se unir contra o crime.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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