Como para eles não há teoria absolutamente verdadeira, a regra é fazer experimentações
Luiz Carlos Bresser-Pereira – Folha de S. Paulo, 31/08/2024
A revista The Economist publicou em 11 julho artigo com o título “Xi Jinping inabalavelmente comprometido com o setor privado”. A publicação tem dificuldade de entender que um país possa estar ao mesmo tempo comprometido com o setor privado e com o setor público. Para a perspectiva neoliberal, da qual a revista é a principal representante no jornalismo, ou um país está comprometido com o mercado ou com o Estado, porque os dois seriam incompatíveis: o aumento de um setor implicaria a diminuição do outro.
A visão do desenvolvimentismo não é oposta, mas é muito diferente. Estado e mercado, setor público e setor privado são complementares. Em certos casos, o avanço do setor público pode expulsar (“crowd out”) o setor privado, mas isso é antes a exceção do que a regra. Geralmente, o investimento público cria demanda para o setor privado. Basta seguir a regra desenvolvimentista: os setores que são monopolistas e os que envolvem segurança nacional devem ser controlados pelo Estado, enquanto os setores competitivos devem ficar por conta do setor privado.
O mercado é uma instituição coordenadora do capitalismo insuperável quando há competição —quando, portanto, há mercado. Quando, porém, não há um mercado para coordenar o setor, é mais racional deixá-lo por conta do Estado. Mas vejamos o que nos diz The Economist. “Segundo a visão chinesa de fazer políticas públicas, a China adota políticas de cima para baixo, mas também abraça a experimentação de baixo para cima”.
Para os chineses, experimentar é sempre bom. Mais do que isso, como para eles não há teoria absolutamente verdadeira, não há uma política pública que possa ser deduzida da teoria, a regra é experimentar políticas diferentes —algo que é mais fácil quando se tem diferentes regiões para fazer as experiências.
Os chineses acreditam no poder das contradições; pensam, portanto, de forma dialética. Pensam o Estado e o mercado não apenas como complementares, mas também como mantendo entre si uma relação de atração e rechaço. Isso é pensar dialeticamente, compatível com a filosofia de Confúcio. Eles afirmam defender os dois princípios de coordenação econômica de forma “inabalável”, “inarredável” —em relação aos quais o governo não cederá.
A revista informa que na China existem 867 mil empresas que têm algum grau de propriedade estatal. Cito The Economist, resumindo: “A sorte das empresas privadas da China piorou. Sua participação no investimento atingiu 59% em 2014, de acordo com dados oficiais. Mas essa porcentagem caiu desde então. No final do ano passado, era de apenas 50%. Em vez de apoio, os empresários privados da China sofrem repressão. Três anos atrás, as empresas privadas representavam 55% do valor de mercado das 100 maiores listadas da China, de acordo com o Peterson Institute. No final do ano passado, esse número era de 37%”. Mas, reconhece a revista, os dois “inabaláveis” são mais compatíveis do que parecem. Segundo o diretor de um think tank em Pequim, “a economia privada não enfraqueceu a economia estatal, mas melhorou a eficiência das empresas estatais”. Continua a revista: “As empresas privadas temem que as empresas estatais as expulsem: ‘O Estado avança, o setor privado recua’, como os chineses às vezes dizem. Mas, desde a crise financeira global de 2007-9, o setor privado muitas vezes recuou por conta própria em resposta às desacelerações do mercado, não aos avanços do Estado.
Nesses casos, os investimentos de veículos estatais, inclusive das empresas de infraestrutura dos governos locais, preencheram a lacuna na demanda deixada por um setor privado intimidado. As ligações entre as indústrias são ‘como uma teia de aranha gigante’, aponta Xiaohuan Lan, da Universidade Fudan.
Funcionários do Partido Comunista disseram repetidamente que os empresários privados são ‘nosso próprio povo’. Os funcionários não são indiferentes à iniciativa privada. O compromisso inabalável do partido com o setor é sincero —mesmo que muitos empresários desejem que fosse menor”. Como se vê, The Economist fez suas críticas ao modelo desenvolvimentista chinês. Não poderia deixar de fazê-las, já que a forma de coordenação econômica alternativa ao liberalismo econômico é o desenvolvimentismo. E a revista teme a competição. Não obstante, parece haver aprendido com a China a pensar dialeticamente.