Ele é maior do que a média nacional, a informalidade é alta e 67% não possuem qualificação. Há desajustes profundos entre o sistema educacional e o mercado de trabalho. E o “empreendedorismo” não resolverá o problema: uma política robusta de primeiro emprego é necessária
Erik Chiconelli Gomes – OUTRAS PALAVRAS – 01/10/2024
O mercado de trabalho brasileiro tem apresentado uma dinâmica complexa nos últimos anos, com tendências aparentemente contraditórias que merecem uma análise aprofundada. Por um lado, observamos uma queda na taxa geral de desemprego, que atingiu 6,6% no trimestre encerrado em agosto de 2024, o menor patamar para esse período desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) em 2012 (IBGE, 2024a, p. 3). Por outro lado, os dados revelam uma situação preocupante para os jovens entre 18 e 24 anos, cuja taxa de desemprego permanece significativamente acima da média nacional, em torno de 14% (IBGE, 2024b, p. 7).
Esta disparidade entre a situação geral do mercado de trabalho e a realidade enfrentada pelos jovens não é um fenômeno novo, mas sua persistência e intensidade demandam uma reflexão crítica sobre as estruturas socioeconômicas e as políticas públicas vigentes no país. Como argumenta Pochmann (2023, p. 45), “o desemprego juvenil é um sintoma de desajustes profundos no sistema educacional e no mercado de trabalho, refletindo a incapacidade da sociedade em promover uma transição suave e efetiva da escola para o mundo profissional”.
Para compreender a complexidade desse cenário, é necessário analisar não apenas os números absolutos, mas também os fatores históricos e sociológicos que contribuem para a manutenção dessa disparidade. A formação do mercado de trabalho brasileiro, marcada por um processo de industrialização tardio e dependente, criou estruturas que perpetuam desigualdades e dificultam a inserção dos jovens no mercado formal (Furtado, 2022, p. 112).
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) destaca que “a taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos é historicamente maior do que a taxa geral, refletindo dificuldades estruturais de inserção desse grupo no mercado de trabalho” (IPEA, 2024, p. 23). Essa constatação nos leva a questionar se as políticas públicas e as estratégias de desenvolvimento econômico têm sido eficazes em abordar as necessidades específicas desse segmento populacional.
Um aspecto particularmente preocupante é o alto índice de demissões a pedido entre os jovens, que chega a 40% do total de desligamentos nessa faixa etária, contra 34% na média geral (DIEESE, 2024, p. 18). Esse dado pode indicar uma insatisfação generalizada com as condições de trabalho oferecidas, bem como uma possível inadequação entre as expectativas dos jovens e as oportunidades disponíveis no mercado.
A precarização do trabalho, fenômeno que se intensificou nas últimas décadas com a flexibilização das leis trabalhistas e o avanço da chamada “gig economy”, afeta de maneira desproporcional os trabalhadores mais jovens. Como observa Antunes (2023, p. 87), “a uberização do trabalho e a proliferação de contratos temporários e intermitentes atingem com maior intensidade os jovens, que se veem forçados a aceitar condições laborais instáveis e pouco protegidas”.
O descompasso entre a formação educacional e as demandas do mercado de trabalho é outro fator crucial para entender o desemprego juvenil. Apesar do aumento no nível de escolaridade da população brasileira nas últimas décadas, persiste uma lacuna significativa entre as habilidades desenvolvidas no sistema educacional e aquelas requeridas pelo setor produtivo (Schwartzman, 2022, p. 156).
A questão da qualificação profissional emerge como um ponto nevrálgico nesse debate. O IBGE (2024c, p. 12) aponta que “entre os jovens desempregados, 67% não possuem qualificação técnica específica para as vagas disponíveis no mercado”. Essa estatística revela uma falha sistêmica na preparação dos jovens para o mundo do trabalho, demandando uma reavaliação urgente das políticas educacionais e de formação profissional.
A dimensão regional do desemprego juvenil também merece atenção. As disparidades econômicas entre as diferentes regiões do Brasil se refletem nas oportunidades de trabalho para os jovens. Segundo o IPEA (2024, p. 45), “as regiões Norte e Nordeste apresentam taxas de desemprego juvenil significativamente maiores que as regiões Sul e Sudeste, evidenciando a necessidade de políticas regionalizadas de geração de emprego e renda”.
O fenômeno dos “nem-nem” – jovens que nem estudam nem trabalham – é outro aspecto preocupante dessa realidade. O IBGE (2024d, p. 8) estima que “cerca de 23% dos jovens entre 18 e 24 anos se encontram nessa situação, o que representa um desperdício de potencial humano e um risco para a coesão social”. Essa parcela da juventude, muitas vezes invisibilizada nas estatísticas oficiais de desemprego, demanda atenção especial das políticas públicas.
A questão de gênero adiciona uma camada extra de complexidade ao problema do desemprego juvenil. As mulheres jovens enfrentam taxas de desemprego consistentemente mais altas que seus pares masculinos, além de serem mais afetadas pela informalidade e pela precarização do trabalho (DIEESE, 2024, p. 27). Essa disparidade reflete padrões históricos de discriminação e segregação ocupacional que persistem no mercado de trabalho brasileiro.
O impacto da revolução tecnológica e da automação sobre o emprego juvenil é outro fator que não pode ser ignorado. Como observa Schwab (2023, p. 134), “a Quarta Revolução Industrial está reconfigurando rapidamente o panorama do trabalho, com implicações particularmente profundas para os trabalhadores mais jovens, que precisam se adaptar a um ambiente em constante mutação”.
A pandemia de Covid-19 exacerbou muitas das tendências preexistentes no mercado de trabalho, afetando de maneira desproporcional os jovens. O IPEA (2024, p. 56) destaca que “os setores econômicos mais impactados pelas medidas de distanciamento social, como serviços e comércio, são justamente aqueles que tradicionalmente empregam mais jovens”. A recuperação pós-pandemia tem se mostrado desigual, com os jovens enfrentando maiores dificuldades para se reinserirem no mercado.
A questão da informalidade é particularmente relevante para a análise do desemprego juvenil. O IBGE (2024e, p. 15) aponta que “40% dos jovens ocupados estão na informalidade, um percentual significativamente maior que a média geral da população”. Essa alta taxa de informalidade entre os jovens não apenas reflete a precariedade de suas condições de trabalho, mas também compromete sua proteção social e perspectivas de desenvolvimento profissional a longo prazo.
A interseccionalidade entre raça e desemprego juvenil revela outra faceta das desigualdades estruturais do mercado de trabalho brasileiro. Segundo o DIEESE (2024, p. 33), “jovens negros enfrentam taxas de desemprego 30% maiores que jovens brancos na mesma faixa etária”. Essa disparidade racial no acesso ao emprego é um reflexo direto do racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira e demanda ações afirmativas específicas.
O empreendedorismo juvenil tem sido frequentemente apontado como uma possível solução para o desemprego nessa faixa etária. Contudo, como argumenta Nogueira (2023, p. 78), “a narrativa do empreendedorismo como panaceia para o desemprego juvenil muitas vezes mascara a precarização do trabalho e transfere a responsabilidade da geração de emprego do Estado e do setor produtivo para o indivíduo”.
A questão da rotatividade no emprego entre os jovens também merece atenção. O alto índice de demissões a pedido nessa faixa etária pode ser interpretado de diversas formas. Por um lado, pode indicar uma maior disposição dos jovens em buscar melhores oportunidades e condições de trabalho. Por outro, pode refletir uma insatisfação generalizada com as opções disponíveis no mercado e uma dificuldade em encontrar posições que atendam suas expectativas e aspirações profissionais.
As políticas públicas voltadas para o emprego juvenil têm se mostrado insuficientes para enfrentar a magnitude do problema. Programas como o Jovem Aprendiz e o ProJovem, embora bem-intencionados, têm alcance limitado e nem sempre conseguem proporcionar uma inserção duradoura no mercado de trabalho formal (IPEA, 2024, p. 67). É necessário repensar essas políticas, ampliando seu escopo e efetividade.
Neste contexto, é fundamental destacar o papel do Sistema Nacional de Emprego (SINE) como uma ferramenta essencial para combater o desemprego juvenil. O SINE, presente em praticamente todas as cidades brasileiras, oferece uma gama de serviços cruciais para a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Além da divulgação de vagas e intermediação de mão-de-obra, o SINE também proporciona qualificação profissional, orientação profissional e fomento a atividades autônomas e empreendedoras. O fortalecimento e a modernização do SINE pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) representam um passo importante para melhorar as perspectivas de emprego para os jovens brasileiros.
A questão do primeiro emprego continua sendo um desafio significativo para os jovens brasileiros. A exigência de experiência prévia por parte dos empregadores cria um ciclo vicioso, no qual os jovens não conseguem obter experiência porque não são contratados, e não são contratados porque não têm experiência. Romper esse ciclo demanda uma mudança de mentalidade por parte do setor empresarial e políticas públicas que incentivem a contratação de jovens sem experiência.
O papel da educação superior na empregabilidade dos jovens é outro ponto que merece reflexão. Embora o acesso ao ensino superior tenha se expandido nas últimas décadas, isso não se traduziu automaticamente em melhores perspectivas de emprego para os jovens graduados. Como observa Neri (2023, p. 112), “há um descompasso entre a formação oferecida pelas universidades e as demandas do mercado de trabalho, resultando em um fenômeno de subemprego de jovens graduados”.
Em conclusão, o desemprego juvenil no Brasil é um problema multifacetado que reflete e perpetua desigualdades estruturais profundas na sociedade brasileira. Sua solução demanda uma abordagem holística que envolva não apenas políticas de geração de emprego, mas também reformas educacionais, combate às discriminações de gênero e raça, incentivos à inovação e ao empreendedorismo sustentável, e uma reconstrução do pacto social em torno do trabalho digno. Somente através de um esforço coordenado e de longo prazo, que envolva governo, setor privado, academia e sociedade civil, será possível criar um ambiente no qual os jovens brasileiros possam desenvolver plenamente seu potencial e contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país.
Referências
Antunes, R. (2023). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo.
DIEESE. (2024). A situação do trabalho no Brasil na primeira metade da década de 2020. São Paulo: DIEESE.
Furtado, C. (2022). Formação econômica do Brasil: edição comemorativa 60 anos. São Paulo: Companhia das Letras.
IBGE. (2024a). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua. Rio de Janeiro: IBGE.
IBGE. (2024b). Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE.
IBGE. (2024c). Aspectos das relações de trabalho e sindicalização. Rio de Janeiro: IBGE.
IBGE. (2024d). Educação 2023. Rio de Janeiro: IBGE.
IBGE. (2024e). Economia Informal Urbana. Rio de Janeiro: IBGE.
IPEA. (2024). Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. Brasília: IPEA.
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). (2024). Rede SINE: Entenda o que é e como funciona.
Neri, M. (2023). Juventude e trabalho no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: FGV Social.
Nogueira, M. A. (2023). Educação, saber, produção em Marx e Engels. São Paulo: Cortez.
Pochmann, M. (2023). Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo.
Schwab, K. (2023). A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro.
Schwartzman, S. (2022). Educação e trabalho no Brasil do século XXI. São Paulo: Editora Unesp.