A mente adolescente e as redes sociais, por Priscilla Bacalhau

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Número de pacientes com ansiedade já é maior em crianças e adolescentes que em adultos

Priscilla Bacalhau, Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas.

Folha de São Paulo, 21/06/2024

Quando a puberdade chega, parece que acende um alerta vermelho na mente adolescente. O corpo muda, os sentimentos ficam mais complexos, a interação com a família diminui enquanto a com amigos aumenta. A ansiedade toma conta e pode levar a caminhos tortuosos.

É isso o que acontece com Riley, personagem da animação “Divertida Mente 2”, que estreia nesta quinta (20) nos cinemas. Jovens (e adultos) vão se reconhecer nas cenas em que a ansiedade controla a torre de comando mental.

Na vida real, de onde vem tanta ansiedade? Obviamente, a explosão de hormônios tem papel relevante. Mas o mundo do século 21 traz mais complicadores para o ambiente. A digitalização das relações, o aparelho celular como extensão do braço e a proliferação de redes sociais chegaram para revolucionar a revolução da puberdade adolescente.

Apesar de essa realidade ser relativamente recente, já existem diversas evidências sobre os efeitos negativos do uso excessivo da tecnologia no desenvolvimento e na saúde mental de crianças e jovens. As redes sociais, desenhadas para serem viciantes, têm potencial avassalador nos jovens, cujos cérebros e sistemas de autocontrole ainda estão em formação.

O livro “A geração Ansiosa”, do psicólogo americano Jonathan Haidt, mostra o aumento de doenças mentais em adolescentes de países desenvolvidos: há mais depressão, ansiedade e até tentativa de suicídio, especialmente de meninas.

No Brasil, os números não são melhores, e os registros de pacientes com ansiedade já é maior entre crianças e adolescentes em comparação com adultos, como mostra levantamento da Folha.

Como qualquer problema complexo, as soluções não são simples para essa epidemia de ansiedade jovem exacerbada pelas redes sociais. Banir completamente o uso do celular é uma proposta. Celulares não smart, como nossos velhos Nokia, são outro caminho que vem sendo adotado.

Mas quaisquer dessas medidas serão ineficazes, e potencialmente prejudiciais, se não forem coletivas.

Ser o único da turma sem acesso ao celular compromete, inevitavelmente, sua sociabilização. Ninguém quer se sentir de fora, principalmente nessa fase. Além disso, para boa parte dos brasileiros, o celular é o único meio de acesso ao mundo digital. Letramento digital é crucial e jovens pobres não podem ser excluídos.

Pelo menos em um ponto parece que já temos consenso: não dá mais para permitir o uso indiscriminado de celular nas escolas. Tampouco podemos fugir de aumentar a regulação das redes, que estão se provando tão (ou mais) viciantes e prejudiciais quanto álcool e cigarro.

Para efeitos de entretenimento, a experiência da personagem Riley pode parecer individual. Mas, fora do cinema, o problema é coletivo e precisa ser tratado como tal.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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