Democracias que se prezem adotam política oposta com relação às drogas
Thiago Amparo, Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.
Folha de São Paulo, 14/03/2024
Se a intenção da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado era atestar, na letra da Constituição, o quão atrasado em matéria de política de drogas é o país, conseguiu. Nesta quarta (13), a comissão aprovou uma PEC que cristaliza o oposto do que todas as democracias que se prezem estão fazendo mundo afora: incute ma Carta o crime de possuir ou carregar qualquer tipo de droga, mesmo que seja para consumo próprio.
Ao usar o cartucho de uma PEC para piorar a já ruim lei de drogas —principal responsável pelo inchaço de 257% das prisões brasileiras nas duas últimas décadas—, o Senado usa uma arma nuclear para explodir um ladrão de galinha. Para justificar a emenda que piora o soneto, o relator da proposta, Efraim Filho (União Brasil-PB), inventou um oximoro: “Tráfico em pequenas quantidades”. A realidade, senador, é outra: a maioria dos presos por tráfico nem sequer tem relação com facções, conforme estudo do Ipea de 2023.
Na ausência de um critério objetivo que ajude a diferenciar traficante de usuário —principal gargalo da lei de drogas ora sob análise do STF —, ser negro e pobre parecem ser fatores determinantes para enquadrar o réu como traficante, mesmo quando não o é. O que o Senado faz é agravar essa situação ao criar uma punição genérica que torne ainda mais nebulosa a diferença entre traficante e usuário; e sabemos que, mesmo com categorias turvas, o Judiciário não falha em ver negros como o primeiro e não o segundo.
A CCJ do Senado Federal, ainda, exagera os efeitos da decisão do STF. Mesmo que decida uma quantidade objetiva de maconha para consumo pessoal, o parecer da corte deve ter pouco ou nenhum efeito sobre um sistema judicial que privilegia a palavra do policial e sobre um sistema policial que se alimenta da impunidade referendada pelo Judiciário para praticar abordagens e operações violentas. A deliberação do Supremo em nada muda isso, e é justamente com essas mazelas, e não com populismo penal retrógrado, que o Senado deveria se preocupar.