STF e desinformação especializada, por Georges Abboud

Compartilhe

Mídia chama de ativismo toda decisão do STF que lhe desagrade

Georges Abboud, Advogado, livre-docente e professor da PUC-SP.

Folha de São Paulo, 09/01/2024

Há mais de uma década pesquiso o tema ativismo judicial, o que se materializou em um livro, e uma das principais conclusões é a transformação do STF em inimigo ficcional por um projeto político de parcela extremada da sociedade e da política brasileiras.

Infelizmente, criticar e atacar o STF tem se apresentado como técnica eficiente e popular para a obtenção de votos, leitores e cliques. E nisso reside o risco de parte da mídia se pautar por trending topics sob pretexto de realizar uma análise isenta a respeito do Supremo.

Duas são as formas pelas quais a mídia profissional, ainda que involuntariamente, dissemina desinformação com relação ao STF. A primeira é relacionada à Operação Lava Jato.

Parcela da mídia não aceita que a constatação dos abusos gere consequências concretas que lhe são naturais, como a revisão dos julgamentos ou das penas e multas abusivas que foram impostas.

Houvesse verdadeira criteriologia, a mídia teria cobrado maior celeridade e assertividade na contenção e extinção da Lava Jato e se escandalizaria com as fundações privadas bilionárias que a Lava Jato tentou criar com auxílio de organismos internacionais em vez de vivenciar essa síndrome do sofrimento sem fim.

A segunda forma de desinformação decorre de uma avaliação pseudotécnica das decisões do STF que, basicamente, sem qualquer rigor técnico, chama de ativismo toda decisão do STF que desagrade a mídia ou parcela extrema da população brasileira.

Recentemente, o STF, na pessoa do ministro Dias Toffoli, sofreu duras críticas que demonstram as formas de desinformação explicadas acima.

A primeira se deu em razão da suspensão do acordo de leniência de uma companhia brasileira que foi notoriamente vítima da Lava Jato. A decisão apenas aplicou entendimento pacificado do STF em tantos outros casos na mesma situação e não anulou multa alguma, mas tão somente suspendeu seus aspectos patrimoniais para assegurar a uma investigada o direito de acessar as provas da Operação Spoofing para que pudesse verificar a extensão dos abusos sofridos. Ou seja, para a companhia não foi feito nada que já não estivesse consolidado no STF e, por diversas vezes, sido concedido a dezenas de outros réus.

Ocorre que parcela da mídia especializada afirmou que o STF, por meio do ministro atacado da vez, teria “perdoado” a dívida. Inclusive foi o que escreveu um colunista desta Folha, cuja expertise parece ter deixado o direito para se voltar à livre e baixa agressão ao STF, em uma verborragia travestida de crítica.

Ora, houvesse algum cuidado institucional, qualquer pessoa, inclusive o ombudsman, poderia verificar que não houve anulação da multa. Anular e suspender são ações distintas, tanto no direito quanto na língua portuguesa.

A outra decisão que gerou histeria midiática se refere à suspensão da decisão do TCU que havia interrompido a reintegração do pagamento adicional por tempo de serviço à magistratura, igualmente alvo de enfurecidas colunas e editoriais, que esqueceram, contudo, de explicar o real busílis: a decisão apenas reafirma que o TCU não tem competência para controlar decisão do CNJ, apenas o STF. Ou seja, está correta.

O livro de Bernhard Fulda demonstrou como a fragmentação da mídia profissional em comunicações hostis foi um fator chave para a derrocada da República de Weimar e para a ascensão do nacional-socialismo na medida em que constantemente propagava o risco da “violência comunista”. Assim, em sua conclusão, a mídia foi crucial para tornar o nazismo uma alternativa atraente.

A responsabilidade institucional da mídia impõe a ela própria que a divulgação da atuação do STF não pode ser feita de forma irresponsável numa era de extremos, sob pena de se tornar impopular aquilo que a mídia não explica, quando ela própria não explica aquilo que lhe parece impopular.

Para que não haja espaço para um novo 8 de Janeiro, cabe à mídia finalmente compreender que o direito e as decisões judiciais são mais complexos que os trending topics, do contrário, contribuirá, de forma até pueril, para tornar atraente algum projeto fascistoide.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

Leia mais

Mais Posts

×

Olá!

Entre no grupo de WhatsApp!

× WhatsApp!