Por que atacar escolas, por Muniz Sodré.

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Jogos e anarquia informativa confirmam a crise disciplinar e exacerbam a hostilidade à educação moral

Muniz Sodré, Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo

Folha de São Paulo, 16/04/2023

Na crônica sombria dos serial killers americanos existe a figura do “copycat”, aquele que imita criminosos precedentes. Noutro plano, mas na mesma esfera do crime, também se reproduzem em diferentes regiões os massacres aleatórios, com escolas como alvos preferenciais. Nos EUA são quase semanais, já alarmantes entre nós. Foi traumatizante o assassinato de crianças numa creche.

Ainda não se deu resposta satisfatória à escolha desse alvo. Escola, uma das matrizes da modernidade, é a forma, ao lado de outras (como nação, mercado), pela qual se incorporam saberes e se orientam cívica e profissionalmente os indivíduos. Com esta capa institucional, serve também de adaptação cognitiva ao modo de produção dominante. É dispositivo que metaboliza os parâmetros sociais de reprodução do sistema.

Mas escolarização é o processo interativo acionado pela forma cultural. Isso não se faz sem disciplina, o verdadeiro lastro ideológico da escola. O sociólogo e educador Émile Durkheim sustentava a ideia liberal de uma “autoridade regular” a quem caberia exercer a disciplina indispensável à moral, entendida como um sistema de hábitos e preceitos. Este princípio é indissociável da educação formal.

A isso se contrapõe a mídia contemporânea, cuja forma ideológica, essencialmente neoliberal, pauta-se por persuasão. Por mais que seus conteúdos editem apoios à educação e à ciência, ela é estruturalmente avessa à autoridade escolar. Evidencia-se na lógica do espetáculo e nas redes, onde jogos e anarquia informativa confirmam a crise disciplinar e exacerbam a hostilidade à educação moral.

Árdua é a competição junto aos jovens entre as formas disciplinares e as persuasivas. Estas últimas, com vantagem, guiam-se pelo individualismo neoliberal, cujos parâmetros concorrenciais do salve-se-quem-puder geram ansiedade, depressão e automutilação. Por outro lado, a escola, modelada no século 19 ao modo do controle disciplinar e do púlpito, é tanto objeto de afetos positivos como potencialmente virulentos, movidos pelo rancor.

Nos EUA e no Brasil, a organização carcerária cresce na gestão de corpos educacionalmente desamparados, mas fracassa em termos de reeducação e reintegração social. Nos dois países, cresce também a construção de realidades paralelas pelos sistemas de mídia. A ponte entre elas é o ódio, normalizado nos últimos quatro anos pelo discurso do bestialismo antiescola e anticultura: rastilho de contágio para massacres, já aceso por parte da sociedade eleitoral com o voto extremista. As redes sociais, onde ignorância empodera, são o novo espaço de desinvestimento das forças educativas. A mão que empunha a machadinha tem partido e plataforma digital.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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