Que 2023 venha com saúde!, por Márcia Castro

Compartilhe

Com o novo governo eleito de forma democrática, há esperança de dias melhores

Márcia Castro, Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Folha de São Paulo, 02/01/2023

O Brasil entra 2023 enfrentando uma crise sanitária. Há necessidade urgente de trilhar um caminho de recuperação. Com o novo governo eleito de forma democrática, há esperança de dias melhores.

A deterioração da saúde começou com a implantação da Emenda Constitucional 95, conhecida como PEC da Morte, no final de 2016. A EC 95 congelou os gastos com saúde e comprometeu a capacidade do SUS de prover serviços essenciais. A estimativa é que, entre 2018 e 2022, o SUS tenha perdido cerca de R$ 60 bilhões por causa da EC 95.

Os últimos quatro anos, porém, foram sem precedentes. Vivemos uma pandemia, administrada por um governo irresponsável, sem compromisso com a verdade, a ciência e a vida. O saldo disso tudo? Quase 700 mil vidas perdidas, mais de 113 mil crianças órfãs e um retrocesso de décadas em vários indicadores de saúde.

Esse governo que acaba de sair deixa um legado mórbido na saúde. Afastou a ciência da tomada de decisão, não apoiou a pesquisa básica e comprometeu a coleta de dados que são fundamentais para uma resposta rápida e eficaz às demandas sanitárias.

Cortou os canais de comunicação com a sociedade e se isolou do mundo, rompendo uma tradição de protagonismo que o Brasil costumava ocupar em acordos de cooperação internacional.

Não reconheceu o racismo estrutural como um determinante social de saúde e cortou parte do orçamento para ações de saúde indígena, a qual também foi drasticamente prejudicada por decisões que impulsionaram o desmatamento e o garimpo ilegal na Amazônia (“passar a boiada”).

A lista é longa! Parte do que o SUS bravamente conquistou ao longo de três décadas foi destruída em pouco mais dois anos.

É esse cenário que terá que ser administrado pelo novo governo. Será um trabalho intenso. Realisticamente, não há como resolver tudo ao mesmo tempo e em apenas quatro anos. Afinal, também há desafios na educação, economia, meio ambiente, infraestrutura etc. Será necessário definir prioridades e promover ações intersetoriais a fim de otimizar os resultados.

O Relatório do Grupo Técnico de Saúde da Comissão de Transição Governamental, apresentado pelos ex-ministros Arthur Chioro e José Gomes Temporão à nova ministra Nísia Andrade no dia 29 de dezembro, faz uma análise do desmonte das políticas públicas de saúde, lista pontos de alerta que demandam ações urgentes, identifica atos normativos e decretos que deveriam ser revogados e recomenda dez prioridades para os primeiros cem dias de governo.

Conforme apresentado durante a coletiva, essas prioridades incluem fortalecer a gestão do SUS, reestruturar o Programa Nacional de Imunizações, fortalecer a resposta à pandemia e outras emergências, reduzir as filas do serviço especializado, fortalecer a atenção básica, resgatar o Programa Farmácia Popular, fortalecer a saúde da mulher, criança e adolescente, bem como a saúde indígena, retomar o desenvolvimento do complexo industrial da saúde e revitalizar a tecnologia de informação e saúde digital.

A ministra Nísia Trindade e sua equipe começam agora o trabalho árduo de não só definir prioridades como também elaborar o Plano Nacional de Saúde para os próximos quatro anos.

Para quem acha que os problemas podem ser resolvidos de imediato, lembre-se de que a destruição é rápida, mas a retomada é lenta. Que em 2023 haja empatia, senso comunitário e responsabilidade política e fiscal. Acima de tudo, que os direitos estabelecidos pela Constituição Federal sejam respeitados.

“A saúde é direito de todos e dever do Estado.” Feliz 2023, com saúde!

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

Leia mais

Mais Posts

×

Olá!

Entre no grupo de WhatsApp!

× WhatsApp!