Desde que a crise financeira mundial se aprofundou, o economista Nouriel Roubini virou um oráculo. Professor da New York University, Roubini vinha há tempos alertando para os efeitos desvastadores da bolha imobiliária que se formava nos Estados Unidos.
Não faz muitos meses, suas previsões pessimistas eram vistas com desdém. O prestigiado The New York Times, em perfil recente, disse que Roubini era visto como Doctor Doom (ou doutor Catástrofe). O derretimento dos mercados financeiros globais provam que o analista não só tinha razão como, de certa maneira, era até otimista.
Os leitores de CartaCapital sabem bem quem é Roubini. O economista ingressou no time de colaboradores fixos da revista em janeiro deste ano (leia abaixo todas as colunas), após ter concedido inúmeras entrevistas em reportagens que informaram com precisão os potenciais efeitos da crise.
Relembre abaixo a primeira entrevista de Nouriel Roubini concedida a CartaCapital, em fevereiro de 2008, que mostra o quão certeiras eram as avaliações do economista sobre a dimensão da catástrofe.
CartaCapital: O senhor considera real a chance de o mundo viver um processo de estagflação em 2008?
Nouriel Roubini: A recessão nos Estados Unidos será inevitável, o que causará uma significativa desaceleração econômica global. O fenômeno da estagflação, no entanto, implica dois acontecimentos simultâneos. O crescimento tem de ser negativo e a inflação, subir para dois dígitos, por exemplo. Muitos economistas hoje estão preocupados com o aumento dos preços do petróleo e das commodities, principalmente agrícolas. Considero uma visão equivocada, porque só seria preocupante se houvesse um choque negativo do lado da oferta. Quando se pensa em petróleo, tais choques sempre foram provocados por eventos geopolíticos, como entre 1973 e 1981, com a invasão do Kuwait pelo Iraque. Hoje, isso só aconteceria se os Estados Unidos invadissem o Irã, com a alegação de risco mundial com a proliferação de armas nucleares. A possibilidade de isso acontecer agora é muito menor.
CC: O barril de petróleo a 100 dólares não representa um choque de oferta?
NR: Não, porque a desaceleração global provocará uma redução na demanda. Por essa razão, o que pode soar paradoxal, as forças inflacionárias perderão importância. Principalmente porque já há sinais de recessão nos Estados Unidos, com o desemprego elevado (5% em dezembro, a maior taxa em dois anos) e a conseqüente queda do consumo. Como reflexo, o mundo inteiro consumirá menos e assistiremos a uma redução bastante forte dos preços das commodities, incluindo o petróleo. Se minha análise estiver correta, haverá uma repetição do que ocorreu entre 2001 e 2003. Então, o Federal Reserve estava preocupado demais com a inflação e, no entanto, os preços caíram.
CC: O senhor considera que os bancos centrais deveriam direcionar seus esforços na solução da escassez do crédito?
NR: Sim. Deveriam se concentrar na liquidez e no fato de que já existe uma desaceleração da demanda, visível nos Estados Unidos, mas também presente na Europa, com a redução das vendas no varejo. Também continua o processo de estouro das bolhas imobiliárias no Reino Unido, Espanha e Irlanda, para citar três exemplos. Os principais índices que medem os preços das commodities agrícolas já estão 20% abaixo dos picos.
CC: Como o cenário global vai afetar o Brasil?
NR: Claramente, o Brasil está mais sólido do que nas crises econômicas do passado. Não haverá o mesmo impacto negativo de 1999 e 2002. Mas também é verdade que parte do sucesso do País se deveu à sorte, com o mundo todo em crescimento e a elevação dos preços, além dos juros internacionais baixos, que atraíram os investidores em busca de maior rentabilidade. O efeito para o País, com a recessão americana, virá primeiro pelo canal do comércio exterior, em razão da queda dos preços das commodities. Poderá haver ainda maior aversão ao risco, sempre associado aos mercados emergentes. Parte da melhora da situação fiscal e das contas externas brasileiras vai se perder. O Brasil terá certamente um déficit em conta corrente e uma piora no perfil fiscal.
CC: O pior ainda está por acontecer nos Estados Unidos?
NR: Sim. A recessão formal acontecerá neste ano, como produto da crise de crédito gerada pela bolha imobiliária. Haverá menos investimentos por parte das empresas, os cidadãos pouparão menos e consumirão ainda menos. Certamente, crescerá o nível de inadimplência de forma generalizada, e não só no segmento imobiliário. O risco se tornará mais evidente, pois muitas corporações emitiram títulos podres (junk bonds), sem qualidade. O dinheiro fácil e barato sumiu, resultado de alavancagem excessiva das instituições financeiras e do boom de crédito. Os balanços já começaram a mostrar prejuízos.
CC: É possível prever quanto esse novo ciclo, de crise, vai durar?
NR: Nos Estados Unidos, será mais longo do que as crises de 1991 e 2001, que duraram seis meses. Considero que a recessão será uma realidade nos quatro trimestres deste ano. A desaceleração no restante do mundo, pelas próprias características de contágio, deve se estender até a metade de 2009. Só se pode pensar em recuperação a partir de meados do próximo ano.