Na semana passada o mundo virou seus olhos para a Venezuela, o país que tem em Simon Bolívar seu grande líder e libertador, perdeu mais um de seus grandes homens, líder revolucionário para uns e extremamente autoritário para outros, Hugo Chavez Frias morreu de câncer aos 58 anos, causando uma verdadeira comoção nacional e internacional, os holofotes do mundo se voltaram para Caracas e o futuro do país é algo distante e difícil de imaginar, mas que abre espaço para inúmeras especulações, umas sombrias e apocalípticas e outras marcadas pelo otimismo moderado de analistas internacionais, mas uma grande certeza ronda a sociedade venezuelana, com a morte de Hugo Chavez, o carisma e o entusiasmo popular, marcas de sua figura imponente, se perdem nos horizontes de incertezas e instabilidades constantes.
Ler sobre Hugo Chavez na imprensa nacional ou internacional é perturbador, as críticas são sempre inflamadas e agressivas, os conservadores o demonizam com uma violência e um sectarismo que interrompem o debate, os movimentos sociais e os intelectuais de esquerda o exaltam com tanta força e exasperação, que impedem e evitam qualquer discussão mais estruturada, diante disso, falar sobre Hugo Chavez é enveredar para um caminho estranho, onde a discussão democrática e imparcial é algo inexistente e perturbador, sempre culminando em exaltação oral e confronto verbal.
O presidente Hugo Chavez assumiu o governo Venezuelano depois de uma tentativa frustrada de golpe de Estado, amargou um ano de prisão e foi eleito anos depois em uma eleição apertada, seu governo se caracterizou pelo intenso confronto com os Estados Unidos da América, inúmeras farpas foram desferidas contra o presidente norte-americano, George W. Bush, principalmente, depois da invasão do Iraque e dos desmandos do império, mas no front econômico os norte-americanos foram sempre os grandes parceiros na compra do petróleo, apesar dos discursos e das ofensas, Chavez continuou tendo nos Estados Unidos seus maiores compradores de petróleo, ofensas políticas e embarques crescentes de barris de petróleo caracterizaram seu período no poder, um pragmatismo econômico sempre caracterizado pelo racionalismo e pela audácia.
A economia da Venezuela está intimamente ligada ao setor petrolífero, mais de 90% das exportações são ligadas ao petróleo, o país vive e sobrevive com a riqueza deste óleo, que pode ser visto como uma grande benção para o povo venezuelano, mas que, ao mesmo tempo, pode condenar o país a uma exportação de um único produto, quando este, no mercado internacional, se encontra valorizado os ganhos com esta commodities são cada vez maiores, os bolsos do Estado batem recordes de arrecadação e o povo percebe claramente esta situação, mas em períodos anteriores estes recursos pouco auxiliaram os pobres, que eram condenados a situações terríveis de abandono, pobreza e marginalidade, agora, a classe mais organizada, que se estruturava politicamente, dominava as estruturas do Estado Nacional e da burocracia, conseguindo, com isso, grandes somas de recursos financeiros e benesses dos mais variados tipos e modelos, criando uma sociedade dividida em termos de renda, uns poucos muito ricos e uma grande maioria de pessoas na pobreza, amargando a marginalidade e a desesperança, condenadas ao abandona e à indignidade, ai encontramos alguns instrumentos para compreender o fenômeno chamado Chavez.
Nestes quatro mandatos consecutivos como presidente, sempre eleito democraticamente, uma parcela substancial dos recursos do petróleo foi canalizado para as camadas mais necessitadas da população, grupos e classes sociais que viviam de forma indigna conseguiram melhorar sua condição social, política e econômica, passaram a acumular algum status social, entraram no mercado de consumo, passaram a ter voz que ecoava no discurso político e, com isso, se sentiram representados pelo presidente Chavez, viram nele um representante de suas mazelas, dificuldades e apreensões constantes e alçaram-no no comando do país por mais de uma década.
O embaixador Rubens Ricúpero, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, destacou de forma marcante que: “Não compreender porque milhões de venezuelanos rezam por Chavez é repetir a experiência narrada por Ernesto Sabato sobre a queda de Perón em 1955. O escritor comemorava com amigos intelectuais e profissionais liberais o fim do ditador que envergonhava a Argentina até que, em certo momento, teve de entrar na cozinha. Lá, todos os empregados choravam…”
O episódio narrado por Ricúpero nos mostra claramente os graves equívocos e omissões das elites nacionais e internacionais, além dos intelectuais que vivem encastelados em suas masmorras blindadas de povo e marcados por estatísticas e informações inconsistentes e limitadas, os mais pobres querem, também, viver de forma digna, ter empregos com carteiras assinadas, se alimentar de forma saudável, ser lembrados não apenas nos momentos de eleições e discursos políticos, mas serem vistos como parte integrante da sociedade, a riqueza extraída do petróleo e de outras commodities devem ser utilizadas para financiar a melhoria das condições sociais e econômicas do país, melhorar as oportunidades dos cidadãos e garantir educação de qualidade como forma de construir um horizonte mais harmonioso para todos os grupos sociais, este feeling social foi um dos motivos responsáveis pela ascensão, na América Latina, de governantes carregados de tons esquerdistas, como Luís Inácio Lula da Silva (Brasil), Néstor Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), José Mujica (Uruguai), entre outros…
Acreditar que Hugo Chavez foi apenas um presidente autoritário é insuficiente para entender este fenômeno venezuelano, que tinha habilidades em várias áreas, como comunicador se destacou pela eficiência, seus discursos eram inflamados e empolgavam muitas pessoas, seus embates com a imprensa, nacional e internacional, lhe abriram portas interessantes no noticiário e na mídia de uma forma geral, seu apreço pelo confronto verbal ressalta sua formação militar, mas seu pragmatismo lhe auxiliava como político, tudo isso contribuiu para alçar a Venezuela a uma posição de destaque no cenário internacional, algo desconhecido no país até então.
O governo Hugo Chavez atuou com mãos militares com seus desafetos, reprimiu setores da mídia descontentes com seu governo, fortaleceu a posição venezuelana na sociedade mundial, abriu espaços de comércio com países considerados pelos Estados Unidos como párias mundiais, como Irã e Cuba, além de incrementar comércio com a Rússia, comprando armas, aviões, caças militares e equipamentos bélicos, confrontando, com isso, o governo norte-americano e mostrando poder, independência e autonomia e elevando seu país a uma posição jamais vista em toda história da Venezuela.
A economia venezuelana é dominava pelo petróleo, essa não é uma herança Chavista, governos anteriores se alternaram no poder e não diversificaram as estruturas produtivas do país, qualquer variação negativa no preço desta mercadoria prejudica a situação venezuelana enormemente, podendo, com isso, comprometer muitas das políticas públicas implantadas pelo governo, mas mesmo dependendo do petróleo, nunca deixou de vender seu principal produto para seu maior consumidor: os Estados Unidos da América.
Destacamos ainda, outro ponto fundamental da conjuntura econômica venezuelana, os preços estão em ascensão e o câmbio apresenta graves distorções, o que cria constrangimentos para o país, inviabilizando, com isso, a atração de investimentos internacionais e gerando muitas dúvidas sobre a solvência da Venezuela, exigindo do próximo presidente um conjunto de medidas econômicas e políticas que podem comprometer a governabilidade do país. Dentre as medidas algumas se fazem necessárias urgentemente, corrigir as distorções cambiais e atacar os desequilíbrios dos preços, que exigem intervenções do Estado em preços importantes da economia, postergar estas medidas pode gerar constrangimentos maiores num futuro muito próximo, criando graves desajustes políticos e problemas de grande solução, sendo que os maiores prejudicados serão, com certeza, a população, que verá sua renda ser reduzida e suas aspirações de ascensão social ser postergadas por tempo indeterminado.
A missão do novo presidente venezuelana é hercúlea, assumir um papel de liderança em uma sociedade cindida por conflitos grandiosos que remontam séculos e afetam todos os grupos sociais é um dois maiores desafios para o país, a morte de Hugo Chavez gera grandes preocupações sobre o futuro do país, os problemas econômicos são grandes e causam apreensões e medos, caberá ao novo presidente entender todas as dificuldades do país e tentar criar condições favoráveis para melhorar as condições internas e reverter as apreensões externas, atrair novos investimentos que são fundamentais para a reestruturar a estrutura econômica e produtiva se faz urgente agora, é importante que o novo governo consiga manter as conquistas sociais e evitar que as riquezas do petróleo, que sempre engordaram uma elite corrupta e degradada, seja utilizado de forma racional, beneficiando as classes trabalhadores e evitando que os níveis de indigência e de exclusão social retornem com força e intensidade, a Venezuela merece virar a página da história, um país pequeno e dotado de muito petróleo, uma das maiores reservas mundiais desta commodities, que traz nas suas entranhas muito poder e dinheiro, além de rastros de corrupção e degradação moral.
Maduro ou Caprilles, qual destes candidatos estará mais apto para alicerçar em bases sólidas o progresso da Venezuela? A eleição será breve, os problemas são imensos e as lideranças venezuelanas nos parecem frágeis e despreparadas para encarar os problemas do país e mostrar para a população novos espaços de crescimento e de melhorias sociais, o fantasma de Hugo Chavez está presente nas mentes e corações de toda a população, exorcizar da memória coletiva dos cidadãos venezuelanos as imagens de adoração será um dos maiores desafios para o próximo mandatário do país, sua missão é muito grande e as perspectivas de sucesso são muito reduzidas, acreditar no êxito desta empreitada, num mundo de transformações estruturais constantes, é algo pouco factível num país dividido pelo medo e atormentado pela desesperança de que um período promissor tenha chegado ao fim tão rapidamente sem perspectivas imediatas de volta, é como se a classe oprimida de trabalhadores tenha conhecido o paraíso e, neste momento, está apreensiva com medo de retornar ao inferno que sempre conheceu de perto e de forma bastante significativa.