Eleitor civilizado não tolera ver o país atolado na lama da extrema direita, por Marcelo Leite.

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Hora de mostrar que Brasil não seguirá irracional, ecocida, racista, misógino e homofóbico

Marcelo Leite, Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

Folha de São Paulo, 25/09/2022.

Esta é a última coluna do mês, chance derradeira de opinar sobre a eleição de domingo que vem. Invertendo o passo titubeante de Fernando Henrique Cardoso sobre o muro, cabe indicar não as razões para eleger alguém (todos sabem quem), mas para escorraçar os que se empenham em apodrecer o Brasil.

São quase quatro décadas escrevendo sobre ciência e meio ambiente, portanto sobre mudança climática, desmatamento e povos indígenas. Poucos e valentes companheiros levam essa cobertura à frente, mas viram nos últimos quatro anos um retrocesso sem par.

A floresta amazônica nunca esteve tão ameaçada. O corte raso recrudesceu e voltou ao patamar de cinco dígitos, em quilômetros quadrados, abaixo do qual se conservara por uma década inteira. Teme-se que o bioma entre em colapso, interrompendo a bomba hidrológica que irriga o país.

Não é só a Amazônia. O cerrado sofre mais, proporcionalmente, perdendo cobertura vegetal e enorme biodiversidade para a agropecuária. A mata atlântica, quase extinta, volta a ser ameaçada após tímida regeneração. Pantanal em chamas, caatinga desprezada.

Terras indígenas sucumbem ao assédio de invasores, em especial garimpeiros tidos como empreendedores e heróis no Planalto. Assassinatos, estupros e doenças vêm no rastro de suas retroescavadeiras. Nenhum centímetro de demarcação.

Ibama e ICMBio manietados na missão de fiscalização e controle, erodidos por dentro, a mando de sicários alçados a dirigentes. O equivalente a instalar um negro racista no comando de políticas contra a discriminação racial e a favor da cultura afro-brasileira.

Policiais e generais no topo da Funai. Um ex-astronauta vendedor de travesseiros e bugigangas para cuidar de ciência, tecnologia e inovação. Um almofadinha tocador de boiada no Ministério do Meio Ambiente. A musa do veneno na pasta da Agricultura. Um advogado do diabo no MPF.

Banda podre do agronegócio acima de tudo, grileiros e madeireiros pra cima de todos. Pastores argentários na linha de frente do farisaísmo, entrando pela porta dos fundos do MEC e pela porta da frente do Alvorada, enchendo as burras enquanto esgotam o bom senso de damas em transes pentecostais no palácio.

Irracionalismo e negacionismo campeiam. Dados só valem quando confirmam aquilo em que se põe fé. Fato e opinião se equivalem. Se um luminar diz que universidades públicas se distinguem por cultivar maconha, deixa de ser criminoso relegá-las à míngua e estimular o êxodo de cérebros.

Uma conversa retrógrada sobre segurança pública privilegia o armamento da população, quer dizer, daquela franja de machistas que se sentem ameaçados por mulheres assertivas e LGBTQIA + à vista de todos. Surpresa! —feminicídios e homofobia em alta.

O crime organizado pelo tráfico e pelas milícias condecoradas da família festejam. Armas e munições amontoados por CACs chegam depressa às mãos dos bandidos, que matarão mais competidores e inocentes na linha de tiro, além de policiais que tombam numa guerra insana.

Orçamentos secretos financiam máfias parlamentares no centrão do Congresso. Elogia-se a tortura, e nada acontece. Caluniam-se urnas eletrônicas que os elegeram, recrutam-se para fiscalizá-las militares que mal sabem pilotar escrivaninhas.

Nem nos momentos mais escuros da ditadura militar o Brasil desceu tão baixo, porque os generais e seus torturadores não eram eleitos. Os que hoje enxovalham o país foram escolhidos pelos eleitores. Os que tiverem vergonha na cara podem mudar tudo isso —no voto.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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