Será que é fascismo? por Silvio Almeida.

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Mussolini poderia ter sido contido; mas quem poderia não soube ou não quis fazê-lo

Silvio Almeida, Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

Folha de São Paulo, 17/09/2022

O clima de violência política instalado no Brasil pelas palavras e ações do presidente/candidato Jair Bolsonaro e seus apoiadores tem suscitado o questionamento sobre se estamos ou não às portas do fascismo.

Esta questão não é nova: muita gente, mesmo antes das eleições de 2018, já chamava a atenção para o modo como o discurso de ódio, a defesa da gestão militarizada da vida social, a banalização da morte e o desprezo pelo sofrimento humano compunham o figurino do candidato que tornar-se-ia presidente do Brasil.

Frente à escalada da violência na reta final das eleições, mesmo quem antes negava os pendores fascistas do atual governo brasileiro tem refeito a pergunta: estamos realmente caminhando para o fascismo ou dizer isso é mero abuso retórico?

Se toda comparação histórica exige cuidados, parece-me que só a história é que nos pode auxiliar no deslinde de questões complexas. Portanto, se queremos saber se e como a lógica do fascismo é capaz de se manifestar para além das circunstâncias históricas de sua gestação —a Itália dos anos 1920—, devemos analisar o que foi o fascismo em sua origem.

Para tanto, retornei a um importante livro intitulado “Mussolini e a ascensão do Fascismo” (Editora Agir, 2009), de Donald Sassoon. Neste livro, o historiador descreve como os fascistas se apoderaram do Estado italiano fazendo uso da violência política e contando com a conivência de parte expressiva da sociedade.

Segundo o autor, nos seis primeiros meses de 1921, “os fascistas destruíram 119 Câmaras do Trabalho, 59 círculos culturais socialistas, 107 cooperativas, 83 escritórios das Ligas da Terra (associações de trabalhadores agrícolas), gráficas socialistas, bibliotecas públicas e sociedades de ajuda mútua, num total de 726”.

Entre fevereiro e maio de 1921 “dirigentes socialistas foram intimidados e espancados, e em certos casos assassinados; cooperativas socialistas e do trabalho e agências de emprego foram deixadas em ruínas”. Os “camisas negras” —como eram conhecidas as milícias fascistas— gozaram de ampla liberdade para realizar suas “expedições punitivas”, que tinham como alvo preferencial os “vermelhos”.

Além disso, “o apoio tácito ou declarado das polícias foi decisivo para o sucesso do fascismo”, conta-nos o autor.
Já a imprensa italiana, que nos anos seguintes seria censurada e perseguida, com raríssimas exceções, apenas oscilou entre “um vago desconforto” com o que considerava “excessos fascistas”, e uma “resignada aceitação do fato de que indivíduos truculentos tivessem de se desincumbir daquilo que as classes dominantes não queriam e não eram capazes de fazer”.

Quanto ao empresariado, Sassoon diz que após a Marcha sobre Roma, a maioria dos industriais “deu boas-vindas ao fascismo, assim como a maior parte do establishment liberal”. Não que todos pensassem da mesma forma, todavia, um fator foi decisivo para o silêncio eloquente ou o apoio declarado por parte do empresariado: a necessidade de achatar os salários diante da baixa produtividade italiana comparada aos concorrentes estrangeiros.

“Havia, bons motivos para se posicionar contra greves, sindicatos e socialistas, alinhando-se com aqueles que reprimiam greves, incendiavam as propriedades dos socialistas e consideravam como traidores os trabalhadores filiados a sindicatos”, diz Sassoon.

A recompensa por tão relevante apoio veio com a nomeação de Alberto De Stefani para o Ministério das Finanças, nas palavras de Sassoon, “um intransigente liberal”. De Stefani “reduziu impostos, aboliu isenções fiscais que beneficiavam contribuintes de baixa renda, facilitou as transações com ações e a evasão fiscal, […], eliminou a regulamentação dos aluguéis, privatizou os seguros de vida e transferiu a gestão do sistema de telefonia para o setor privado”. E nos 20 anos de fascismo não houve com o que se preocupar: os aumentos de salário foram contidos pelo governo.

O livro encerra com a lembrança de que, apesar de tudo parecer muito linear e inexorável, “não é assim que avança a história”. Para ele, Mussolini poderia ter sido derrotado, “mas aqueles [à época] capazes de bloquear a sua trajetória —os liberais, a esquerda, a Igreja, a monarquia— não souberam ou não quiseram fazê-lo, caminhando para 20 anos de ditadura como se tivessem os olhos vendados”.

Agora, volto ao Brasil e à pergunta inicial: é fascismo ou não?

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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