Nós do SUS

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Há muito a melhorar na gestão, mas saúde pública também precisará de mais verba

Editorial Folha de São Paulo, 21/08/2022

Houve um tempo em que o único “serviço” que o cidadão poderia esperar do Estado era um exército que protegeria a cidade de invasores. Aos poucos, vieram também uma força policial e algo que com muito boa vontade poderíamos chamar de sistema de Justiça.

A partir do século 18, países mais avançados adicionaram à lista a educação pública e, mais tarde, um sistema de pensões. Foi só depois da Segunda Guerra que veio a explosão de serviços que caracterizam os Estados contemporâneos. E o mais complexo deles é, sem dúvida alguma, a saúde.

O Brasil, num raro destaque positivo, é o único país de renda média do mundo a oferecer um sistema universal de saúde gratuito à sua população. E os desafios do SUS, já imensos antes da pandemia, tornaram-se ainda maiores depois, como mostrou reportagem da série Nós do Brasil, na Folha.

O problema de base é, evidentemente, o subfinanciamento. Embora os gastos públicos e privados do Brasil com saúde sejam até proporcionalmente maiores que de países desenvolvidos, o jogo muda inteiramente quando se consideram apenas despesas de governo.

Em 2019, os desembolsos totais chegaram a 9,6% do Produto Interno Bruto, ante 8,8% na média da OCDE. Já o dispêndio público ficou em 3,8% do PIB, ante 6,5%.

A pandemia escancarou o papel essencial do SUS. Embora nosso desempenho na crise sanitária tenha sido péssimo, muito pior seria sem o sistema de saúde.

A grande disposição com que a população arregaçou as mangas para tomar as primeiras doses da vacina, a despeito da insistente propaganda contrária de Jair Bolsonaro (PL), tem muito a ver com a confiança acumulada em vários anos do programa nacional de imunização, apontado como um dos melhores do mundo.

Seja como for, a pandemia colocou ainda mais pressão sobre o SUS. A demanda pelos serviços, que já era maior do que a oferta, foi reprimida por cerca de dois anos. A chamada Covid longa criou uma nova categoria de usuários; algo parecido vale para a saúde mental.

Embora o sistema esteja sendo mais exigido, é difícil imaginar como suas verbas possam aumentar de forma permanente. O Brasil lida com severa restrição orçamentária, agravada pela recente rodada de gastos eleitorais. Há amplo espaço para melhorias na gestão, mas isso não bastará para equacionar todas as carências.

O melhor caminho é cortar algo dos muitos subsídios e programas ineficientes bancados pelo Estado brasileiro para aumentar os recursos para a saúde pública. Politicamente, trata-se, na maior parte dos casos, de enfrentar grupos de interesse e suas benesses.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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