Encontro solapou o que restava de dignidade internacional ao país
Hussein Kalout, Cientista político, professor de relações internacionais e pesquisador na Universidade Harvard; ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018, governo Temer) e ex-colunista da Folha
Folha de São Paulo, 22/07/2022
Há quatro anos o Brasil vive uma era psicodélica nutrida por uma pseudorrevelação social, política e econômica, comandada por uma trupe de revolucionários de araque. Da tal “economia liberal” à “nova política”, passando pelo “combate à corrupção” ao “fim da mamata”, o governo do presidente Jair Bolsonaro conseguiu tornar a mentira, a destruição e o vexame, em escala global, suas indeléveis marcas.
Entorpecido de ódio e medo, o presidente, em ato sem precedente na história, juntou o corpo diplomático estrangeiro na última segunda (18), no Palácio da Alvorada, para simplesmente achacar a República, as instituições e a Constituição, na tentativa de explicar o inexplicável: denunciar como fraudulento o processo eleitoral que o elegeu.
Reduzido ao patamar de uma republiqueta, o Brasil viveu na cerimônia do Alvorada uma das piores farsas de sua política internacional. Ao invés de utilizar o encontro para explicar como pretende, caso seja reeleito, equacionar a crise econômica, combater a inflação, gerar emprego, eliminar a fome, Bolsonaro usou as instalações presidenciais para desossar a reputação global de seu combalido governo e, de quebra, o que resta de dignidade internacional ao Estado brasileiro.
Obcecado com suas infindáveis teorias conspiratórias, o presidente não fala de pobreza, desigualdade, proteção dos trabalhadores ou dos vulneráveis. Afinal, ele quer mais um mandato para governar para quê e para quem?
Em um país de miseráveis, de famintos e de gente sofrida e desesperançada, Bolsonaro quer mais quatro anos para cuidar de quem nunca cuidou ou com quem nunca se importou? O fato é, caro leitor, que o comandante-em-chefe da nação nunca gostou de pobre e de igualdade de direitos; sempre zombou dos fracos, das minorias e dos necessitados.
E o mercado? Bom, os senhores da Casa Grande já precificam, entre uma calada da noite e outra, a derrota do “mito” antes do desembarque final do Titanic bolsonarista. Pular fora do navio se torna, cada vez mais, uma questão de tempo e oportunidade —e, para muitos, de sobrevivência.
O dinheiro não admite o triunfo da irracionalidade, da instabilidade e da imprevisibilidade. A regra de ouro que rege o interesse do capital edifica-se, primordialmente, sobre a tríade: estabilidade, previsibilidade e credibilidade —e isso o atual governante não consegue auferir.
Já o Itamaraty, abandonado ao relento, teve que cuidar de um triste circo, uma farsa diplomática inédita, digna de fazer o Hino Nacional tremer de vergonha.
Consternados e perplexos com o que viam e ouviam, embaixadores estrangeiros tiveram a inteligência e o bom senso aviltados. A farsa ficou constrita a conjecturação de teorias conspiratórias infundadas e desprovidas de provas críveis acerca do processo eleitoral do país, consagrado mundialmente por sua transparência e lisura. Não tardou e logo alguns países reagiram contra o golpismo presidencial.
Vale sublinhar que o Brasil nunca teve um déficit tão vigoroso na representação das chefias de missões diplomáticas em Brasília. Países importantes do entrono regional, como Argentina, Bolívia e Chile, estão sem embaixadores na capital federal.
China e EUA, as duas superpotências mundiais, seguem sendo representadas por seus respectivos encarregados de negócios, o que revela a irrelevância do governo. E isso para não mencionar que algumas embaixadas europeias estão às moscas.
Perdidos em sua própria incompetência e desespero, os agentes do governo já não inspiram integridade ou respeito à legalidade. O nível de desprestígio do Brasil atingiu o seu ápice. A diplomacia mundial aguarda em compasso de espera o fim do pesadelo brasileiro.
Faltam cerca de 70 tortuosos dias para decretar a decomposição final dessa distopia, no pleito eleitoral mais importante de nossa história.
Porém, infelizmente, muito estrago ainda está porvir. O certo é que o governo da “bozobanania” não poupará o Brasil e os brasileiros de mais e mais vergonha internacional.