Políticas públicas descoordenadas geram desperdício de energia e recursos públicos sem resultados condizentes
Marcos Ferrari, Presidente executivo da Conexis Brasil Digital, entidade que representa as operadoras de telecom
Folha de São Paulo, 20/05/2022
Desde que o “boom” da internet chegou ao Brasil, vemos uma série de iniciativas governamentais (nos âmbitos federal, estadual e municipal) com o objetivo de levar conexão às escolas. Porém, precisamos dar os passos seguintes e sair da armadilha das soluções de curto prazo.
Sem avaliação de eficiência, eficácia e efetividade das iniciativas do passado, repetimos e empilhamos políticas públicas descoordenadas e “desconectadas”, sem correções e ajustes em direção a metas mais elevadas de médio e longo prazo que dotem os alunos de habilidades portadoras de futuro.
Fica claro que, mais uma vez, o Brasil está cometendo o mesmo erro da década passada de encarar a conexão nas escolas como um fim em si mesmo, e não como um meio para uma política orientada e estruturada de conexão educacional.
Sem dúvida, a internet é o meio mais curto de acesso ao estoque de conhecimento, mas precisa estar aliada a uma estratégia nacional de educação para o desenvolvimento, a exemplo do movimento dos países asiáticos nos anos 1980.
Políticas públicas descoordenadas geram desperdício de energia e recursos públicos sem resultados estruturantes condizentes com o potencial de aprendizado e desenvolvimento cognitivo disponibilizado pelo acesso à internet. Que resultados na formação de alunos foram alcançados com o Projeto Banda Larga nas Escolas e o Prouca (Programa um computador por aluno)? Em que medida as novas iniciativas de conexão nas escolas dialogam ou aprimoram esses programas?
As diretrizes curriculares serão adaptadas a novas formas de aprendizado proporcionadas pelo acesso à internet de alta performance? Os nossos professores estão ou serão capacitados? De quais habilidades se pretende dotar os alunos e a quais objetivos de desenvolvimento econômico e social estarão ligadas? O impacto do 5G na natureza das habilidades cognitivas serão consideradas?
Estas e outras perguntas precisam ter respostas claras para que tenhamos ações estruturantes com efeitos educacionais duradouros e encadeados na formação de um círculo virtuoso.
Pesquisa da TekSystems, “State of digital transformation 2022” revela os cinco grupos de habilidades mais críticas do futuro: cibersegurança, análise de dados, computação na nuvem, análise de negócios e inteligência artificial.
Segundo o relatório “Future of Jobs Survey 2020” do Fórum Econômico Mundial, as profissões que mais crescem no mundo têm uma ou mais dessas habilidades: analista e cientista de dados, especialista em inteligência artificial e machine learning, especialista em big data, especialista em marketing e estratégia digital, especialista em internet das coisas, especialista em automatização de processos, analista de segurança de informação, para citar algumas.
Sem agregar esse cenário, a conexão nas escolas por si só perde o real poder transformador da internet na educação.
A potência da política educacional fica fragilizada. E o nosso quadro não é nada animador.
Levantamento da União Internacional de Telecomunicações mostra que apenas 20% da população brasileira possuem habilidades básicas em tecnologia da informação e comunicação. Essas habilidades são pré-requisitos mínimos para se ter condições para entrar nesse novo cenário. São ações de enviar emails com anexo, copiar e mover arquivo e pastas, transferir documentos do smartphone para o computador entre outras. Apenas 3% possuem habilidades mais avançadas.
Pesquisa do IBGE mostra que o percentual de crianças no Brasil que sequer sabem ler e escrever vem crescendo muito nos últimos anos. Saltou de 25,1%, em 2019, para 40,8%, em 2021.
Assim, é necessário urgentemente corrigir a rota da política de educação conectada no Brasil ou então ficaremos mais uma vez correndo atrás de um futuro inalcançável com elevados custos para as gerações futuras.