A história do Estado de bem-estar, por Samuel Pessoa.

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Privilegiar os idosos sobre as crianças ajuda a explicar a redução do crescimento do Brasil

Samuel Pessoa, Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

Folha de São Paulo, 22/05/2022

Peter Lindert é pesquisador do departamento de economia da Universidade da Califórnia em Davis. É um acadêmico que se casou com um tema. Dedica-se a desvendar os segredos da evolução do Estado de Bem-estar social mundo afora.

Acaba de publicar “Making Social Spending Work”, continuação do “Growing Public”, de 2004. O livro de 2021 investiga a evolução do Estado de bem-estar social até hoje para um conjunto de sociedades bem maior do que o volume de 2004.

O livro divide-se em três partes. Na primeira, investiga as causas do crescimento e descreve o longo processo de aumento da carga tributária e de construção dos seguros públicos básicos, desde os programas privados na Inglaterra medieval de combate à pobreza.

Elabora os motivos de os gostos com educação terem ocorrido relativamente tarde no século 19 e mostra como o poder político da população com mais idade, “the grey power”, elevou em muito o gasto público com benefícios com aposentadorias.

Na segunda parte, o livro trata das consequências da construção do Estado de bem-estar. Documenta que a grande elevação da carga tributária não gerou perda de eficiência econômica e que houve grandes ganhos na melhora da qualidade de vida, na expectativa de vida e na produtividade, esta última fruto da expansão da escolaridade.

Na terceira parte, trata das tensões atuais do Estado de bem-estar. Em particular dos desafios de a sociedade aceitar a incorporação no Estado de bem-estar dos imigrantes e da necessidade de ajustar os sistemas previdenciários a uma sociedade que envelhece.

Das três principais áreas de atuação do Estado —saúde, educação e previdência—, transparece que saúde é aquela em que há maiores concordâncias. Há ganhos de escala, e a oferta por meio de um grande sistema público parece ser a maneira mais eficiente. Nesse sentido, os EUA constituem um caso excepcional e curioso.

As outras duas áreas, educação e previdência, apresentam o que me pareceu ser o grande tema do livro. Apesar de Lindert não tratar explicitamente do tema, fica muito claro que há uma complexa economia política e um surpreendente conflito distributivo. Não se trata do clássico conflito capital e trabalho. Mas sim do conflito geracional: os jovens contra os velhos.

Nesse sentido, para nós, brasileiros, o ponto alto do livro é a tabela 7.1 e a figura 7.3 do sétimo capítulo, que apresenta o gasto com aposentadorias e com educação como proporção do PIB. Para eliminar diferenças devidas à demografia, Lindert considera o benefício previdenciário médio como proporção da renda de cada trabalhador ativo, e o gasto público com cada aluno também como proporção da renda de cada trabalhador ativo.

Há países que gastam relativamente muito com a terceira idade, outros com a educação das crianças, e outros, na média. Para a amostra de 106 países em 2010 que Lindert considera, somente 5 países gastam mais com aposentadoria do que o Brasil: Sérvia, Turquia, Tunísia, Mongólia e Kuait.

Ou seja, o Brasil fez uma clara opção por sustentar a qualidade de vida dos idosos. Tem impactos positivos sobre o bem-estar, mas não tem impactos positivos sobre o crescimento de longo prazo. Esse padrão de privilegiar os idosos sobre as crianças é recorrente na América Latina. Esse fato ajuda a explicar a redução de crescimento do Brasil nos últimos 40 anos, como documentei na coluna da semana passada.

Há três lições que seguem da experiência internacional.

Primeira, não se deve vincular previdência ao contrato de trabalho. Deve haver um sistema único e universal para todos os trabalhadores, independentemente da natureza do contrato de trabalho.

Segundo, a experiência dos sistemas previdenciários em que as pessoas poupam em contas individuais, como o modelo chileno, não tem sido positiva.

Terceiro, um modelo de repartição, em que a contribuição dos ativos financia o benefício dos inativos, demanda seguidas reformas para garantir a sustentabilidade. O benefício tem que crescer abaixo do crescimento da produtividade do trabalho, e a idade mínima para requerer o benefício tem que crescer com a elevação da expectativa de vida.

O professor Bresser-Pereira gentilmente enviou-me email comentando a coluna da semana passada que pode ser lido no Blog do Ibre. Registro meu agradecimento ao professor.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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