Câmbio: um problema internacional recorrente

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São vários os desafios da sociedade internacional que nos causam medos, constrangimentos e preocupações, vivemos em um mundo doente e violento, tememos desajustes externos ligados aos abalos econômicos e financeiros de um mundo sem controle e dominado pelo materialismo e pelas regras do imediato, e os grandes desajustes internos geradores de preocupações de todos indistintamente, mas os desafios maiores estão com a população mais pobre, indefesos e necessitados de proteção e da solidariedade alheia, algo tão difícil, remoto até, em um mundo globalizado e marcado pela concorrência e pela competição.
É neste clima de desafios, medos e desesperanças que encontramos o povo brasileiro, de persona não grata no capitalismo internacional nos anos 80 e 90 até o papel atual de país dinâmico e promissor, descrito por muitos intelectuais como um dos possíveis líderes da economia internacional nos próximos 50 anos, mas para que isso se efetive, é fundamental superar limitações e encarar problemas antigos e recorrentes que até agora foram marginalizados.
São variados os problemas, podemos elencar questões políticas, sociais, culturais e econômicas, mas neste espaço pretendo me concentrar apenas nas questões econômicas, para ser mais exato vamos destacar a política cambial, ou melhor, a guerra cambial em curso na economia internacional e seus possíveis impactos para o Brasil e para o comércio global.
Nos últimos 30 anos o comércio global cresceu aceleradamente, fruto da maior integração da economia internacional pós 1945 e da necessidade dos países em adquirir produtos para a satisfação das demandas de suas populações, muitas delas destruídas pelos conflitos e sedentas de produtos e mercadorias. Motivados pela reconstrução dos países e marcados por movimentos de integração e interdependência, os trinta anos posteriores a guerra podem ser designados como o momento de maior crescimento da economia mundial, com taxas anuais superiores a 8% ao ano, gerando riqueza e bem-estar social para países desenvolvidos e melhorias significativas para países em desenvolvimento.
A ascensão da China neste ambiente de integração internacional possibilitou grande crescimento para o comércio global, suas políticas foram canalizadas para fazer do país o maior exportador do mundo, o Estado constrói um modelo baseado em subsídios variados, câmbio desvalorizado e cria zonas especiais para a instalação de empresas exportadoras, tudo isto visando a geração de riquezas e a constituição de um novo pacto social.
Os resultados destas políticas de expansão do setor exportador são visíveis, em 1984 países como Brasil, Coréia do Sul e China apresentavam exportações na casa dos US$ 22 bilhões/ano, estes números cresceram enormemente nos anos seguintes, em 2005 o Brasil exportou US$ 170 bilhões, a Coréia US$ 270 bilhões e a China US$ 600 bilhões, o crescimento do setor exportador chinês foi impressionante.
Um dos fatores estimuladores mais visíveis deste crescimento foi o excesso de mão-de-obra, 1,4 bilhão de pessoas, e seus baixos salários, que produziam produtos muito baratos que inundavam a economia internacional e geravam uma sensação de crescimento da riqueza, isto porque, ao consumir produtos baratos a renda da população aumentava e criava uma euforia de consumo ao mesmo tempo que os preços internos não aumentava, facilitando o controle da inflação e melhorando as condições de vida da população de muitos países.
Outra política que contribuía decisivamente para o crescimento das exportações chinesas era a política cambial, o governo para estimular altos superávits comerciais desvalorizava sua moeda nacional vislumbrando ganhar mais mercados internacionais e aumentar suas reservas de moeda forte, uma garantia extra em casos de turbulências e abalos na economia global, algo tão normal num cenário caracterizado por instabilidade e incertezas.
A política cambial chinesa somada aos incentivos adotados pelo governo contribuíram para o crescimento das reservas internacionais do país, que hoje está na casa dos US$ 2,5 trilhões, a maior reserva internacional de um país, que dá ao governo e a sociedade uma garantia financeira jamais vista internacionalmente, tornando a China uma das maiores economias da atualidade.
A desvalorização do câmbio chinês eleva o déficit dos países ocidentais, principalmente o dos Estados Unidos, que na atualidade absorve parcela significativa de produtos oriundos da China, fazendo da parceria sino-americana a responsável por parcela significativa do comércio internacional, e transformando os dois países em interdependentes, mas acentuando os conflitos e contradições existentes, com severos riscos para o comércio internacional.
O ambiente descrito acima favoreceu enormemente os dois países, os chineses exportaram mais e acumularam reservas internacionais de vulto, os norte-americanos compraram mercadorias a preços baixos e saciaram sua fome de consumo, portanto, todos ganharam e agora a situação pode se inverter ou a política de conflito pode gerar problemas para todos os países, com impactos sobre o comércio internacional, inclusive é possível o incremento no protecionismo.
Os desajustes externos dos Estados Unidos gerados pela perda de competitividade de sua economia em escala internacional somados aos gastos militares com as guerras no Afeganistão e no Iraque estão levando a sociedade norte-americana a amargar dívidas crescentes e um desequilíbrio estrutural que podem ter conseqüências assustadoras.
A guerra cambial que o mundo vive na atualidade entre Estados Unidos e China esta diretamente atrelada a conflitos que surgiram de forma mais clara nos anos 70 com a ascensão chinesa, um país até então pouco relevante, grande e interessante mas bastante fechado e pouco integrado com o mundo.
É importante destacar que grande parte dos déficits da relação entre os dois países está vinculada a importação de empresas transnacionais dos Estados Unidos, que devido aos grandes incentivos concedidos pelo governo chinês transferiram suas plantas industriais para o continente vermelho e depois exportam para o centro do consumo internacional, gerando altíssimos desajustes nas contas externas do país por duas vezes, primeiro porque deixam de produzir e exportar nos EUA e depois porque aumentam as importações para a China.
A guerra cambial pode respingar em vários países e regiões, inclusive no Brasil e nos países emergentes, que nesta semana receberam com desconfianças o novo pacote do governo de Barack Obama, um incentivo financeiro de US$ 600 bilhões de dólares, estes recursos ameaçam o câmbio de vários países, e o Brasil já percebeu esta ameaça a nossa moeda e esta estudando adotar políticas para impedir a entrada de capitais em excesso na economia, com valorização do câmbio e piora no setor exportador.
O câmbio valorizado gera benefícios nos preços internos, este recurso já foi utilizado para estabilizar a economia brasileira e de vários países da região, agora a adoção destas políticas por um prazo maior que o desejado pode trazer graves prejuízos econômicos e financeiros. O câmbio desajustado pode matar setores chaves da estrutura econômico-produtiva, imagina o Brasil, um país de quase 190 milhões de pessoas, que segundo previsão de especialistas terá em 2050 quase 230 milhões de pessoas, onde encontraremos um contingente de 150 milhões de indivíduos em idade de produzir, como empregar esta mão-de-obra, gerando condições dignas de trabalho e sobrevivência? Se a sociedade não se concentrar na resolução dos problemas gerados pelo câmbio valorizado seus impactos na economia dificilmente poderão ser revertidos, e sem indústria como vamos empregar esta massa crescente de trabalhadores?
Estas questões são importantes e precisam ser respondidas pelo novo governo e pela sociedade, acreditar que o setor empresarial deve aumentar os ganhos de produtividade para ganhar espaço no comércio internacional é uma grande ilusão, o câmbio como está dificilmente teremos condições de reverter esta condição, acreditar no agente empreendedor que nos momentos de crise consegue tirar da cartola uma solução mágica para seus problemas mais imediatos é algo difícil de acreditar, a economia precisa de uma política clara com relação à questão cambial, as guerras cambiais que estamos visualizando são provas consistentes de que os governos acordaram para a necessidade de proteger suas taxas de câmbio sob pena de ver seus setores de transformação destruídos e seus impactos devastadores para a sociedade, como emprego e desigualdades.
Os conflitos entre chineses e norte-americanos pode prejudicar o comércio internacional, mas também pode abrir novas oportunidades de negócio para os países emergentes. O mundo pode se tornar mais protecionista, os países podem adotar políticas defensivas contra produtos produzidos no exterior como forma de preservar seus produtores locais, diminuindo o fluxo comercial e abrindo espaço para que, internamente, os preços aumentem, incrementando os índices inflacionários, o que prejudica os setores mais carentes que terão sua renda e o seu consumo diminuídos.
O resultado também pode ser outro, o litígio China-EUA pode levar as autoridades chinesas a adotar políticas para a valorização da moeda local, diminuir suas exportações e aumentar suas importações, gerando um aumento na renda agregada e um incremento no mercado de consumo, estimulando com isso o mundo todo, com impactos positivos para a economia brasileira.
O câmbio é um dos instrumentos econômicos mais complexos, a adoção de uma política cambial é uma decisão estratégica dos governos, no caso do Brasil é importante destacar, que temos internamente alguns problemas que devem ser encarados de forma imediata, as taxas de juros astronômicas que temos é um sinal claro de alerta para os setores produtivos, que temem uma diminuição do consumo, vivemos no país nos últimos 8 anos um aumento vertiginoso do consumo, classes sociais antes relegadas ao esquecimento foram conduzidas a uma condição de destaque no mercado de consumo, novas lojas e centros de compras surgiram para atender este mercado em expansão, as importações cresceram e as exportações também, mas esta última em números mais modestos. As taxas de juros altas servem para financiar o endividamento interno do Estado brasileiro, os gastos do governo crescem de forma acelerada, inicialmente como uma diretriz de política econômica e, num segundo momento, como uma forma de reduzir os impactos da crise internacional de 2008, quando os Estados foram chamados para socializar as dívidas do setor privado e evitar uma crise generalizada da economia, cujos impactos todos os povos sentiram.
Atuar diretamente sobre o câmbio é uma necessidade do sistema, uma forma de melhorar as perspectivas econômicas e produtivas, mas uma maneira clara de atuação deve ser pensada e estruturada de forma consistente para evitar efeitos colaterais, uma das estratégias mais evidentes é a diminuição dos gastos de custeio do Estado e a canalização destes recursos para investimentos produtivos que elevem a capacidade do sistema, garantindo novos empregos e perspectivas rentáveis para a sociedade, destacamos outra medida concreta, a criação de limites para que os gastos do Estado brasileiro não cresçam acima da inflação, com estas medidas os gastos reduzirão de forma significativa em termos percentuais, criando as condições para um crescimento sustentável da economia.
Câmbio é a palavra econômica do momento, valorizações e desvalorizações são políticas que devem ser vistas com clareza e consistência para evitar novos embates que abalam o mundo, gerando seqüelas em todas as regiões, desde povos isolados na África até as populações das grandes metrópoles do mundo. A participação integrada entre os países deve ser incentivada e as medidas protecionistas devem ser combatidas veementemente pelos Estados, empresários e trabalhadores, pois neste embate entre forças variadas todos perdem em algum momento, pois somos todos interdependentes e a convivência harmoniosa deve ser estimulada e vivida por todos sobre pena de construirmos um mundo de barro, onde a infra-estrutura não consegue contemplar a todos.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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