Quatro fatores parecem explicar a queda do dólar, por Samuel Pessoa.

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Em algum momento, atual valorização deve cessar

Samuel Pessoa, Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

Folha de São Paulo, 26/03/2022

Era esperado para o início deste ano alguma valorização na moeda em razão da votação da lei orçamentária de 2022, em dezembro do ano passado.

Após a emenda constitucional dos precatórios, que abriu R$ 100 bilhões no Orçamento de 2022, a votação da lei orçamentária estabelecia um tamanho para o rombo fiscal.

A descompressão ocorreu, mas muito mais intensa do que qualquer pessoa imaginava. Outros fatores contribuíram.
Dois fatores principais explicam o fortalecimento do real, que na sexta-feira (25) fechou a R$ 4,74 por dólar.

O primeiro foi a retomada de um mecanismo de compensação entre o real e o preço dos commodities. Desde a flutuação do câmbio, no início de 1999, sempre que as commodities no mercado internacional ficam mais caras, o real se valoriza, e vice-versa.

Esse mecanismo equilibrador existe, pois somos um grande exportador de matérias-primas. Sempre que as commodities encarecem no mercado internacional, ficamos mais ricos, e, consequentemente, nossa moeda se valoriza, e vice-versa.

Entre maio de 2020 e novembro de 2021, esse balanço deixou de existir. Quando a epidemia bateu, o preço das commodities despencou —houve semana em que o preço do petróleo chegou a ficar negativo, pois se cobrava para armazenar— e nossa moeda desvalorizou-se de R$ 4,3 para até R$ 5,8, em maio de 2020.

Quando ocorreu a recuperação muito forte da economia mundial, os preços das commodities subiram muito. Dobraram em relação ao ponto mais baixo observado em abril de 2020. Penso que o aumento da percepção de risco, em razão do impacto da epidemia sobre os gastos além do teto do governo, neutralizou o efeito gangorra entre o real e o preço das commodities. Em vez de voltar para R$ 4 por dólar, nossa moeda ficou oscilando em torno de R$ 5,5. Essa neutralização explica uma parte importante do choque inflacionário por aqui: se o câmbio tivesse se comportado de forma habitual, parte do efeito inflacionário da elevação dos preços das commodities seria compensada pela valorização do real.

Desde dezembro de 2021, o efeito gangorra voltou a funcionar, e parte da valorização da moeda resulta da subida dos preços das commodities. As moedas de outras economias exportadoras de commodities têm se valorizado também.

Mas parece haver um terceiro fator contribuindo para valorizar a nossa moeda. A guerra na Europa em uma região, o Leste Europeu, com diversos países emergentes melhorou a percepção de risco relativa da América Latina. Nesse “concurso de feiura”, ficamos um pouco melhor.

Finamente, há sinais de que a elevação da taxa de juros contribui para o movimento da moeda.

A ação conjunta desses quatro fatores —retirar o bode da lei orçamentária de 2022 da sala, a volta da gangorra preço das matérias-primas e câmbio, a melhora relativa da América Latina em razão da guerra e o maior diferencial de juros— parece explicar o movimento da moeda, que saiu de R$ 5,74 em 21 de dezembro último para R$ 4,74 na sexta-feira passada. Incrível valorização de R$ 1 por dólar.

Muito difícil construir cenário para o câmbio. Minha avaliação é que a atual valorização em algum momento cessará e, ao longo do processo eleitoral, viveremos muita volatilidade, com o real se desvalorizando um pouco.

No fim do ano, com a retomada pelo novo governo de uma trajetória de ajuste fiscal estrutural, devemos voltar a uma lenta trajetória de fortalecimento de nossa moeda.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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