A pandemia acelerou as transformações sociais, econômicas, culturais e políticas na sociedade contemporânea, neste momento todos os países estão buscando a reconstrução de suas coletividades, a recuperação de suas estruturas produtivas, já que vivemos num momento de destruição generalizada. Neste ambiente, vivemos num cenário de instabilidades, que geram medos, rancores e ressentimentos crescentes que desestruturam os relacionamentos sociais, as desavenças, os conflitos e as violências em todos os indivíduos, dinamizando problemas emocionais, sentimentais e psicológicos.
Vivemos momentos sombrios, o individualismo, destacado por filósofos e sociólogos proeminentes, reina em todas as sociedades e se faz, cada vez mais intenso, com seus impactos cada vez mais assustadores. Nesta sociedade, o indivíduo está no centro das organizações sociais, o coletivo e a coletividade perderam espaço, criando desesperanças e preocupações crescentes, motivando perguntas constrangedoras, tais como: para onde caminha a humanidade?
Substituímos as conversas e as discussões saudáveis, os embates de ideias e pensamentos, sempre respeitosas, por embates cercados na agressão, no ressentimento e nas ofensas, que humilham e desestruturam as relações sociais mais efetivas e criam constrangimentos nos relacionamentos, gerando mal-estar, distanciamentos e esfriamentos sociais.
Vivemos em uma sociedade em que as pessoas se sentem no direito de utilizar as redes sociais para degradar outras pessoas, dando opinião sobre os relacionamentos alheios, os sentimentos e interesses sentimentais, como se vivêssemos em um verdadeiro reality show, onde todos estão sendo espiados, onde sua privacidade está a mostra, onde os seres humanos se expõem em sua integridade. Estes programas de televisão se espalharam para todas as sociedades, desde os países mais desenvolvidos até as regiões mais paupérrimas do mundo, demonstrando que os seres humanos gostam de saber sobre as privacidades alheias, suas fofocas e das desavenças, dando ibope, audiência e grandes lucros aos produtores e as empresas que associam a estes produtos comerciais. Somos seres humanos pobres e degradados pelos interesses imediatos do lucro, da acumulação e da realidade externa, da aparência e nos esquecemos dos interiores, das suas reflexões e de nossos crescimentos. Quando paramos para observar nossas dores e sentimentos mais íntimos que pululam nos nossos interiores, percebemos que grande parte dessa estrutura está degradada, podre e putrefatos.
Estamos numa sociedade marcada pelas dores e degradações geradas pela pandemia, estamos sentindo na pele as dores, as mortes, as brutalidades e estamos deixando de refletir sobre os motivos destas destruições e, muito pior, estamos naturalizando a morte e banalizando os sentimentos dos seres humanos e, infelizmente, estamos deixando de sermos seres humanos, o resultado é a destruição que estamos presenciando. A pandemia desnudou as pobrezas da alma humana, enquanto países desenvolvidos conseguiram vacinar a grande maioria da sociedade, os países pobres conseguiram vacinar apenas uma parte desta população, com isso, os valores dos seres se mostram mais evidentes, quem tem recursos podem vacinar enquanto os que não possuem recursos estão expostos ao vírus, a inanição e da miséria.
Vivemos numa sociedade que destrói e promove a degradação do meio ambiente, direcionamos a produção e transformamos tudo e todos os seres humanos em verdadeiras mercadorias. Compramos e satisfazemos todos os nossos desejos em todas as esquinas, compramos produtos produzidos em todas as partes do mundo e compramos prazeres materiais, satisfação sexual e produtos sofisticados e nos deliciamos com as vantagens que são garantidas com as riquezas materiais e nos esquecemos que vivemos num planeta que está no limite, os sinais da degradação estão em todos os lugares, o clima esta sendo transformado, os rios, os mares e os oceanos estão passando por mudanças na temperatura, impactando sobre os animais aquáticos, nas vegetações e no curso dos rios, colocando em xeque a convivência pacífica entre nações, coletividades e grupos sociais, econômicos e culturais.
Vivendo momentos de crescimento de desigualdades variadas, de um lado percebemos que os grandes bilionários aumentam suas fortunas a todos os momentos, seus lazeres não se restringem apenas ao planeta Terra e, sendo dotados de fortunas incalculáveis, se aventuram nos prazeres de outros planetas, se esquecendo que uma grande parte da humanidade passa fome, indivíduos corrompidos pelas dores construídas pela miséria e pela degradação. Neste ambiente, usam suas estratégias de marketing para canalizar as sobras de suas fortunas para criar instituições ou fundações para perpetuar seus nomes e massagear seus egos, com isso, serem vistos como cases de eficiência nos cursos de gestão ou de administração, com isso, passam pela vida sem sentirem os verdadeiros sentimentos do crescimento espiritual, se atrelando aos mais ilusórios valores materiais, da posse e da prosperidade monetária.
Vivemos numa sociedade que propagandeia a importância da educação e do conhecimento científico e, infelizmente, deixamos a míngua grandes vultos da ciência nacional. Formamos profissionais de alta complexidade que exigem bilhões e mais bilhões de recursos escassos da sociedade, no treinamento e na formação destes indivíduos e não conseguimos absorver estes profissionais e os entregamos de bandeja para outras nações. Somos uma nação atrasada e pagamos um alto preço pela ignorância, colhemos as escolhas anteriores e rumamos para uma degradação consentida por uma elite constituída por lunáticos e alienados.
Vivemos numa sociedade caracterizada por uma pequena elite intelectual, ou pseudo intelectual, que se arvora na defesa dos descalabros em curso, fechando os olhos para a destruição das universidades públicas, dos centros de pesquisas, a degradação dos setores ligados ao serviço público, sem projetos para o país renomeamos políticas pública exitosas para ganhar louros eleitorais, por isso, percebemos os pendores ideológicos de uma elite atrasada e reacionária, se associando ao verdadeiro vendaval que assola a sociedade nacional. Quando acordarmos para este descalabro na conjuntura nacional, perceberemos que, mais uma vez, deixamos passar as oportunidades de sermos uma nação desenvolvida, sem miséria, sem fome e sem degradação de grupos sociais, somos uma nação caracterizada pelas perdas de oportunidades.
Vivemos numa sociedade onde encontramos uma pequena parte da sociedade ganhando salários e adicionais elevados em detrimento de uma parte substancial da população, criamos inúmeras camadas de cidadania, uma centrada em direitos, transferências milionárias, subsídios elevados, prestígios políticos e imunidades generalizadas e, ao mesmo tempo, outros grupos sociais precisam, que para sobreviver, chafurdarem nos lixos das coletividades em busca de sobras dos banquetes dos grupos mais afortunados. Uma sociedade, infelizmente, em quase duzentos anos de independência, vivemos numa nação inacabada, devastada pela ignorância e pelos interesses imediatistas de uma elite que explora e se compraz com a exploração, degrada a população, escraviza as classes trabalhadores, paga salários escorchantes e rechaça os verdadeiros valores da sociedade nacional.
Nas últimas décadas percebemos o crescimento de uma guerra contra o Estado Nacional, desde os anos 1970/1980 estes conflitos se materializaram na sociedade global, nesta ideologia, o Estado deve ser visto como o grande responsável por essa situação de descalabro das nações. No Brasil, esse conflito se mostra cada vez mais presente, com isso, percebemos que nossas “elites” estão atirando no alvo errado e, com isso, contribuiremos para perpetuar a degradação da sociedade e do atraso institucional. Sem encararmos de frente os problemas e os privilégios que assolam a sociedade nacional, rumaremos para um caos generalizado, sem Estado Nacional caminharemos rapidamente para a degradação e para a destruição, cujos impactos perturbadores e preocupantes, diante disso, reflitamos sobre a nossa sociedade, afinal, estamos vivendo momentos sombrios.
Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Especialista em Economia Brasileira Contemporânea, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp. Professor do Centro Universitário de Rio Preto e Professor das Fatecs de Catanduva, Jaboticabal e Barretos.