Desprovida de verdade, a sustentabilidade vira fé ou publicidade, por Rodrigo Tavares .

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Sem auditoria e verificação viveremos na ilusão da esperança ou no pântano da mentira

Rodrigo Tavares Fundador e presidente do Granito Group; professor de Sustainable Finance na Nova School of Business and Economics. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017.

Folha de São Paulo, 18/08/2021

O arquipélago reconhecido recentemente como o destino turístico mais sustentável do mundo fica no meio do Oceano Atlântico, algures entre Portugal e o Canadá. E é exatamente daqui, dos Açores, que escrevo, em tarde azul-clara úmida e com vista para um oceano azul-escuro, por onde passam ritmicamente jamantas e tubarões-baleia. Aqui o termo sustentável é tão onipresente quanto os milhares de vacas malhadas pastando pelas ilhas. No aeroporto também contei pelo menos 3 billboards de empresas de bebidas, imobiliário e hotelaria aludindo aos seus produtos sustentáveis. No jornal Público, o principal diário português, mais dois anúncios de multinacionais com metas de transição carbônica.

Nos Açores, no Brasil e um pouco por todo o mundo ocidental, a sustentabilidade banalizou-se. Empresas e governos fazem fila para anunciar, de forma cada vez mais esverdejante, novos produtos e iniciativas – os sapatos veganos, o suco ético, o carro elétrico, a casa ecológica, o bairro sustentável, a energia solar, a economia circular. Na hierarquia corporativa, ao longo dos anos, o comando deste tema foi passando do diretor de sustentabilidade para o diretor de comunicação, CFO e agora CEO. Falta apenas tentar inserir princípios verdes no Bhagavad Gita e convencer o presidente do Brasil e o novo ocupante do palácio presidencial em Cabul sobre os méritos da igualdade de género ou da sustentabilidade planetária.

A incontinência sustentável seriam boas notícias. Sem hesitação. Mas este novo mundo ético, justo e sustentável não existe. É um metaverso político e corporativo, um espaço onírico compartilhado, criado pela convergência entre a comunicação e a realidade física virtualmente aprimorada. É um espaço onde só há boas notícias. Ânimo e comprometimento. O “alerta vermelho” para a humanidade feito recentemente pelo IPCC não faz parte deste mundo imaginário. É demasiado realista, negativista e emergencial. Nenhum governo respondeu imediatamente com ações ainda mais profundas para evitar o colapso da humanidade.

Por isso, o mundo real da sustentabilidade ou do ESG não poderá crescer e se credibilizar sem auditoria, verificação, monitoramento. Sem verdade, a sustentabilidade vira crença ou propaganda.

Quando explodiu o número de empresas entre a Revolução Industrial e a Primeira Guerra Mundial e começou a se popularizar a figura do acionista, nasceram também as primeiras empresas de auditoria. A verificação de dados financeiros é demandada pela lei inglesa desde 1845 para proteger os acionistas de ações impróprias ou informações errôneas dos diretores das companhias. No final do século 19, nos EUA e no Reino Unido, o livro Auditing: A Practical Manual for Auditor de Lawrence R. Dicksee, publicado originalmente em 1892, já era a principal referência no assunto. Em 1926, mais de 90 porcento das empresas listadas na bolsa de Nova York já eram auditadas.

Quanto começaram a se proliferar as fake news, há cerca de 10 anos, a mídia, a sociedade civil, as empresas, governos e organizações internacionais reagiram com o lançamento de iniciativas, tecnologias ou agências de fact-checking para tentar conter a E. coli da informação. O Brasil tem mais de 10 destas agências (a primeira foi a Lupa, criada em 2015).

Mas não temos visto nada semelhante para combater o greenwashing. As históricas empresas de auditoria do mercado ainda não oferecem este tipo de serviços. E a principal razão é porque não existem regras, normas, regulamentos ou leis que determinem o que é um produto sustentável ou um fundo de investimento ESG, Sem benchmark não há auditoria.

Sejamos mais precisos: na Europa alguns reguladores criaram selos de qualidade ESG de fundos de investimento. A União Europeia também lançou uma taxonomia de atividades econômicas ambientalmente sustentáveis. E empresas como a GreenWatch ou iniciativas acadêmicas como o ClimateBert usam inteligência artificial para comparar declarações pró-ambientais com a pegada de carbono de uma empresa.

Mas estas iniciativas ainda são tangenciais ou aplicáveis apenas a uma geografia. Ainda não existe um sistema global de verificação e accountability. Se uma grande empresa brasileira anunciar informações contábeis falsas para iludir o mercado, será fortemente penalizada. É o mundo da realidade. Se a mesma empresa divulgar informações irrealizáveis na área da sustentabilidade terá espaço na imprensa e o aplauso do mercado. É a realidade virtual.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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