O Estado descuida dos riscos dos mais pobres
Folha de São Paulo, 17/07/2021
Sergio Firpo Professor titular e diretor de pesquisa do Insper, é Ph.D. em economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley
Há muito tempo se sabe que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Há menos de dez países com coeficiente de Gini, medida usual da desigualdade de renda, maior do que o nosso.
Contudo pouco se sabe sobre a volatilidade da renda no país. Dados recentes do IBGE, que permitem acompanhar a mesma pessoa ao longo do tempo, revelam que os rendimentos do trabalho oscilam de maneira desigual. No período de um ano, a variação de renda entre as famílias pobres é quase cinco vezes maior do que entre as ricas.
A flutuação da renda do trabalho, quando não antecipada, implica maiores riscos. Não somos apenas desiguais na renda, somos desiguais do risco.
Trabalhadores jovens e com baixa qualificação transitam entre empregos sem carteira, trabalho autônomo e desemprego. Encargos trabalhistas, baixa produtividade e rigidez salarial ajudam a tornar mais da metade da força de trabalho pouco atrativa no mercado formal. Esses trabalhadores ficam sem acesso ao seguro-desemprego e ao saldo e multa do FGTS, que são instrumentos relevantes de seguro.
O trabalhador autônomo nos centros urbanos está desassistido frente a reduções abruptas de demanda por seus serviços. Não há um empregador com quem dividir o risco do negócio. O acesso a crédito é restrito. Sua poupança, quando possui, é geralmente ilíquida. Não há opções de seguro contra oscilações inesperadas da renda.
Para compensar a exposição involuntária ao risco, os investimentos em ativos arriscados, como em capital humano próprio ou dos filhos, ou os relacionados à expansão do empreendimento são reduzidos. Sem esses investimentos perpetua-se, entre gerações, a pobreza.
O leque de políticas sociais existentes não contempla o trabalhador urbano que vive na informalidade e enfrenta, sem anteparos, o verdadeiro risco-país. São os 30 milhões de trabalhadores que, com a pandemia, se descobriu serem “invisíveis” ao governo.
O Estado descuida dos riscos dos mais pobres. Enquanto isso, grupos empresariais são protegidos da competição externa e servidores públicos têm estabilidade de emprego.
O enfrentamento estrutural da distribuição desigual de risco deveria envolver diversas ações governamentais. Exemplos são a redução de encargos e a criação de mecanismos institucionais de agregação de riscos e de garantias para linhas de crédito privadas para o microempreendedor. Não há bala de prata aqui.
Em nosso país, em que alguns valores têm sinais trocados, tomar risco não gera status social. Estabilidade e segurança, ao contrário, dão status. Quem mais toma risco no Brasil tem baixa escolaridade, é pobre, negro, jovem. É invisível.