‘Apagão de mão de obra pode se tornar uma deficiência crônica’, alerta economista Ricardo Henriques

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Especialista foi um dos criadores do Bolsa Família diz que a sociedade tem que eleger a educação como prioridade absoluta, uma ‘escolha que nunca fez’

Cássia Almeida – O Globo, 04/07/2021

Se a sociedade brasileira não der prioridade absoluta à educação, o Brasil vai patinar por muito tempo como um país de renda média, com desemprego estrutural maior, mesmo se houver crescimento da economia, alerta o superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, que foi um dos criadores do Bolsa Família.

Em entrevista ao GLOBO, ele alerta que ainda é possível recuperar o tempo perdido, mesmo com retrocesso que a pandemia provocou, deixando a educação “de joelhos”.

Aumentou a exigência de qualificação?
Reconfiguração do mundo do trabalho, automação, inteligência artificial e a quarta revolução industrial geram a necessidade de aumentar a qualidade da qualificação média da população no ensino básico e superior massivamente.

O risco é que o desemprego de longa duração se perpetue, e o apagão de mão de obra virar uma noite longa. Pode se tornar uma deficiência crônica de mão obra que esteja adaptada à sociedade contemporânea.

Como enfrentar esse apagão?
O ensino técnico precisa sair desse patamar de 2 milhões para 3, 4, 5 milhões, que é a meta do Plano Nacional de Educação para 2024. Não vamos conseguir cumprir essa meta. Podemos aproveitar a janela da reforma do ensino médio, de ter saído da armadilha gerada pelo conteudismo irrelevante que distanciou a formação daquilo que é necessário para sociedade contemporânea.

Por isso, jovens não viam sentido nesse ensino médio. O ensino técnico abre oportunidade real de dar conta das competências e habilidades necessárias ao mundo de hoje.

Quais habilidades?
O mundo está reduzindo demandas física e manual, indo cada vez mais para a cognitiva avançada, a tecnologia, a habilidade socioemocional. Caminhar para habilidades que não estão associadas a um campo específico, mas que são fundamentais: empatia, gestão de estresse, trabalho em grupo, criatividade, comunicação, negociação, que vão servir para qualquer configuração do mundo do trabalho.

E adquirir competência digital básica, tecnologia digital avançada, processamento de informações complexas, análise de dados, pesquisa cientifica, gestão de projetos.

Mas não avançamos na educação?
Os inegáveis avanços na educação nos últimos 30 anos não foram suficientes. Continuamos patinando como um país de renda média. E a pandemia deixou a educação de joelhos.

A sociedade precisa reconhecer esse desafio e dizer que a educação é prioridade absoluta. O Brasil nunca fez isso. Não será fácil e nem imediato. Esse novo mundo exige que a sociedade brasileira faça a escolha que nunca fez.

A educação de mais qualidade para poucos é suficiente para fazer o país crescer?
Até bem pouco tempo atrás, uma elite, um grupo pequeno com alta inserção no mundo tecnológico conseguia que o país se movesse como um todo.

Na atual situação, todos precisam ter altas expectativas de educação, a performance de alta qualidade precisa ser massificada. Para que o país se mova, integrada ao circuito contemporâneo, a grande maioria da população, principalmente os jovens, precisa ter qualificação de alta de qualidade.

Se não houver alta expectativa para todos desde a primeira infância, aumenta-se o potencial do ressentimento na sociedade. Altas expectativas inibem os espaços de ressentimento, aumentam a probabilidade de harmonia. É essa utopia que sociedade deveria perseguir.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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