Vivemos numa sociedade marcada por grandes contradições, sistemas econômicos marcados por grandes desigualdades, preservamos uma estrutura econômica marcadamente concentradora, que privilegia uma pequena classe social. Grupos privilegiados controlam as estruturam políticas e colocam seus apaniguados em setores chaves, donos de currículos vistosos e salários elevados, são prepostos da casa e da senzala. Ganham milhões transformando as estruturas sociais em verdadeiros negócios monetários e financeiros, sem se preocupar com os interesses da coletividade, sempre pensando em seus interesses imediatos e seus pomposos recursos monetários.
A pandemia está colocando em xeque pensamentos imediatistas. Estes cidadãos se especializaram nos ganhos financeiros particulares e deixaram de lado interesses mais amplos da sociedade, trabalham pelos prazeres monetários, se esquivando do planejamento econômico e da construção de um verdadeiro projeto de país. Neste momento, percebemos que este pensamento imediatista está levando o país para o caos e a ingovernabilidade, criando bolsões de miséria cercada por pequenas ilhas de progresso, luxos e artificialismo exagerados.
Recentemente foi publicado o estudo “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, pesquisa realizada pelo grupo Alimento Para Justiça, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com universidades brasileiras, que destacou que até o final do ano passado, 59,4% dos brasileiros enfrentavam algum grau de insegurança alimentar, retratando uma população que convive novamente com a fome, na verdade, essa realidade sempre existiu na sociedade nacional. Nesta pesquisa, passamos a conhecer os números escandalosos da degradação em que vivemos, onde 125,6 milhões de brasileiros não tem o que comer, outros grupos comem inadequadamente ou convivem com receio de não terem a próxima refeição. A pesquisa nos mostra a miséria da sociedade brasileira, somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo, dotados de instrumentos tecnológicos, máquinas e equipamentos de última geração e, ao mesmo tempo, convivemos com um contingente de cidadãos, ou pseudocidadãos que não tem alimentação digna, um verdadeiro escárnio.
A fome, impulsionada pela pandemia, cresce na sociedade brasileira, uma calamidade nacional que abarca grupos sociais fragilizados e, neste momento, a fome e a desigualdade são escolhas políticas. Os governos e as classes políticas se sucedem, a democracia está se fragilizando e as condições sociais de parcela significativa da população se encontram em situação de degradação. As políticas públicas precisam ser efetivas, precisam de investimentos produtivos, um combate sistemático ao desemprego e abrindo novas oportunidades, evitando a convulsão social que se avizinha, misturando incompetência e arrogância.
Na sociedade brasileira muitos teóricos estudaram e se dedicaram na construção de estratégias de combate a fome e a desigualdade social, dentre eles destacamos o trabalho pioneiro de Josué de Castro, médico, geógrafo, diplomata e político, cujas pesquisas mostravam a existência de um Brasil profundo, marcado pela desigualdade, pela pobreza e pela subnutrição, estes pensadores contribuíram para a compreensão das condições indignas existentes na sociedade.
Neste momento de pandemia e indignação, faz-se necessário refletir sobre os grandes estudiosos brasileiros, seus estudos e contribuições, cujas pesquisas levaram Jean Ziegler, relator da ONU sobre o direito à alimentação, ao referir ao se Josué de Castro, que deveríamos “ter um monumento em cada cidade do país, porque é um dos maiores pensadores do século XX”. Somos um país que não preserva as suas memórias, um país que não aprende com os equívocos do passado, estamos sempre cometendo os mesmos erros, aumentando os constrangimentos, o resultado onde tudo isso é mais atraso, mais desigualdade e mais degradação social.
Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Especialista em Economia, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp e professor universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 21/04/2021.