China dobra aposta em tecnologia, por Tatiana Prazeres.

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País mobiliza grandes investimentos para projetos de tecnologia em estágios iniciais

Folha de São Paulo, 02/04/2021

Volumes fabulosos de recursos já foram investidos no desenvolvimento de semicondutores e, apesar disso, a China segue altamente dependente da importação desses insumos.

Anos de expectativas frustradas incomodam o governo chinês. Não apenas porque isso evidencia a dificuldade de transformar desejos em realidade, mas também porque coloca a China numa posição vulnerável do ponto de vista tecnológico.

Do total de semicondutores que consome, a China produz apenas 30% e importa o restante, numa proporção que há anos insiste em não se alterar.

A China depende de chips para produzir outros bens, para exportar e para inovar. Produtores de carros chineses, por exemplo, importam 90% dos semicondutores de que necessitam.

Os EUA enxergaram na fragilidade chinesa uma oportunidade. Adotaram medidas para restringir suas exportações de semicondutores para a China. Foram além e criaram dificuldades para que empresas estrangeiras mesmo fora dos EUA vendessem, para a China, equipamentos e software para a produção de chips.

Ainda que em escala menor, histórias parecidas se repetem em outras tecnologias. É extensa a lista de empresas chinesas proibidas de fazer negócios com firmas americanas. Com isso, limita-se o acesso chinês a certos insumos estratégicos.

Qual a consequência do outro lado do mundo? O Estado-investidor chinês aumenta seu apetite pelo risco. Pequim passa a atuar como um “venture capitalist” —como argumentou Arthur Kroeber num webinário organizado pelo Cebri e Conselho Empresarial Brasil-China nesta semana.

Claro, investimentos em política industrial, em tecnologia e mesmo em autossuficiência não são novidade na China. No entanto, agora Pequim mais que dobrou a aposta.

O que há de novo são a ousadia na maneira de investir, o volume de recursos envolvidos na empreitada e a coerência estratégica da intervenção do Estado, segundo Kroeber.

Pequim passa a mobilizar grandes investimentos em setores intensivos em tecnologia, especialmente para vários projetos em estágios iniciais —arriscados, mas potencialmente promissores.

Como é típico do modelo de “venture capitalism”, nem todas as apostas vão se revelar acertadas. Mas, claro, a ideia é de que haja vencedores suficientes para compensar os investimentos que inevitavelmente fracassarão.

Apesar de tudo, o sucesso não é garantido. As dificuldades normalmente associadas a política industrial estão presentes também na China. Há espaço para desperdício, favorecimentos, distorções e corrupção.

Quando, no ano passado, Pequim definiu novos incentivos para o desenvolvimento de semicondutores, empresas de todos os tipos se aprontaram para pleitear benesses. O governo precisou agir para evitar abusos. Definiu três “nãos”.

Empresas sem experiência, sem tecnologia e sem capital humano na área não deveriam se aventurar aí —não com recursos públicos.

Se o intervencionismo estatal tem seus riscos, a lógica do relacionamento entre Estado e mercado na China, no entanto, sempre foi diferente. O setor público é visto sobretudo como parte de solução e não como o problema na economia.

Expressões como China Inc. e capitalismo de Estado, por exemplo, representam o esforço de capturar a essência deste modelo híbrido —e que também se transforma. Mas enquanto o resto do mundo aponta para as contradições, os chineses enxergam as sinergias da relação.

Nas atuais circunstâncias, a dependência tecnológica da China e o ambiente internacional difícil para o país contribuem para a ousadia do Estado-investidor. Não por acaso o recém-adotado plano quinquenal prioriza autossuficiência tecnológica.

Se fosse um investidor privado, a China de hoje teria perfil arrojado. O risco é alto, mas o retorno também pode ser. Em jogo, estão os rumos da competição tecnológica, econômica e geopolítica. Com bolsos mais fundos que no passado, Pequim está disposta a pagar para ver.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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