Cada vez mais grandes corporações maximizam seus lucros operando contra o interesse público e contra o interesse do consumidor
Estado de São Paulo, 20/12/2020
Os governos dos países mais avançados economicamente estão assustados com o crescimento do poder econômico e político das big techs.
Elas não apenas produzem lucros impressionantes, como, também, controlam praticamente metade da população mundial.
Sabem tudo sobre os hábitos de cada um, o que veste, o que come, o que faz nas horas de trabalho ou de lazer, qual orientação política segue e, obviamente, o que pretende comprar. E como esse controle vale muito dinheiro, somam mais riquezas às muitas que já possuem.
Além disso, manobram para acabar com a concorrência, desestimulam o desenvolvimento de outras empresas que rodeiam seu terreiro, pagam o mínimo de impostos onde atuam e contratam os melhores escritórios de advocacia para enfrentar qualquer pendenga judicial…
Há duas semanas, o mais prestigiado colunista econômico do mundo, o inglês Martin Wolf, do Financial Times, escreveu artigo em que demonstra que um dos maiores economistas do século 20, o norte-americano Milton Friedman, da Universidade de Chicago, estava totalmente equivocado quando em publicação de 1970 escreveu que “a responsabilidade social da empresa consiste em aumentar seus lucros”.
O ponto de vista de Friedman é o de que os bons lucros são as melhores indicações de que uma empresa atende ao interesse público. Se vende mais e lucra mais é porque responde adequadamente às necessidades do consumidor. Se deixasse de suprir o consumidor, seus produtos ou serviços encalhariam, a empresa deixaria de faturar e acabaria por ser alijada do mercado. Ela só tem de respeitar os reguladores e os contratos e seguir apresentando resultados para seus acionistas.
Martin Wolf aponta para outra direção. E, para isso, se apoia num livro recente publicado por Stigler Center (Milton Friedman, 50 years later), no qual fica demonstrado que as grandes empresas aumentam, sim, cada vez mais seus lucros, mas operam contra o interesse público e contra o interesse do consumidor.
Apenas em reforço ao que ficou dito acima, elas destroem o ambiente competitivo; ganham enormes economias de escala e, nessas condições, impõem seus preços; têm acesso às fontes mais baratas de capital; fogem o quanto podem do recolhimento de tributos e das regulações, na medida em que transferem suas sedes para paraísos fiscais, contratam os melhores especialistas em administração tributária e impõem cláusulas draconianas nos seus contratos.
Ainda passaram a ter importante controle sobre as regras do jogo, ao passo em que lobbies poderosos trabalham para moldar as leis e regulamentações a seu favor. E, porque contribuem copiosamente para financiamentos de campanha ou conseguem corromper funcionários públicos, passam a ter imenso poder político.
Se estivesse vivo, muito provavelmente Milton Friedman acabaria por rever sua tese que tanto impacto teve nos empresários. Mas dificilmente apresentaria recomendações de fácil implantação para mudar as regras desse jogo desigual, que eleva as grandes corporações para níveis que pairam acima do bem e do mal.
Na teoria, a proposta para começar a virar esse jogo talvez não esteja tão distante. Trata-se de levar os Estados a exercer o controle sobre essas fontes de poder que tendem a sabotar a própria capacidade de governar.
O problema é que nenhum governo sozinho seria capaz de impor suas condições. Antes mesmo da crise de 2008, as grandes corporações financeiras fizeram o diabo com as aplicações dos seus clientes, sem que nenhum organismo regulador interviesse nas pirâmides financeiras que empobreceram as classes médias. Até agora, nenhum país conseguiu cobrar impostos sobre as operações das gigantes de tecnologia.
Há anos, o G-20 tenta um acordo mínimo sobre a tributação desses capitais colossais, mas não consegue avançar. Os países são, por exemplo, contra a existência e a atuação dos paraísos fiscais dos outros países, mas não contra as de seus próprios. Os Estados Unidos não aceitam a taxação de suas big techs, pois entendem que invadiria seu próprio espaço tributário.
Ou seja, enquanto não houver amplo acordo entre governos, parece improvável que essas S.A., as gigantescas corporações e outras mais, possam ser controladas pelo poder público.
CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA