Não há justificativa razoável para deixar os magistrados de fora da reforma administrativa

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Salário inicial de um juiz federal recém-empossado foi de R$ 32 mil em 2019, 81% do salário de um ministro do STF

O encaminhamento da proposta de reforma administrativa ao Congresso trouxe necessária discussão sobre a adequação dos serviços prestados pelo Estado às demandas da população. Ampla gama de carreiras foi considerada, incluindo o funcionalismo nas suas esferas municipais, estaduais e federais, e em todos os Poderes.

Curiosamente, a proposta abriu exceções, mantendo intactas as regras de algumas carreiras específicas, como juízes, desembargadores, procuradores e promotores. Essas categorias têm participação relevante no Orçamento público, e suas atividades são de enorme importância para a sociedade e para a economia.

No caso do Judiciário, as despesas alcançaram R$ 100 bilhões em 2019, 1,5% do PIB, dos quais 90% são gastos com recursos humanos (Justiça em Números, 2020). Em perspectiva comparada, a alocação de recursos ao Poder Judiciário é elevada, já que países como França e EUA destinam em torno de 0,2% do PIB para essa atividade.

Relativo aos outros Poderes, o salário médio do Judiciário é três vezes maior que os salários do Executivo e do Legislativo (Atlas do Estado Brasileiro, 2019), guiado principalmente pela destinação de recursos que é dada aos magistrados, já que o custo médio mensal é de R$ 51 mil para eles, comparado a R$ 16 mil para os servidores do próprio Judiciário.

A extrema concentração de salários próximo ao teto remuneratório inviabiliza qualquer tipo de promoção por desempenho dos magistrados. Vale lembrar que o salário inicial de um juiz federal recém-empossado foi de R$ 32 mil em 2019 e corresponde a 81% do salário de um ministro do STF. Não surpreende a constante pressão pelas verbas indenizatórias como forma de salário.

Talvez haja entendimento de uma já elevada produtividade dos magistrados, justificando o recebimento do teto remuneratório, mesmo em início de carreira. O Justiça em Números de 2020 dá ênfase ao aumento de 13% da produtividade média do magistrado no último ano, atingindo o maior valor da série histórica, com média de 2.107 processos baixados por magistrado.

Com a máxima venia, cabe análise contraditória. O número de processos baixados é medida superestimada da resolutividade judicial, pois inclui processos remetidos para outros órgãos judiciais ou instâncias superiores. Ou seja, processos que não foram propriamente resolvidos. Mais correto seria considerar o mesmo processo ao longo de toda a sua “vida”, incluindo informações sobre a taxa de reforma das decisões contestadas.

Ademais, causa espécie associar o resultado de todo o Judiciário apenas aos magistrados, já que amplas estruturas administrativas de suporte também estão envolvidas.

O Judiciário conta com apenas 18 mil magistrados, mas tem o apoio de 270 mil servidores e 160 mil auxiliares. A produtividade do magistrado poderia ser muito mais bem mensurada pela avaliação de suas sentenças em comitê externo, incluindo aferição das horas trabalhadas em sistema de ponto, informação que a categoria recusa fornecer à sociedade.

Por outros indicadores, mais amplos, a eficiência do Judiciário não parece ser expressiva. A taxa de congestionamento —o percentual de processos que ficaram represados sem solução— é de 69%. A redundância decisória também é alta. Os percentuais de recursos dirigidos ao órgão que teve sua decisão contestada ou encaminhados à instância superior foram ambos de 11%.

Na Justiça do Trabalho, a recorribilidade a instâncias superiores chega a 51%. Isso sem contar a baixa taxa de resolução de conflitos em instâncias inferiores: 1 a cada 4 casos iniciados nas Varas do Trabalho chega ao Tribunal Superior do Trabalho. O tempo médio que um caso ganha sua primeira decisão é substancial, alcançando 57 meses nas Varas Estaduais.

Ao que tudo indica, nosso Judiciário é composto por magistrados de baixa capacidade resolutiva, apesar de amplo escopo decisório. A morosidade e a redundância da Justiça são prova evidente de enorme desperdício de recursos no setor.

Não há justificativa econômica (nem ética) razoável para deixar os magistrados de fora da reforma administrativa. Afinal, magistrados são servidores públicos como todos os demais outros. A sociedade como um todo ganha com Judiciário menos burocrático, mais rápido e menos imprevisível.

Cecilia Machado

Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FG

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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