Empreendedorismo, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento

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Um dos mantras que mais cresce na sociedade contemporânea é a importância do papel do empreendedorismo para o mundo dos negócios, nesta corrente de pensamento o empreender é um dos meios mais consistente de superar o subdesenvolvimento, levando a sociedade a construir bases mais sustentáveis para o desenvolvimento econômico com melhoria dos indicadores sociais, incremento do bem-estar social e a inclusão de todos os grupos sociais mais vulneráveis.

Numa sociedade marcada por grandes transformações no mundo do trabalho, os trabalhadores estão sendo estimulados a empreender, abrir novos negócios e enveredar pelos espaços do empreendedorismo, estruturando novas bases do sistema capitalista de produção e criando novas oportunidades de ocupações, sem as amarras dos chefes e donos dos negócios, o sonho de uma nova sociedade marcada pelo empreendedorismo, pelas novas ideias, nossas oportunidades e novos ares mais consistentes estão sendo estimulados pelos grupos mais endinheirados.

Neste novo ambiente, o empreendedorismo está sendo estimulado pelas universidades de gestão, onde as grades curriculares e os conteúdos programáticos estão adaptados para o empreender, levando os alunos a correr riscos, atuar de forma flexibilizada, analisar os ambientes empresariais e, principalmente, analisar as bases das sociedades, buscando novos espaços de negócios e novos investimentos, gerando empregos, rendas e crescimento econômico, levando as coletividades ao tão sonhado desenvolvimento econômico. Os estímulos do novo capitalismo contemporâneo motivam as pessoas comuns a empreender, transformando ideias, costumes, hábitos e comportamentos, reduzindo burocracias e melhorando os indicadores sociais e políticas públicas, melhorando a toda a comunidade.

São inúmeras as definições do termo empreendedorismo, onde podemos entender como uma disposição ou capacidade de idealizar, coordenar e realizar projetos, serviços e negócios. O empreender é uma iniciativa de implementar novos negócios ou mudanças em empresas já existentes, com alterações que envolvem inovação e riscos. O empreender deve ser entendido como uma capacidade de correr riscos e encarar novos desafios, ainda mais quando analisamos um país como o Brasil, cuja economia está marcada pela instabilidade e por grandes espaços de incertezas e de desajustes, empreender numa economia como a nossa, percebemos que os desafios são maiores e exigem perseveranças e muitas sorte.

Muitos empreendem em períodos de desempregos, famílias que perderam seus empregos ou tiveram uma queda considerável de suas rendas, investindo seus recursos escassos em novos negócios, neste caso, as chances de êxito deste empreendimento são reduzidos, como nos mostram as pesquisas de empresas especializadas, como o Sebrae, que ao analisar o caso percebemos que mais de 75% dos empreendimentos nacionais quebram em menos de cinco anos, levando um rastro de degradação de empresas, famílias e relacionamentos, gerando novos traumas e desesperanças nesta sociedade.

O empreendedorismo pode ser uma opção de renascimento no mercado de trabalho, pode abrir novas oportunidades e criar novos espaços de crescimento para inúmeros grupos sociais, estimulando novas oportunidades mas, exigem algumas capacidades inerentes para os empreendedores, flexibilidade, agilidade, rapidez na tomada de decisão, perseverança e uma grande dose de sorte, ainda mais quando percebemos que inúmeros concorrentes perseguem o mesmo sonho de serem donos de seus estabelecimentos comerciais, levando-os a situação desejado de ser dono de seu nariz.

Numa sociedade como a brasileira o sonho do empreender, de ser dono do seu negócio mostra cada vez mais distante deste sonho, isto porque nossas estruturas econômica e produtiva estão sempre marcada por desequilíbrios, incertezas e instabilidades, obrigando aos empreendedores uma verdadeira batalha diária, um sistema tributário anacrônico, impostos elevados, burocracias exageradas, mão de obra ineficiente e pouca produtiva, taxas de juros elevadas, serviços e produtos bancários caros, levando os empreendedores a se distanciar dos seus negócios, criando desesperanças e uma perpetuação desta estrutura concentrada e ineficiente.

Nas faculdades e nas universidades, percebemos a incutir nos alunos os sonhos do empreendedorismo, mas percebemos que estas instituições estimulam o empreendedorismo, mas não consegue construir uma mentalidade global em prol deste sonho de empreender, mostrando parcialmente os desafios daqueles que correm riscos novos, infelizmente o resultado imediato desta empreitada é a perpetuação da falácia do empreendedorismo, onde grande parte daqueles indivíduos que buscam abrir novos negócios acabam encontrando com a bancarrota, com a falência e com a degradação econômica e social, trilhando rastros de perdas e se transformando em estatísticas negativas.

Na sociedade contemporânea percebemos que os grandes atores do mundo do negócio, nacional e internacional, banqueiros, financistas e grandes empresariais, estimulam o empreendedorismo, alimentando uma corrida insana, onde as pessoas buscam as melhores ideias e os retornos mais consistentes, mas percebemos ainda, que as regras desta competição são pouco visíveis para a grande parte dos concorrentes, na maioria das vezes os contendores estão pouco capacitados ou desqualificados para o desafio, com isso, a grande maioria se perde no caminho e acumulam prejuízos elevados e percebem, posteriormente, que estão falidos, cheios de dívidas e desesperançados, levando a economia a recessões severas e desemprego elevado.

Numa sociedade caracterizada por uma estrutura autoritária, pela exclusão social e pelo racismo, falar em empreendedorismo leva a teses sociológicas animadas, discussões acaloradas e reflexões constantes. No Brasil contemporâneo, o empreendedorismo aprofunda uma sociedade desigual, os vencedores dos valores do empreendedorismo reprofundam ideais caras ao pensamento da meritocracia, que defendem que todos que se esforçarem, se dedicarem e batalharem arduamente, seus esforços seriam premiados com empreendimentos, ganhando espaço no mundo dos negócios. Estas teorias impressionam as pessoas que acreditam e defendem os valores liberais, advogam a concorrência e pregam a competição, alguns conseguem alçar voos nesta corrida, empreendem e acumulam alguns recursos, mas a grande maioria soçobra, ficam na praia e deixam marcas de endividamento e degradação social.

As escolas de gestão e dos cursos de negócio defendem o pensamento liberal, pregam os valores do competição, da meritocracia e da concorrência e do livre comércio e acreditam que os valores do empreendedorismo são fundamentais para a construção de uma carreira exitosa, tornando empresários ou pessoas de negócio, muitos deixam de destacar, que as escolas de negócio enriquecem defendendo estas teorias, alegram os donos do poder econômico e financeiro, com isso, percebem o crescimento ascensional de seus investimentos.

O empreendedorismo deve ser caracterizado como um movimento sólido de crescimento e desenvolvimento para as sociedades, todos os países que conseguiram se desenvolver se caracterizaram por indivíduos marcados por sentimentos liberais, defensores da concorrência, da competição e da meritocracia, mas devemos destacar ainda, que em todas as nações que alçaram em postos do desenvolvimento econômico, contaram por atuação sólida e consistente de seus Estados Nacionais, atuando diretamente com políticas efetivas para consolidar o crescimento industrial, criando e consolidando políticas de valorização dos ambientes de negócios, com atuação no ambiente político e institucional, criando as condições para que os empreendimentos consigam transformar seus sonhos, melhorando as condições econômicas, gerando empregos, incremento de rendas e salários, culminando em maior desenvolvimento econômico.

Um dos teóricos mais importantes do empreendedorismo, estudar a importância e centralidade do empreender numa sociedade, foi o austríaco Joseph Schumpeter, que defendia a expressão destruição criadora, onde defendemos que as ideias de pessoas inovadoras e empreendedoras, impulsionam a sociedade capitalista, dando espaços de crescimento e desenvolvimento econômico. Nos escritos do economista austríaco, o empreendedorismo é visto como uma força crescente de transformação da sociedade, novas políticas e novos pensamentos que mudam os rumos da sociedade, mudando os rumos da economia, criando novos estilos de negócios e de investimentos.

No Brasil, percebemos que as ideias defensoras do empreendedorismo estão muito atreladas em pensamentos mais liberais do que os dos antigos liberais, um pensamento atrasado e retrógrado. Na atualidade, chamamos de empreendedores todos aqueles que se enveredam a aventurar em novos negócios, muitos deles investem seus recursos, frutos de uma vida de trabalho, em carrinhos de cachorro quente ou num automóvel para se tornar motoristas da Uber ou os entregadores dos aplicativos, empregos degradantes, sem garantias, sem perspectivas, sem direitos sociais, explorados por um sistema capitalista degradante que condena os indivíduos a cargas elevadas de trabalho, sem proteção de sindicatos e refém de serviços públicos degradantes e políticas sociais de péssimas qualidades, neste caminhos estamos enveredando um caminhos de desumanidade, onde estamos condenados ao trabalho degradante e ultrajante.

O estímulo ao empreendedorismo deveria ser bastante interessante para a sociedade brasileira, políticas consistentes para arregimentar grupos mais aptos para empreender, políticas canalizadas para a inovação, cursos e qualificações estruturadas, recursos financeiros disponíveis, impulso das universidades e faculdades, reduzida burocracia e cobranças equilibradas, todas estas políticas deveriam ser estimuladas e controladas por agências controladas por governos e mercados, atuando em comum, visando a construção de novos investimentos produtivos estimulando a destruição criativa, lembrando o ideal deste economista, cujo seu pensamento é atual e fundamental para o desenvolvimento das nações, principalmente em momentos de grandes incertezas e instabilidades, marcados pela pandemia que desgasta as bases da sociedade, aumenta os medos, destacando os pensamentos líquidos do sociólogo Zygmunt Baumann.

Neste momento de grandes incertezas e instabilidades, deixarmos nas costas dos indivíduos a tarefa de empreender, de construir novos espaços de desenvolvimento social e econômico, nos parece um desafio inalcançável pela sociedade mundial. O empreendedorismo deve ser visto com respeito e com admiração, e deve ser estimulado, mas nos parece insuficiente. O empreendedorismo e o pensamento liberal nos parecem insanos, nestes momentos de pandemia e de instabilidades crescentes, somente conseguiremos alterar os rumos da sociedade mundial e, no caso da sociedade brasileira, se todos os grupos sociais relevantes se juntarmos e atuarmos em comum acordo, rompendo com pensamentos que estimulam o individualismo e o egoísmo que reinam na sociedade, sem esta união o país estará condenada a degradação social, a insuficiência econômica e destruição dos direitos constitucionais. Estamos num momento de escolhas cruciais e decisões inadiáveis, neste dilema atual, estamos entre a civilização ou a barbárie.

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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