Pandemia, Planejamento, Reindustrialização e sociedade em degradação

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Nestes momentos de pandemia, a sociedade global se encontra em momentos de grandes instabilidades, medos e desesperanças, todos esperando pelo surgimento de uma vacina com potencial de imunização em escala planetária, levando os indivíduos a um momento de normalidade cotidiana, mesmo sabendo que a normalidade total nunca vai retornar, a noção de fragilidades humanas e das fraquezas sociais e emocionais tendem a rever comportamentos e pensamentos que, sem uma situação de pandemia e finitude, os cidadãos dificilmente serão levados a estas reflexões, se surgirem estas reflexões coletivas esta epidemia global terá impacto positivo para a coletividade mundial.

Nesta pandemia, percebemos a ausência generalizada da cidadania, uma palavra de grande importância, muitas vezes são utilizados constantemente, seu significado é sublime e expressivo, mas sua efetividade prática está sendo colocada ao lado, percebemos os consumidores e deixamos de lado os cidadãos. Neste momento de isolamento social, marcado pelo afastamento social, visto como os cientistas e estudiosos como a única forma de diminuir as infecções e evitar que os casos cresçam de forma incontroladas, levando um aumento dos óbitos e uma grande destruição social e econômica.

A cidadania está centrada em uma sociedade marcada por baixos graus de desigualdade social, onde os indivíduos apresentam condições de sobrevivência dignas, marcados por empregos e remunerações decentes, estes elementos estão distantes de nossa sociedade. Percebemos um país marcado pela ausência da cidadania, pessoas excluídas da sociedade de consumo, indivíduos em situação de degradação, indígenas em condições insalubres, negros e homossexuais em condição de abandono, marcados pelos mínimos princípios de civilizacionais, neste ambiente estamos vivendo um caos generalizado, neste ambiente somos mais de 60 mil brasileiros chorando pelos seus familiares e sem condições de viver seus lutos, seus sofrimentos, vazios emocionais e espirituais.

Neste ambiente percebemos que os laços de solidariedade entre os indivíduos se limitam de forma crescente, empresas fecham as suas portas sem recursos financeiros para honrar seus compromissos financeiros, famílias se encontram em situação de falência generalizada, indivíduos que sentem na pele as dores do desemprego, a falta de expectativas futuras positivas, levando desesperanças crescentes a aumento das depressões e das patologias sociais, aumentando os suicídios, as ansiedades e violências generalizadas.

Na sociedade, durante séculos, as instituições sociais e políticas construíram estruturas para garantir estabilidades e equilíbrios para seus cidadãos, criando Estados de Bem-Estar social para proteger os mais desprovidos e fragilizados, neste momento percebemos a importância da solidariedade, do amparo dos que possuem mais em detrimento daqueles que nada possuem, estes valores humanos mostram a importância daquilo que chamamos de civilização. Estes valores são fundamentais para a construção de uma sociedade de sucesso que sobrevivem ao lado do caos e da destruição, neste momento, percebemos os verdadeiros valores morais da sociedade, sem estes valores de equidade e solidariedade, a sociedade se degradará por muitos anos, gerando destruições e degradações, esta nos mostra muito claro na sociedade brasileira contemporânea.

Na pandemia, percebemos na sociedade mundial a adoção de políticas centradas nos Estados Nacionais, seu papel ficou mais imprescindível para o bem-estar social, cabendo aos governos o incremento de políticas sociais e públicas nas áreas de saúde, educação e infraestrutura, além de investimentos sociais em segurança pública e logísticas, investimentos no combate a pandemia, organização e gestão dos setores sociais e coordenação de políticas nacionais com as organizações estatais e privadas, além de órgãos e setores do terceiro setor, visando um combate eficiente e reestruturação produtiva, pensando na coordenação no período pós-pandemia, uma união entre todos os agentes dos entes federativos.

Internamente, percebemos na sociedade brasileira, grandes dificuldades dos agentes públicos e fragilidades de gestão, neste momento não temos um Ministro da Saúde a quase dois meses e, a poucos dias estamos substituindo no ministério da Educação, os dois maiores orçamentos do governo federal encontramos sem ministros titulares, com isso, percebemos como estamos num momento de caos generalizados e desorganização, com quedas consideráveis nos recursos nestas áreas centrais, levando o Tribunal de Contas da União (TCU), em relatório recente, a destacar a incompetência do governo federal na gestão da pandemia, colocando-nos nos piores posições, dentre as sociedade mundial, no combate a pandemia.

No ambiente econômico percebemos problemas terríveis, um primarismo gigante, um Ministro da Economia obcecado com privatização e aberturas econômicas, adotando políticas de redução das políticas sociais e proteção dos trabalhadores. Um conjunto de políticas liberalizantes que estão em curso desde a Reforma Trabalhista e, posteriormente, a Reforma Previdência, cujos motes eram na questão fiscal, reduzindo mais os déficits públicos e desequilíbrios do governo federal. Os discursos estão sempre centrados na redução do Estado, que advogam na redução do governo como forma de estimular o empreendedorismo nacional, sem Estado os investidores nacionais e estrangeiros serão retomados e a economia se expandisse de forma crescente, gerando novos empregos, incremento da renda, dos salários e uma melhora nas condições de vida da classe trabalhadora.

Os discursos da equipe econômica são belos e encantadores, marcados pela racionalidade e eficiência e efetividade, levando as elites econômicas nacionais e internacionais a se compraz de seus retornos, infelizmente, os resultados não se efetivam, desde a aprovação das reformas trabalhistas os empregos não se foram efetivados, os desempregados aumentaram de forma acelerada e os benefícios foram aos pequenos grupos detentores de mais recursos financeiros e especulativos, mostrando-nos que em nosso país, os ganhadores mais são aqueles que vivem de riquezas crescentes sem precisarem de passar pela produção e dos empregos das classes trabalhadores.

Neste modelo pensado pela equipe econômica não se sustenta para a economia brasileira, pela lógica do governo com menos atuação e intervenção no mercado de trabalho só gera mais empregos, investimentos e crescimento econômico, neste raciocínio sem atuação do governo as relações serão rapidamente para as relações entre capital e trabalho. Neste cenário, os investimentos na economia brasileira serão feitos pelas empresas privadas, este sim os grandes estimuladores da produção, da geração de empregos, das rendas e, com conseguinte, o agente fomentador do crescimento econômico.

A lógica do pensamento liberal é atraente, o Estado é o agente burocrático e ineficiente, sua retirada da economia será o grande agente estimulador do desenvolvimento econômico. Na história econômica brasileira este pensamento não se efetivou, sem os investidores governamentais a sociedade nunca se transformou no século passado, principalmente entre 1930/1990, quando os investimentos estatais foram fundamentais, devidos aos riscos acelerados e crescentes  dos investidores privados, além das dificuldades de maturação dos investimentos, no Brasil, os investidores privados estão sempre esperando os investidores governamentais, aguardando a diminuição dos dispêndios dos Estados, posteriormente, somados por investimentos privados nacionais e internacionais.

Sem investidores do Estados na coordenação da economia brasileira, somados a uma abertura do país, os impactos seriam generalizados, incrementando nossa desindustrialização e uma reprimarização da estrutura econômica e estrutura, consolidando o país como um país mais dependente e marcados por uma menor soberania, cujos impactos sobre o emprego seriam altamente negativos para a sociedade, aprofundando o modelo chamada de uberização, com altas cargas de trabalhos, sem proteção trabalhista e degradação social. Estamos num momento de grandes desafios enquanto civilização, instituindo nosso modelo de subcidadania, violências, pobrezas, explorações e exclusão social.

Os recursos destinados pelo governo federal foram significativos, mas cujos impactos sobre a economia foram reduzidos, com isso, percebemos que as quebradeiras sobre as empresas, principalmente pequenas e empresas, cresceram rapidamente. Embora os recursos foram canalizados pelos canais governamentais, a demora da liberação de recursos foi elevada, as garantias para os empréstimos foram reduzidas e dificultaram a chegada nas empresas, com isso, muitos empregos foram perdidos, empresas foram para a falência, reduzindo as arrecadações públicas e ampliando os déficits dos governos municipais e estaduais, incrementando os desequilíbrios dos setores públicos.

Na economia brasileira contemporânea, encontramos alguns desafios crescentes, um governo caracterizado pelo pensamento fiscalista e liberal, caracterizado pelo discurso da austeridade fiscal e pela redução dos repasses dos governos. Estamos próximos de termos o maior déficit público da nossa história econômica, estamos aproximando de um déficit de 1 trilhão de reais, um recorde histórico. Quando o assunto é o déficit público deste ano, muitos argumentos dos defensores dos pensamentos liberais estão perdendo força, ou seja, os economistas ortodoxos que muitos anos alardearam que o Estado Nacional estava quebrado e que o dinheiro tinha acabado, percebemos que a conjuntura econômica está se mostrando que existem mais espaços fiscais. O Estado não está falido como muitos querem demonstrar, cabendo aos gestores públicos utilizarem os recursos para investimentos mais planejados e bem estruturados, com melhores retornos sociais, políticos e econômicos fundamentais, numa conjuntura marcado por pandemia generalizada e desagregação social.

Nesta pandemia, percebemos uma discussão entre os economistas, uns advogam que a economia brasileira terá uma recuperação em V, ou seja, depois do fundo do poço a economia vai retomar o crescimento, com novos surtos de crescimento e investimentos produtivos estimulados pelos agentes econômicos privados. De outro lado, não estamos dando mostras de recuperação econômico, estamos próximos de um modelo L, ou seja, depois do fundo do poço vamos demorar muito para retomar o crescimento, com grande sofrimento para toda a sociedade, com levas de desempregados e subempregados, com incremento na informalidade, na queda da renda e dos salários.

Neste momento de pandemia, marcados por mais de 60 mil óbitos, os governos deveriam estar construindo uma nova estrutura nacional, repensando o planejamento e buscando a construção de um projeto de país, reestruturando os setores industriais, canalizando recursos do BNDES para uma reindustrialização, fortalecendo as estruturas econômicas, com fortes investimentos em ciência e tecnologia, estímulos crescentes para a inovação e para educação nacional, melhorando os indicadores educacionais, sem estas melhoras nas áreas do conhecimento, o futuro da sociedade brasileira vai ser mais medíocre, percebendo nossas desigualdades crescentes e uma piora dos indicadores sociais.

Vivemos um momento único para a sociedade global, neste momento de grandes instabilidades e incertezas, faz-se necessário uma atuação dos Estados Nacionais, deixando de lado críticas em erros e equívocos anteriores, sabendo que estes erros aconteceram e ainda acontecem, mas os sucessos anteriores também devem ser  destacados, mesmo assim, sua atuação devem ser necessárias e fundamentais para deixar em instante de dúvidas e medos dirimidos, auxiliando nossos futuros de um período de mais solidariedade, equilíbrio e bem-social.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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