Depois de um período de forte degradação econômica, marcado por uma recessão que gerou mais de 13 milhões de desempregados e um contingente de quase 40 milhões de pessoas na indignidade, onde além dos desempregados somamos os subempregados e os desalentados, a economia brasileira dá sinais, ainda medíocres e inconsistentes, de recuperação econômica, gerando de um lado os ventos ufanistas daqueles que querem acreditar que encontramos os caminhos concretos do crescimento e logo estaremos nos destacando no cenário internacional, rumo ao tão almejado desenvolvimento econômico.
Neste período de crise econômica, as condições sociais pioraram consideravelmente, comprometendo todas as melhoras que tivemos no período 2003/2013, quando o país conseguiu a façanha de crescer e incluir mais pessoas dentro do sistema econômico, gerando mais emprego e melhorando as perspectivas do país, dando a grupos, até então excluídos ou marginalizados, algumas perspectivas de sonhar com um futuro melhor, estes sonhos acabaram se transformando em um verdadeiro pesadelo na atualidade, comprometendo conquistas importantes e gerando fortes preocupações políticas e econômicas, que passaram a colocar em xeque a nossa frágil democracia, como estamos vendo acontecer em outros países e regiões da comunidade internacional.
A economia brasileira vivenciou um momento de grande crise econômica e constrangimentos sociais, a recessão degradou grande parte das conquistas anteriores e gerou forte descontentamento na sociedade, depois de quedas no produto interno bruto de 3,9% em 2015 e de 3,6% em 2016, a economia apresentou algum espasmo de crescimento no período 2017/2018, onde crescemos baixíssimos 1,1 e 1,2%, números estes insuficientes para melhorar as condições econômicas e abrir novas oportunidades de investimentos e geração de empregos. Na atualidade estamos percebendo alguns sinais de melhorias, embora tímidas e limitadas, estamos percebendo que o crescimento de 2020 deve chegar na casa dos 2%, número ainda baixo para resolver os graves desajustes econômicos, mas depois de anos de baixíssimo crescimento, até mesmo estes números estão sendo comemorados pela elite econômica nacional.
A dureza do período 2014/2016 pode ser compreendida como um período de grandes equívocos na condução da política econômica, marcado por desonerações exageradas, por políticas de controle de preços em setores como os combustíveis e energia elétrica, além de queda nos juros sem se atentar para os indicadores macroeconômicos, tudo isso culminou numa situação de insolvência generalizada na estrutura produtiva, descontrole nos gastos governamentais e uma grande confusão na condução na política monetária, cujas intervenções foram vistas pela sociedade como desastrosas e seus resultados extremamente negativos para a economia brasileira.
A partir de 2016, as bases da política econômica se alteraram imensamente, neste momento o governo passou a diminuir as intervenções estatais, deixou que os preços dos serviços controlados pelo Estado se acomodassem em um patamar maior, levando a inflação a um incremento que obrigou o governo federal a adoção de medidas fortes para reduzir as atividades econômicas e combatesse a inflação que crescia de forma acelerada, gerando desconfortos crescentes para o governo. A opção pela austeridade nos gastos públicos era descrita pelo governo como uma forma de reestruturar as finanças do setor público e colocar as despesas em ordem, evitando, com isso, o descontrole fiscal e financeiro que permeava a economia brasileira a algumas décadas e as autoridades via nesta oportunidade um momento exato e propício para que o ajuste fiscal, sempre postergado, fosse feito de forma rápida, generalizada e agressiva, evitando que o Estado Nacional continuasse a pagar juros elevados para financiar suas despesas e conseguisse recursos para o tão esperado e desejado investimento público.
A recuperação, ora em curso, deve ser vista com entusiasmo reduzido, isto porque estamos num momento muito particular da economia brasileira, percebemos e nos alegramos com a retomada, todos almejam que a economia volte ao tão acalentado crescimento econômico, visando algo maior e mais consistente, parecido com um sustentável desenvolvimento econômico. Nestes anos percebemos que a desindustrialização crassa a economia brasileira, os indicadores nos mostram que passamos por um processo perigoso de desindustrialização, nosso setor industrial vem perdendo participação no produto interno bruto, estes dados deveriam acender uma luz na sociedade, mostrando-a que nenhum país conseguiu se aventurar no desenvolvimento econômico sem, antes, construir uma estrutura industrial de relevo, diversificada e dotada de tecnologias, máquinas e equipamentos altamente sofisticados.
Embora tenhamos grande vocação agrícola, tema este que sempre esteve presente nos espaços de discussões política e econômica, como no grande debate materializado por dois expoentes da sociedade brasileira, Eugênio Gudin, economista liberal e defensor da vocação agrícola nacional e Roberto Simonsen, grande industrial paulista, idealizador da FIESP e defensor ardoroso do desenvolvimento de uma base industrial de destaque, que colocasse a sociedade brasileira na condição de destaque no cenário internacional. Neste momento, o Brasil começava a trilhar caminhos sólidos e consistentes para reverter sua condição de país subdesenvolvido, o debate auxiliou na construção de bases concretas para a indústria nacional e o sonho, da época, de que o apoio a indústria traria ganhos incomensuráveis para a sociedade brasileira e nos levaria ao panteão dos países desenvolvidos, deixando para trás anos de colonização e exploração.
Depois desta discussão e da vitória dos industrializantes, a economia começou a galgar espaços de industrialização, marcadas por um projeto fortemente intervencionista, centrado no Estado nacional, nas políticas industriais ativas e nacionalistas, o país conseguiu construir uma base industrial de destaque, nos destacando entre as maiores economias do mundo e nos colocando como o país que mais cresceu no período 1900/1980, onde saímos de uma condição de fragilização econômica, centrada no meio rural e fortemente dependente do trabalho desqualificado, para uma economia industrializada, numa sociedade urbana e marcada por trabalhadores em crescente qualificação, com isso, éramos descritos como um país em ascensão no cenário internacional e com potencial econômico que gerava grandes ciúmes em países desenvolvidos e naqueles que caminhavam na estrada do desenvolvimento.
Depois dos anos 1980, o Brasil perdeu o rumo do crescimento econômico, nossos indicadores pioraram de forma acelerada, nossa indústria perdeu força e nossas questões sociais se agravaram fortemente, entramos num período de reestruturação e a agenda econômica se tornou a mais relevante para definir os rumos futuros do país, para voltar a crescer e fazer com que os ventos do desenvolvimento voltassem, eram necessários que debelássemos a inflação que crescia de forma avassaladora e controlássemos o endividamento externo, cujo potencial de degradação era bastante acelerado. Os anos 90 foram responsáveis pela estabilização econômica, políticas de estabilização foram implementadas para que nossos indicadores voltassem a valores aceitáveis na economia internacional, estes indicadores demoraram a cair para números civilizados, na atualidade podemos considerá-los mais parecido com os que encontramos internacionalmente, hoje a inflação está na casa dos 4% ao ano, uma grande conquista para um país que, em épocas anteriores, registrou números próximos de 80% ano mês ou mais de 2000% ao ano.
A recuperação econômica, ora em curso, nos parece consistente, embora devemos destacar ainda, que além da desindustrialização, estamos bastante preocupados com a qualidade da economia que vai emergir desta crise, estamos vendo claramente uma forte degradação do emprego, estamos gerando novas ocupações em situação bastante precária, com proteção social reduzida e com grande parte da força de trabalhando na informalidade, culminando em empregos piores e grande degradação para a classe trabalhadora.
Estamos criando empregos em setores com baixa produtividade, tais como a construção civil, serviços não sofisticados em geral (lojas, restaurantes, cabeleireiros, serviços médicos, call centers, telecom, etc..), além de serviços de transportes (motoristas de ônibus, caminhões e taxis), entre outros. A produtividade destes empregos gerados na economia brasileira é bastante reduzida e muito parecida com estes empregos em países como os Estados Unidos, Europa e Ásia. Nas comparações internacionais, percebemos que o grande diferencial de produtividade entre as economias está justamente no setor de bens transacionáveis, especialmente nos empregos industriais, justamente aqueles empregos que não estamos gerando na atualidade, longe dos chamados serviços não sofisticados.
Os empregos gerados devem ser descritos como de baixa complexidade econômica, neles estamos pagando salários reduzidos e deixando de incorporar novas tecnologias, de agregar valores aos produtos vendidos e, quando necessitamos dos produtos de alto valor agregado, temos que recorrer aos grandes conglomerados globais, sediados em países que conseguiram desenvolver um parque industrial de altíssima complexidade econômica, com isso, nos tornamos importadores de tecnologias, máquinas, equipamentos e pesquisas científicas e nos especializamos em exportar produtos agrícolas, as chamadas commodities. Estamos retornando ao debate descrito acima que, embora bastante relevante, nos mostra um final diferente dos anos 1930/1940, neste novo debate da contemporaneidade, os vencedores tendem a ser os defensores da especialização nos produtos primários, como sempre desejaram os economistas liberais.
O setor agrícola brasileiro passa por um amplo processo de desenvolvimento, a agricultura nacional está ganhando espaço no mercado global, trazendo ganhos financeiros consideráveis, o grande problema é que setor agrícola tradable, que já foi intensivo em mão de obra, encontra-se inteiramente mecanizado, diante disso, percebemos que o que sobra para a formação de capital fixo são migalhas. Embora devemos ter orgulho do setor agrícola nacional, devemos compreender, que nenhum país conseguiu alçar espaços consistentes de desenvolvimento econômico dependendo do setor agrícola, ainda mais quando percebemos que as grandes tecnologias utilizadas na agricultura nacional são importadas e são produzidas por grandes conglomerados internacionais, sediados em países desenvolvidos que possuem um setor industrial sólido e desenvolvido, baseado em altos investimentos tecnológicos, em máquinas sofisticadas e em equipamentos de grande complexidade, exigindo mão de obra altamente qualificada e dotada de uma educação de destaque internacional, que os colocam nas melhores posições nos principais indicadores de educação da sociedade internacional.
Não existe atalho ao desenvolvimento econômico das nações, todos que conseguiram construir uma sociedade mais desenvolvida, se utilizaram do Estado como agente planejador, investidor e regulador, além de um mercado centrado na concorrência e em instituições sólidas e consistentes, onde a educação sempre recebeu os mais sólidos investimentos, onde as leis eram sempre claras e precisas, marcados por um ambiente de estabilidade política, onde as decisões se davam de forma ágil e rápidas e a interação entre Estado e Mercado visavam o bem comum da coletividade, neste cenário todos os agentes econômicos e sociais sabiam exatamente sua importância dentro da construção de um ambiente propício ao investimento produtivo e a uma melhora das condições sociais.
Em pleno século XXI, o país precisa rever questões centrais em sua inserção na economia internacional, sem indústria relevante e com trabalho precário, baseado em aplicativos, com baixos salários e condições degradantes, estamos nos condenando a uma posição de indignidade e de subalternidade aos grandes conglomerados internacionais, estes sim os verdadeiros donos do mundo, controladores dos recursos financeiros, das grandes mídias, dos grandes bancos, dos complexos industriais e das mentes de todos os indivíduos, o futuro que se desenha é preocupante e assustador, com isso, os movimentos sociais e as reivindicações dos trabalhadores, que crescem em todas as regiões do mundo, desde os países mais miseráveis até os desenvolvidos tendem a aumentar e a se intensificar, pois estes movimentos retratam as angústias das pessoas e os medos mais íntimos e secretos que todos carregamos dentro de nossas intimidades.