A cegueira espiritual do homem contemporâneo

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             Os indivíduos vivem em constantes conflitos na sociedade contemporânea, estes conflitos são das mais variadas origens, de um lado percebemos desajustes internos, medos, traumas e desesperanças e, de outro, os desajustes externos, desemprego e pouca empregabilidade, relacionamentos fracassados, religiões materializadas e violências generalizadas, neste momento os seres humanos se encontram cegos, a cegueira humana impede e dificulta que os indivíduos enxerguem melhor as verdades e os valores mais sólidos da vida.

Numa sociedade que premia e valoriza os valores materiais, os indivíduos buscam de todas as formas aumentar seus recursos financeiros, se sujeitando aos mais variados trabalhos e atividades cotidianas, deixam sua ética de lado e adotam valores flexíveis, aceitando tarefas pouco éticas desde que a remuneração seja atraente e lhes garanta ganhos consideráveis, o poder material está criando uma nova sociedade, nesta os indivíduos poucos se preocupam com os valores espirituais e, sem eles, acabam vitimado pelas dores mais agressivas da alma humana, a depressão, a ansiedade, os transtornos mentais e, no limite, o suicídio, que na atualidade aumenta de forma acelerada, gerando rastros de rancores e ressentimentos.

A Doutrina Espírita, como a Terceira Revelação, vem com o intuito de nos mostrar a amplitude da vida e de nossas relações sociais e espirituais, segundo esta doutrina iluminadora, todos vivemos juntos e compartilhamos os mesmos locais, teorias que a física quântica vem nos mostrando com detalhes maiores. Nesta convivência, encontramos encarnados e desencarnados vivendo e sobrevivendo lado a lado, neste conviver passamos a compreender as realidades mais significativas da vida, que nos auxiliam na compreensão do mundo, abrindo nossos olhos e nos angariando instrumentos teóricos para nosso crescimento espiritual cotidiano.

A Doutrina Espírita acabou com a morte, um dos maiores medos e tabus da humanidade, mostrando-nos que a separação é temporária e bastante subjetiva, afinal nos encontramos próximos uns dos outros e nos reencontraremos lado a lado em algum momento de nossa caminhada, tomara que este encontro seja num local iluminado de paz e de progresso, onde possamos receber energias e sentimentos melhores, mais saudáveis e consistentes, onde possamos compreender melhor nossas potencialidades e nossas limitações, trabalhando estes últimos no intuito de angariar um crescimento mais sólido, auxiliando nosso progresso espiritual.

O grande escritor português José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, tem uma frase bastante interessante e ilustrativa, segundo o escritor português:  “A pior cegueira é a mental, que faz que não reconheçamos o que temos a frente”. A frase nos mostra claramente que somos cegos para muitas realidades da vida, mas quando nos cegamos mentalmente para os novos conhecimentos e para as novas descobertas da ciência, deixamos de compreender melhor os significados da vida, muitas vezes perpetuando nossos desequilíbrios. Muitos são os motivos que nos levam a manter nossa mente fechada, dentre eles podemos destacar o comodismo, a ignorância e a falta de conhecimentos, os medos de descobertas, dentre outros, variando de indivíduo para indivíduo.

Quantas pessoas vivem em uma grande redoma, onde se escondem de outras pessoas, se fecham e temem relacionamentos afetivos e sentimentais, se tornando indivíduos frios e calculistas e passam a olhar os indivíduos como verdadeiros adversários ou inimigos, se escondendo e se limitando a relacionamentos superficiais e transitórios. Neste cenário, estes indivíduos se cegam com relação as realidades da vida, vivem em um verdadeiro EU S/A, mergulhando em uma cegueira que os impossibilita de compreender suas dores mais íntimas, levando para outras experiências físicas, desequilíbrios maiores, medos e desesperanças crescentes.

Na Bíblia encontramos algumas histórias referentes a cegueira, num dos episódios conhecidos como o cego de Jericó e outro descrito como o cego de nascença, dois momentos que Jesus nos mostra sua superioridade moral, seus valores mais caros e sua importância para a transformação que todos os indivíduos, nos dois episódios as falas do Mestre de Nazaré estimulam os indivíduos a compreenderem seus respectivos potenciais, afinal a cura e a obstinação estavam nas mãos de cada um, desde que compreendessem suas potencialidades.

Somos cegos espirituais, algumas pessoas enxergam muitas das realidades da vida material, conhecem várias culturas e acumularam grande conhecimento, mas, ao mesmo tempo, desconhecem valores e sentimentos dos mais intensos, desconhecem sua realidade espiritual, se debruçam no trabalho material e percebem nele a satisfação de suas necessidades, o responsável por seus recursos monetários e desconhecem os valores do espírito. Mergulham no trabalho material, ficam horas e mais horas em seu emprego, deixando de lado corações sensíveis, postergando a compreensão dos mais consistentes valores da vida, a nossa miséria espiritual incrementa e eterniza sofrimentos que trazemos de outras oportunidades e vivências.

No livro Memórias de um suicida, de Yvonne do Amaral Pereira, conhecemos a história de Camilo Cândido Botelho, cuja cegueira material, originada de um tresloucado suicídio o auxiliou na descoberta de uma outra realidade desconhecida, a cegueira física lhe abriu caminho para compreender realidades que até então eram por eles desconhecidas. A cegueira espiritual, como nos mostra a obra, era intensa em todos aqueles que, como Camilo, eram conhecidos como intelectuais e conhecedores de ciência e da racionalidade, mas na verdade, eram cegos sobre as mais importantes da realidade, a realidade da vida.

A cegueira física é uma das maiores dificuldades e desafios pelas quais um indivíduo pode passar, sua incapacidade de enxergar pelas vias físicas o leva a desenvolver outras habilidades para construir sua sobrevivência cotidiana, uma limitação o leva a evoluir espiritualmente, contribuindo imensamente para o desenvolvimento do espírito, dando-lhe suportes muitas vezes inimagináveis para pessoas que apresentam seu aparelho visual considerado normal, nestes casos percebemos a superação do indivíduo, seu crescimento e seu desenvolvimento.

Como nos diz Divaldo Pereira Franco no livro Ilumina-te, ditado pelo espírito Joanna de Angelis, “a cegueira física é uma dificuldade pessoal dentro do esquema da Lei de Causa e Efeito, constituindo um drama interior doloroso, facultando a alguns Espíritos resignados a conquista da iluminação pessoal, não se lhe tornando, de forma alguma, razão de desgraça ou de infelicidade. Antes, pelo contrário, não são poucos aqueles que conseguem superá-la, trabalhando eficazmente em benefício próprio graças aos inestimáveis serviços que realiza”. Na obra, o autor destaca a figura extraordinária da americana Hellen Keller, que se tornou uma verdadeira missionária do bem, da sabedoria e do amor, embora os limites da visão, da audição e da fala.

Muitos indivíduos considerados normais, detentoras de uma ampla capacidade de enxergar os movimentos humanos, as cores e os objetos, podem ser descritos como cegos de realidades imateriais. Muitas destas pessoas vivem a reclamar, invejando a vida de outras pessoas, lastimando por dificuldades passageiras e colocando a culpa de suas desditas em terceiros, estes sim são os verdadeiros culpados pelos seus desequilíbrios e por suas quedas, com estas atitudes estão se condenando a viver uma vida medíocre, sem progresso intelectual, elevação espiritual e com graves sequelas éticas e morais.

A Doutrina dos Espíritos insiste em mostrar para os indivíduos uma realidade diferente, nos mostra a reencarnação como instrumento para compreender a justiça de Deus, nos mostra a inexistência da morte, a pluralidade das existências e nos ensina que não existe vítima, somos todos culpados e muito culpados, nestas vivências nos deparamos com crimes e violências, matamos, roubamos e fomos desonestos, apanhamos e revidamos, xingamos e fomos xingados, agredimos e fomos asperamente agredidos e ainda, muitas vezes, nos colocamos como vítimas e nos acreditamos verdadeiros. Muitas pessoas nos indagam sobre o porque das dificuldades, perguntam quais os motivos das aflições e querem respostas imediatas, acreditando que estes questionamentos devem ser respondidos por outras pessoas e se esquecem que as vivências são nossas, as dores são nossas, o passado é uma herança individual e as respostas para nossas aflições estão no nosso íntimo e para encontrar estas respostas devemos mergulhar em nossos sentimentos e desejos e, com isso, descobriremos nossas desditas. Neste mergulho interior, devemos destacar, que vamos descobrir coisas ainda escondidas e vamos nos deparar com sequelas de nossos gestos, de nossos atos e de nossas atitudes, se somos difíceis de compreensão na atualidade, imagina como éramos a alguns séculos anteriormente.

A cegueira espiritual nos leva a deixar de lado o enxergar com o coração, visualizamos apenas o aparente, o transitório, a beleza externa e superficial, adoramos os prazeres do sexo e mergulhamos numa busca incansável pelo corpo mais sarado, pelo abdômen mais sequinho, mostramos nossa beleza física e deixamos que ele se torne o cartão de visita de nossa realidade existencial, acreditamos nos poderes da matéria, vivemos na busca por este prazer e acreditamos que, ao morrer, ficaremos esperando um momento onde seremos julgados pelos nossos atos e realizações, para que consigamos a salvação nutrimos alguma compaixão com nossos semelhantes, fazemos alguma caridade e doamos um pouco do que ganhamos para os mais necessitados, neste instante acreditamos que seremos salvos e vamos acordar num local parecido com um paraíso, ledo engano.

Como nos mostra a vasta literatura espírita, a morte não existe, estamos com uma veste física e quando nos despedirmos do mundo material, passamos a usar outra veste material, quando desencarnamos e acordamos passamos pelo primeiro julgamento, onde vamos acordar? A resposta para esta indagação nos mostrará o que somos na intimidade, o que cultivamos no interior, se riquezas sólidas e verdadeiras que as traçam não comem ou se valores materiais que se esvaem com o transitar da vida material para a do espírito. A coleção A vida no mundo espiritual, composta de treze obras, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditada pelo espírito de André Luiz, nos leva a um mergulho no mundo dos espíritos, nesta coleção os autores nos mostram realidades da existência humana, falando sobre obsessões, reencarnações, medos, traumas e alegrias, o conhecimento presente na literatura espírita é uma grande benção de Deus para que consigamos deixar nossa ignorância de lado e passemos a cultivar pensamentos, hábitos e vontades mais consistentes.

Encontramos muitos indivíduos na atualidade clamando por provas quando o assunto é a realidade espiritual da vida, são cegos espirituais que sentem prazer em negar tudo quanto não lhes convém aceitar, porquê, se assim procedessem, teriam que alterar completamente o comportamento moral, adotando novos métodos existenciais de comportamentos. Estão sempre em busca de provas, como se todas as demonstrações dos séculos, das pesquisas honestas de mulheres e homens de alta importância nas várias ciências, examinando cuidadosamente os fenômenos mediúnicos, de nada valessem.

Neste cenário encontramos muitos cegos guiando outros cegos, muitos se dizendo verdadeiros profetas e angariando um séquito de seguidores, antes na casa das dezenas, quem sabe centenas, hoje com as redes sociais encontramos milhões de seguidores, pessoas que pouco enxergam se colocam como os condutores, o resultado desta atrocidade é uma grande catástrofe que estamos mergulhados, precisam enxergar as realidades da vida para depois começarmos o auxilio para aqueles que não conseguem visualizar, mas para que consigamos enxergar precisamos ter a coragem de seguir Jesus e ter a humildade de compreender que éramos cegos e agora vemos…

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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