Um balanço da economia brasileira nos tempos de Bolsonaro

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Depois de quase 11 meses de governo Jair Messias Bolsonaro, muitos analistas se esforçam para fazer um balanço dos sucessos e dos fracassos deste governo na seara econômica. De um lado alguns comentaristas destacam as boas medidas econômicas, exaltando o governo e tentando mostrar que o país encontrou seu caminho e estamos iniciando um ciclo de forte crescimento econômico, para este grupo estamos iniciando num mini milagre na economia brasileira. De outro lado encontramos analistas detonando as medidas de cunho econômico, destacando a visão liberal deste governo e suas políticas a favor do mercado e contra a classe trabalhadora, num verdadeiro antagonismo cuja verdade nem sempre é apregoada como deveria, as crenças ideológicas, as vontades e os desejos se sobrepõem aos fatos na maioria das vezes.

Neste debate encontramos tantas rivalidades e intolerâncias que, muitas vezes, evitamos de participar mais ativamente em decorrência do fanatismo e da agressividade dos contendores, onde devemos destacar que esta intolerância não se restringe a um dos lados, ambos estão eivados de sentimentos de agressividade e buscam impor suas ideias e pensamentos, muitas vezes se utilizando de notícias falsas, as chamadas fake News, ou denegrindo aqueles que defendem teses e pensamentos diferentes, gerando confrontos que, em muitos momentos, descambam para violência física e agressividade verbal.

Analisando as ideias econômicos deste governo, podemos salientar que muitas delas são importantes e trarão benefícios para a sociedade, a desburocratização e a redução do papel do Estado na economia olham para o norte correto, estas medidas tendem a atacar alguns feudos que sempre se beneficiaram com a ineficiência do setor público, gerando dificuldades para vender facilidade, alimentando a corrupção e abrindo espaço para seus ganhos imediatos e elevados, extraindo da sociedade seus vultosos patrimônios financeiros e monetários.

O Estado tem um papel importante e fundamental na economia brasileira, muitas das conquistas só foram possíveis graças a atuação direta no planejamento, na regulação e nos investimentos em infraestrutura e no fomento industrial. Neste período nos tornamos uma das maiores economias do mundo, mas infelizmente nos fechamos e passamos a gerar graves constrangimentos internos, com benefícios a grupos organizados e pouca efetividade em políticas de inclusão, este Estado se tornou obeso, caro e ineficiente, mantê-lo assim importa pouco aos grupos mais fragilizados da sociedade.

Neste período algumas medidas foram propostas pelo atual governo, onde destacamos um amplo programa de desburocratização, onde foram reduzidos muitos processos e informatizados outros, dando maior celeridade as demandas da população e incrementando a produtividade do setor público e da economia de uma forma geral. As políticas desburocratizantes sempre estiveram na pauta dos governos anteriores, todos sabemos da necessidade desta desburocratização, a grande dificuldade da implementação destas medidas é a força política dos governos para aprovar estas propostas, sabendo que grupos que mais ganham são muito organizados e muito bem estruturados politicamente, num momento de perigo vão se unir para impugnar estas mudanças, pois sabem que serão fortemente afetados pelas medidas, como os funcionários públicos, os donos de cartórios, os advogados e escritórios que prestam estes tipos de serviços e ganham muito com esta burocracia exagerada que extrai recursos da população que busca estes serviços.

Nas discussões sobre desburocratização, que acreditamos ser bastante necessária, encontramos um viés muito voltado para os setores empresariais, muito para o mundo dos negócios e pouco para os trabalhadores, neste caso, percebemos um desequilíbrio em prol das forças do mercado que podem cobrar seu preço num dos momentos futuros. Os empresários acreditam que a liberalização beneficia os trabalhadores, que terão mais empregos, isto nem sempre acontecem e se acontecer, o que percebemos, é a criação de empregos degradados, com cargas de trabalho elevadas e ganhos reduzidos. Na medida provisória conhecida como Liberdade Econômica encontramos propostas de trabalho nos finais de semana e nos feriados, reduzindo com isso, o poder dos acordos coletivos e dos sindicatos, fragilizando os trabalhadores e aumentando a precarização no mercado de trabalho. Recentemente alguns tribunais chancelaram estas medidas criando uma jurisprudência perigosa para a sociedade. Reclamamos da fragilidade e da desagregação das famílias, mas adotamos e estimulamos a implementação de medidas que aumentam a carga horária de trabalho, degrada as condições dos trabalhadores e depois nos perguntamos: o que está acontecendo com as famílias brasileiras? Na verdade, foram degradadas pelas forças de um capitalismo selvagem, que mata o trabalhador e degrada seus rendimentos, mas ao mesmo tempo consegue produzir mais a preços reduzidos, gerando um desequilíbrio estrutural que já nos foi contado no século XIX, todos sabemos dele, mas continuamos a ignorar de forma veemente.

O viés pró mercado deste governo pode agradar a muitos empresários e banqueiros que querem extrair lucros e ganhos ascendentes na sociedade, mas estas medidas desequilibram as forças de poder e criam condições para problemas futuros, como estamos encontrando em outros locais da sociedade internacional, um exemplo mais próximo está em nosso vizinho, o Chile, mas outros países apresentam situação parecida, como Bolívia, Hong Kong, dentre outros. No momento em que escrevemos este texto, encontramos nos jornais informações de que as manifestações chegaram a Colômbia, onde a população se anima e sai as ruas com reivindicações variadas. O Chile sempre foi visto por muitos como um exemplo de políticas liberais, marcadas pela meritocracia e pelo reconhecimento dos esforços individuais, neste país encontramos todos os serviços públicos privatizados e transferidos para a iniciativa privada, famílias endividadas e jovens sem perspectivas, consequência de uma política que olha apenas para a oferta e deixa de lado a demanda, o poder aquisitivo e as perspectivas de trabalho dignos e decentes para seus trabalhadores, vistos como consumidores e não mais como cidadãos.

Uma proposta que surgiu recentemente e gerou grandes críticas foi a Medida Provisória do Contrato Verde e Amarelo, conhecida como uma mini reforma Trabalhista, nela o governo reduz a tributação para as empresas que contratarem jovens de 18 a 29 anos em primeiro emprego. A queda na arrecadação será bancada pela cobrança da contribuição previdenciária de quem recebe seguro desemprego, esta cobrança gerou graves constrangimentos para o governo, que sofreu duras críticas da oposição e dos especialistas.

As privatizações se transformaram em uma grande celeuma, sobre este tema encontramos divergências imensas, de um lado o governo propõe uma desestatização geral de empresas públicas, onde foram listadas mais de 600 empresas estatais ou com participação do Estado. Pelas propagandas do governo, a venda destas empresas liberaria bilhões de reais para a redução da dívida pública, com isso, as taxas de juros se reduziriam de forma mais consistente e sobrariam recursos para os investimentos em melhorias na infraestrutura física e em questões sociais, tais como educação, saúde e segurança pública, setores muito mal avaliados pelos governos brasileiros de uma forma geral. De outro lado encontramos grupos políticos que se opõem muito fortemente as privatizações, acreditam que muitas destas empresas são estratégicas para o país e sua venda só interessaria para os donos do capital e para os grandes oligopólios internacionais que, quando adquirirem estas empresas, terão papel significativo nas decisões estratégicas do país, que perderá a autonomia e a soberania sobre seu sistema produtivo.

Nesta discussão, percebemos um forte teor ideológico, vender empresas estatais e abrir espaço para o capital privado deve ser visto como uma estratégia de fortalecimento do capitalismo nacional, mas faz-se importante entendermos quais são as empresas que serão repassadas aos grupos privados e quanto será arrecadado com esta alienação? Outro ponto que deve ser pensado é como o Estado Nacional conseguirá regular estes setores que forem repassados a iniciativa privada, mantendo seu poder e ainda garantindo espaços de lucratividade e o interesse dos conglomerados estrangeiros.

Se temos mais de 600 empresas estatais ou participação em empresas estatais, precisamos analisar os ganhos que estas empresas estão trazendo ao setor público, será que a manutenção destes conglomerados está gerando os retornos necessários que a sociedade almeja? Para responder estas indagações, faz-se necessário aumentar as pesquisas científicas, feitas pelos institutos vinculados aos governos e órgãos privados e analisar os retornos que estas empresas estão trazendo para a coletividade. Se o saldo for positivo estas empresas devem ser fortalecidas e estruturadas para que se reduzam as influências políticas perniciosas que tantos constrangimentos trouxeram ao capitalismo nacional. Nesta discussão, os debates que estão sendo levantados pelo governo são saudáveis, pena que os grupos estão indo para o debate defendendo ideias e teorias antigas e ultrapassadas, as privatizações devem acontecer e não devem mais ser postergadas mas cabe a sociedade encontrar um caminho mais consistente para que consigamos encontrar os horizontes do progresso e do desenvolvimento inclusive que beneficie a todos e não um crescimento que gerava benesses para poucos grupos sociais organizados e estruturados.

O governo está propondo medidas liberais, muitas delas fazem sentido e visam dar uma maior eficiência para a estrutura produtiva, estas propostas movimentarão muito a sociedade e trarão impactos gigantescos, mas devem ser debatidos de forma democrática e inclusiva. O apoio incondicional as medidas privatizantes tiram o espaço para as discussões críticas e intensificam a intolerância, podendo levar os debates a confrontos mais do que verbais, podendo gerar conflitos físicos e intransigências. O modelo que embalou a sociedade brasileira nos últimos séculos está sendo reformado de uma forma bastante estrutural, de um modelo centrado nos recursos governamentais e na solidariedade entre classes e grupos sociais (embora controversos), está sendo todo transformado e o que está sendo colocado no lugar apresenta muitos pontos críticos que podem gerar graves desequilíbrios na sociedade brasileira, deixando grupos mais expostos e fragilizados socialmente.

Reduzir o tamanho e o papel do Estado na sociedade é algo difícil na sociedade brasileira, mas estamos num momento único para fazer esta redução, a crise econômica e as deficiências fiscais estão levando os governos a encampar propostas mais ousadas, muitas são necessários mas devemos ficar atentos, porque até o momento as medidas impactam muito mais rapidamente sobre os grupos mais vulneráveis da sociedade e, como estamos vendo, nada de medidas mais agressivas que impactem diretamente sobre os grandes grupos econômicos. A reforma mais importante aventada pelo governo é a reforma tributária, reverter o modelo injusto e concentrador de benesses para os grupos mais abastados deve ser um dos nortes mais importantes a serem adotados pelos governos, sem uma reforma tributária que deixe de lado os indicadores degradantes que sempre nos caracterizou, dificilmente vamos conseguir superar nosso subdesenvolvimento.

Com o pacote trazido a público recentemente, o governo traz uma discussão nova e bastante polêmica, envolvendo o chamado pacto federativo, com a proposta de acabar com cidades menores de cinco mil habitantes que geram menos de 10% dos recursos utilizados para cumprir com suas despesas. Por esta proposta, o governo angariou muitos desafetos, prefeitos e vereadores destes municípios, além de funcionários de órgãos públicos que viram nesta medida uma ameaça a seus empregos e a seus rendimentos futuros. No Brasil temos mais de 5,5 mil municípios, destes mais de 1,2 mil se encaixam na situação citada acima, com isso, correm sérios riscos de perder o status de municípios. Embora a medida possa ser vista como polêmica por muitos cidadãos, este assunto deve ser discutido mais intimamente pela sociedade, muitas destas cidades não conseguem sobreviver sem a ajuda dos governos estadual e federal, com isso, muitas delas deveriam voltar a condição de distritos e seus recursos deveriam ser investidos na melhora dos serviços públicos, na desburocratização e nas questões sociais, como educação, saúde e segurança pública.

A aprovação da reforma da previdência deve ser vista como algo positivo, a sociedade e os agentes econômicos comemoraram de forma efusiva, se adentrarmos numa discussão mais efetiva sobre o tema, devemos destacar que sua aprovação está mais relacionada aos esforços do poder legislativo do que ao empenho do Executivo, que ainda permanece muito frágil na composição e na articulação política, tendo grandes dificuldades para aprovar seus projetos, o que pode comprometer a governabilidade no médio prazo e enviar aos agentes econômicos uma péssima imagem do governo, comprometendo projetos importantes num futuro próximo. Os avanços desta reforma mostraram para a sociedade que estamos em condições de fazer uma discussão mais consistente sobre temas econômicos complexos, deixando de lado medidas salvacionistas e colocando discussões sérias na mesa de debate, convocando os grupos envolvidos e construindo consensos para a melhora dos indicadores econômicos.

Os grupos de esquerda atuam como atuaram no governo Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), sendo implacáveis com as propostas trazidas pelo governante, se fossem propostas pelo presidente eram medidas neoliberais e que serviam apenas para beneficiar os banqueiros e os donos do dinheiro, prejudicando os trabalhadores e as classes menos abastadas. Mas para a alegria do governo Bolsonaro e seus apoiadores, neste momento as esquerdas não possuem o mesmo poder que já tiveram nos anos 90, com isso, o governo se mostra muito pouco eficiente e consegue bater cabeça todos os dias, sem articulação política e marcado por falas preconceituosas, postagens agressivas e comentários chulos e degradantes. As medidas liberais estão sendo propostas e sendo levadas a frente, alegrando os donos do dinheiro e gerando perspectivas incertas no futuro, neste momento, percebemos que a elite econômica brasileira deixou de lado valores mais civilizatórios para apoiar grupos políticos de direita que conseguissem entregar as reformas liberalizantes em curso. Na verdade, como dizia Nicolau Maquiavel, os fins justificam os meios.

Sem oposição organizada, os governistas conseguem, eles mesmos, dificultar a condução do governo, no meio ambiente encontramos medidas que aumentaram a devastação, os órgãos de pesquisas foram desacreditados pelo governo, as organizações não governamentais (ONGs) foram colocadas como responsáveis pelos nossos equívocos anteriores e vistas como inimigas e aproveitadoras. Com isso, mostramos ao mundo que não temos projeto algum para o meio ambiente, assim como para outras áreas, tais como a educação e os direitos humanos, estamos realmente numa nau sem rumo governada por lunáticos que se dizem conservadores nos costumes e liberais na economia.

Na Educação, percebemos um movimento preocupante, propostas oriundas do Ministério da Educação propõem que as faculdades privadas, elas mesmas se regulamentem, ou seja, o MEC deixa que as próprias faculdades criem instrumentos de regulação. Este movimento nos preocupa, se nossos indicadores estão defasados e as desigualdades crescem de forma acelerada, imaginem se, a partir de agora, as próprias instituições educacionais forem as responsáveis pelas regras e pelas regulações de seus mercados?

Um balanço do governo Bolsonaro me parece muito prematuro, muitas de suas políticas econômicas foram implementadas no governo anterior, de Michel Temer, e estão trazendo frutos no momento atual, dentre as propostas em curso, acreditamos que muitas delas são interessantes e só seriam implementadas por governos com perfis mais liberais, coisa não imaginada nos governos petistas, como as privatizações, concessões, redução do papel do Estado e desregulamentações. Neste balanço, o que mais me preocupa é que, quando os investidores apoiam e aplaudem com veemência, os resultados não demoram muito a chegar, num boom inicial de crescimento seguido por momentos de estagnação e crise econômica, onde reforçamos nossos mais tenebrosos estigmas de colônia dependente e periférica, que Deus tenha piedade deste país.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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