O desemprego na sociedade contemporânea está sendo visto como um dos maiores males da sociedade, um enorme contingente de pessoas está desempregadas, subempregadas e desalentadas, num mundo que exibe um avanço tecnológico crescente, cujas máquinas, robôs e inteligência artificial fascina a coletividade, ao mesmo tempo gera grande apreensão, medos e desesperanças, estamos num mundo assustador, desafiador e ao mesmo tempo impressionante e surpreendente, onde o progresso científico e tecnológico caminha lado a lado com os desequilíbrios emocionais, afetivos e espirituais.
Vivemos em uma sociedade que passa por transformações em todas as áreas e setores, com impactos sobre o emprego e sobre a empregabilidade, exigindo esforços dos mais intensos para um posicionamento profissional, investindo na carreira, buscando cursos e novas qualificações e capacitações, sem estas atualizações os trabalhadores tendem a perder espaço no mercado de trabalho para outros trabalhadores e para as novas tecnologias, inclusive para robôs e a inteligência artificial que crescem e ganham novos espaços na sociedade.
O mundo do trabalho se transforma com rapidez, as novas técnicas de gestão aumentam a produtividade e reduzem os custos produtivos, as tecnologias alteram processos e economizam mão de obra, os benefícios sociais inseridos nos contratos de trabalho estão sendo reduzidos pelos governos, com a previsão de que neste mundo contemporâneo o trabalhador deve escolher entre ter benefícios trabalhistas e não ter emprego ou conseguir uma colocação no mercado de trabalho com poucos benefícios trabalhistas, uma verdadeira revolução no mundo do trabalho está em curso na sociedade.
Os modelos tradicionais de trabalhos estão sendo alterados, novos contratos estão surgindo, nestas mudanças surgem modalidades específicas de trabalhadores que trabalham em casa, junto aos seus familiares, fazendo seus próprios horários e seguindo as metas estabelecidas pela empresa. Outros empregos estão sendo destruídos em setores onde as atividades são bastante repetitivas, marcadas por rotinas estressantes e cansativas, estes trabalhadores devem se recapacitar para conseguir uma nova oportunidade nos mercados, testando a resiliência, a paciência e a perseverança.
Muitos indivíduos questionam quais os setores que absorverão esta massa de trabalhadores desempregados nos próximos anos ou nas próximas décadas, responder esta questão é algo bastante difícil, novos negócios tendem a se estabelecer e negócios antigos tendem a ser desfeitos, previsões variadas são colocadas no mercado todos os dias, os mais entusiasmados estão sempre acreditando que o mercado vai criar novos empregos e construir novas oportunidades para os desempregados. Os mais pessimistas acreditam que as dificuldades futuras tendem a aumentar e o mundo do emprego reduzirá exponencialmente as vagas, deixando uma grande quantidade de desempregados ou subempregados.
Se observarmos as revoluções anteriores, como argumentam os mais otimistas, muitos empregos e setores foram dizimados pelas tecnologias, mas outros setores surgiram, ganharam relevância e passaram a ofertar novos empregos, foram construídas instituições para capacitar e qualificar a força de trabalho, reduzindo o número de desempregados e criando uma classe de trabalhadores forte e consistente, que posteriormente se organizou em sindicatos e conseguiu angariar benefícios e melhorias profissionais. Com este argumento, defendem a tese de que, grande parte dos empregos que absorverão os trabalhadores no final da próxima década ainda não foram criados, com isso, estamos num momento de transição, neste momento a instabilidade e as incertezas são maiores e, muito brevemente, vamos conseguir enxergar melhor o novo modelo econômico que ora domina a sociedade.
Outros teóricos menos otimistas observam a situação sob uma outra lógica, segundo estes, as transformações atuais são bastante diferentes das anteriores, as tecnologias contemporâneas estão afetando fortemente as chamadas classes médias, ao contrário das anteriores que afetavam diretamente os trabalhadores braçais, estas novas tecnologias, como inteligência artificial, internet da coisas, robótica, impressão 3D, dentre outras, estão afetando os trabalhadores com maior qualificação, exigindo destes uma reinvenção, uma flexibilidade e uma agilidade desconhecida até então. Como esta classe média sempre foi descrita como um referencial na coletividade, marcada por trabalhadores mais qualificados, profissionais liberais e técnicos qualificados, estes grupos utilizam seu desespero para reverberar suas críticas e desesperanças numa sociedade que os desemprega, reduz seus direitos e os coloca na informalidade.
As novas tecnologias empregadas no processo produtivo estão deixando os trabalhadores mais livres das amarras da gestão tradicional, mas por outro lado estão criando profissionais mais inseguros e frágeis do ponto de vista emocional, financeiro e físico. Como nos mostra o professor Jeffrey Pfeffer, autor da obra Morrendo por um salário, da Universidade de Stanford, “No Vale do Silício é possível ver engenheiros de 30 anos de idade com corpos de 50 anos”. Neste novo modelo de trabalho, os profissionais estão esgotados, depressivos e ansiosos em excesso, acumulando doenças laborais e transtornos emocionais e espirituais intensos, transformando o trabalho e a vida profissional uma grande fonte de preocupação.
O medo de perder o emprego, os contratos temporários, a falta de seguro saúde e a instabilidade financeira estão elevando o estresse e nos conduzindo para um cenário profissional ainda mais precário no futuro. Os profissionais das grandes empresas são vistos como estáveis e altamente capacitados, ledo engano, muitos deles nem sabem quais serão seus horários na próxima semana, impedindo que os funcionários façam seus próprios planejamentos, tudo isto gera grandes inquietações, medos e ansiedades, repercutindo na vida familiar, nos relacionamentos, nos ambientes corporativos e nas questões financeiras e emocionais, levando muitos trabalhadores a desequilíbrios variados, tais como a depressão, que vitima mais de quatrocentos milhões de pessoas no mundo e as mortes por suicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada quarenta segundos uma pessoa comete a atrocidade de tirar sua própria vida, os suicídios se tornaram um problema de saúde pública, engajando escolas, faculdades, empresas, governos e inúmeras outras instituições para esclarecer a população e evitar estes transtornos que crescem de forma acelerada.
Nesta sociedade dominada pelo capital financeiro, os donos do poder definem as regras da sociedade e os fazem de acordo com seus interesses, a lógica financista esta sendo difundida para todos os agentes sociais e políticos, as empresas impõem a estes trabalhadores os modelos que dominam as instituições financeiras, caracterizadas pelo imediatismo, pelas metas agressivas, pela redução constante nos custos e por uma automatização que reduz fortemente a demanda por novos profissionais, condenando os indivíduos a uma incerteza crescente e uma busca insana por novos cursos e capacitações.
Como nos destaca Jeffrey Pfeffer, um dos locais mais cobiçados para se trabalhar na sociedade contemporânea, o Vale do Silício, é descrito como um dos locais mais tóxicos, onde muitos dos profissionais usam substâncias legais e ilegais, como esteroides e cocaína para cumprir com suas metas insanas, gerando os mais terríveis problemas de saúde que serão sentidos no médio e no longo prazos, degradando a saúde dos trabalhadores e incrementando os custos da saúde e os dispêndios dos Estados Nacionais.
Estas transformações estão em todas as regiões, anteriormente os filhos tinham grandes chances de construir uma vida mais bem-sucedida do que seus pais, na sociedade contemporânea as chances são cada vez mais reduzidas, gerando grandes instabilidades e desequilíbrios emocionais. No mundo corporativo encontramos zumbis sobrevivendo a base de calmantes e outras drogas, um ambiente altamente competitivo onde os profissionais concorrem uns com os outros, destruindo os laços sociais e a solidariedade humana, neste ambiente o sucesso de um indivíduo deve ser visto como o fracasso de seu competidor.
Neste ambiente altamente tóxico e competitivo, encontramos empresas buscando todos os métodos para estimular a criatividade de seus profissionais, palestras motivacionais e remunerações flexíveis, todos estes instrumentos criam mais desequilíbrios dentro das corporações e servem apenas para estimular uma maior concorrência entre os profissionais e enriquecer consultores que vivem vendendo ilusões pseudocientíficas baseadas em uma meritocracia distante da maioria dos trabalhadores contemporâneas.
Um discurso recorrente que volta com força na sociedade contemporânea é o de empreendedorismo, onde se busca construir novos cenários, neste discurso cada indivíduo é o grande responsável por seu sucesso ou por seu fracasso, segundo o que definimos como meritocracia, outro termo bastante em voga na sociedade. Estes discursos são charmosos e empolgam muito os incautos, mas transfere aos indivíduos seu sucesso ou seu fracasso, como se todos os indivíduos bem-sucedidos tivessem sido eles próprios os grandes responsáveis por seu êxito profissional, deixando de lado as heranças monetárias e os investimentos feitos nestes por famílias estruturadas e conscientes da importância da educação no desenvolvimento social e profissional.
O sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), analisa a questão da seguinte forma: “O empreendedorismo é uma forma mistificadora que imagina poder eliminar o desemprego, em uma sociedade que é incapaz de preservar trabalho digno com direitos. E, como estas novas modalidades de trabalho são deprimentes, a mistificação torna-se o remédio que só fará alimentar a doença”.
Neste ambiente de degradação do mundo do trabalho, de crescimento da informalidade, das crises seguidas dos trabalhadores e do enfraquecimento dos sindicatos e do poder da classe trabalhadora, a ideia de empreendedorismo é uma das poucas alternativas que o mundo do trabalho oferece frente à corrosão dos direitos e garantias sociais. É isso ou o trabalhador deverá se contentar com o desemprego completo.
Percebemos nestas transformações uma busca constante por profissionais da área de tecnologia, computação, matemática e biologia em detrimento de profissionais das ciências humanas, principalmente aqueles oriundos da Filosofia, da Pedagogia e da Sociologia, vistas como áreas de pouco relevância para o mundo dos negócios e formada por pessoas teóricas demais, um equívoco para uma sociedade prática e centrada na tecnologia. Esta visão equivocada acaba gerando um excesso de profissionais nas áreas e setores mais demandados pelo mercado, atraindo os melhores quadros, mesmo muitos deles não se identificando com as áreas de tecnologia, estes profissionais acabam buscando estas áreas apenas pela melhor remuneração ou pelo status social que estes profissionais gozam na sociedade do conhecimento.
Outro efeito imediato desta realidade social, é que muitos estudantes bem formados e altamente qualificados estão optando por cursos que os coloquem em melhores condições no mercado de trabalho, deixando de lado suas aptidões e vontades pessoais, com isso, se tornam profissionais desmotivados, descontentes, agressivos e altamente tóxicos nas organizações. Se estes profissionais investissem em suas áreas de interesse seriam muito mais relevantes para a sociedade e trariam contribuições mais consistentes, mas como são atraídos pelos atrativos financeiros do mercado, acabam se transformando em profissionais medíocres, desanimados e descontentes em suas áreas de atuação.
Neste cenário percebemos o crescimento dos cursos ligados a tecnologia, aos jogos e aos conhecimentos práticos e uma baixa demanda por profissionais mais teóricos e reflexivos, o resultado imediato destas escolhas não demorarão a chegar nesta sociedade, muitos profissionais nos setores de tecnologia estão buscando seus aplicativos revolucionários e vêem seus salários se reduzindo rapidamente devido ao excesso de profissionais disponíveis. De outro lado os profissionais de áreas preteridas pelo mercado, tentam se “modernizar” e se “adaptar” as transformações comandadas pelo deus mercado, com isso estão levando suas áreas a perderem sua maior essência, a de levarem seus alunos a refletirem sobre suas realidades e compreenderem para onde estamos levando a sociedade global num mundo dominado pela tecnologia, pelo imediatismo e pelos rigores do chamado Mercado.
Percebemos este movimento a nível global, em todas as regiões as humanidades estão perdendo espaço para as áreas de tecnologia, este movimento comandado pelos mercados globais tem uma profunda irracionalidade, embora muitos dos teóricos da economia acreditem que os mercados sejam entes extremamente racionais, o excesso de um dos lados sempre leva a sociedade a grandes constrangimentos, a tecnologia é importante e tem um papel social de grande relevância, mas a tecnologia deve abrir espaço para um futuro mais acessível a todos os seres humanos, contribuir para o crescimento e para o desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades e enfrentar a exclusão social, que não deve ser aceita e muito menos permitida por uma sociedade que cria riquezas de forma exponencial como a sociedade contemporânea.