Guerra comercial, desaceleração econômica e recessão global

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A economia internacional vive um momento de grandes inquietações políticas, desaceleração, medos e instabilidades, gerando desequilíbrios nas estruturas econômicas, mais instabilidades políticas e desajustes produtivos, levando os países a uma forte desaceleração econômica, com conflitos comerciais e perspectivas de um contencioso comercial longo, doloroso, gerando muitos perdedores e poucos ganhadores.

Desde a crise de 2008, a economia global vem sinalizando desequilíbrios estruturais, levando governos a injetar trilhões de dólares em suas estruturas produtivas para evitar a bancarrota de suas economias e a degradação de suas estruturas produtivas, com altos impactos sobre a população, o emprego e as perspectivas futuras. Com estas políticas de injeção de recursos, adotadas pelos Bancos Centrais, os governos conseguiram evitar uma falência generalizada em suas economias, mas elevaram os desequilíbrios em outras áreas da economia, com um alto endividamento dos governos e riscos de incremento inflacionário, obrigando as autoridades monetárias a intensificarem a atuação nos mercados monetários e financeiros.

Depois do colapso do modelo, em decorrência da crise do mercado imobiliário, os governos foram obrigados a salvar inúmeras empresas em variados setores econômicos, com isto evitaram que as falências fossem muito maiores e o colapso da economia alcançasse números parecidos com os da crise de 1929. Bancos e seguradoras foram socorridos pelos governos, além de montadoras e grandes conglomerados, com isso, os Estados acumularam grandes dívidas e perderam parte de sua capacidade de investimentos e intervenção na estrutura produtiva.

No momento atual, a economia global vem sentindo os impactos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, cujos contornos estão esfriando os ânimos dos investidores e dos empresários e gerando medos e preocupações nos governos e na comunidade financeira, levando as Bolsas a quedas elevadas em alguns momentos e recuperações posteriores, abrindo espaço para ganhos elevados e, ao mesmo tempo, perdas substanciais.

A guerra comercial em curso está gerando graves constrangimentos para a economia internacional, aumentando a instabilidade e gerando medos e preocupações desnecessárias, reduzindo as trocas e colocando o modelo econômico da globalização e das cadeias globais de produção em xeque, levando a economia global a uma desglobalização, marcadas pelo crescimento do nacionalismo, do protecionismo e de retóricas inconsequentes.

A ascensão do presidente Donald Trump levou a graves desconstruções no cenário internacional, impulsionando o unilateralismo norte-americano como resposta a perda de centralidade da indústria do país no comércio internacional, que vem perdendo espaço para a China e para outros países asiáticos, como a Coréia do Sul, Vietnã, Malásia, Cingapura, dentre outros. Com a ascensão da Ásia, muitos conglomerados econômicos dos Estados Unidos abriram filiais nos países asiáticos, buscando usufruir desta mão de obra excessiva e altamente barata se comparada aos trabalhadores norte-americanos, com essa estratégia, as empresas produziam na China e vendiam suas mercadorias para os consumidores dos Estados Unidos, gerando graves déficits na balança comercial norte-americana, cobertos pela emissão monetária e pelo endividamento externo via venda de títulos governamentais, transformando a China no seu maior credor.

A guerra comercial acirra os ânimos nacionalistas dos dois países e aumenta a instabilidade com relação as trocas internacionais, podendo gerar incremento nos preços e inflação nos Estados Unidos e redução do comércio chinês, com graves impactos sociais, reduzindo o ritmo de queda da pobreza no país asiático e potencializando desequilíbrios políticos com o aumento da contestação dos dirigentes.

Mesmo com a guerra comercial em curso, os déficits comerciais norte-americanos com a China ainda se encontram em valores elevados, o que levou o governo Trump a aumentar as sobretaxas aos produtos chineses no valor de US$ 300 bilhões, uma medida emergencial que mostra o desespero das autoridades da Casa Branca com a dependência comercial dos asiáticos. Somente em julho, o déficit comercial norte-americano foi de US$ 45 bilhões, um aumento substancial se comparado ao mesmo mês do ano de 2018, quando foram de US$ 27 bilhões.

As economias estão desacelerando rapidamente, China, Inglaterra e a União Européia estão em franca desaceleração, com isso, muitos governos começam a repensar suas políticas e adotar incentivos para evitar que o cenário descambe para uma recessão, reduzindo taxas de juros e incrementando medidas de estímulo ao emprego e a produção, visando reverter este cenário que preocupa e gera alertas e constrangimentos.

A chamada guerra comercial deve ser analisada muito mais como um confronto de duas grandes potências pela hegemonia da economia internacional, do que circunscrita apenas ao âmbito do comércio, pela primeira vez desde a desagregação da economia soviética, uma outra potência econômica consegue se ombrear e ameaçar os Estados Unidos no cenário global, gerando preocupações e estimulando retaliações muitas vezes descabidas e grosseiras, levando os norte-americanos a contestarem um modelo que, em anos anteriores, trouxeram-lhes grandes benefícios e os levaram a hegemonia da economia internacional.

A ascensão de Donald Trump elevou as tensões com a China, muitas foram as acusações proferidas pelos norte-americanos, desde o forte protecionismo chinês, passando por espionagem industrial até a crítica aos subsídios e políticas de estimulo aos investimentos, mas estas tensões devem ser vistas como uma estratégia da Casa Branca para contentar uma parcela dos seus eleitores que depositaram no presidente uma postura mais agressiva contra a ascensão dos parceiros chineses no comércio global. Para muitos norte-americanos, a redução da renda da classe média está associada ao rápido avanço chinês, marcados pelo protecionismo e por políticas que impactam negativamente sobre os Estados Unidos, esquecendo-se de que o capitalismo contemporâneo se expandiu para a Ásia em busca de novos e mais baratos trabalhadores, deixando de lado os trabalhadores ocidentais que, com o desenvolvimento econômico, se tornaram mais caros e sofisticados, não mais aceitando trabalhos com remuneração reduzida.

O grande problema da estratégia do governo Donald Trump é que, a adoção de políticas protecionistas eleva o preço dos produtos chineses nos Estados Unidos e reduz a renda da população norte-americana, podendo impactar sobre a renda agregada e diminuindo o consumo interno, além de estimular um incremento nos preços relativos com graves desajustes no cenário macroeconômico.

Outro ponto negativo no cenário internacional está na ascensão do conservador Boris Johnson e suas declarações sobre a saída do Reino Unido da União Européia, o tom belicista e arrogante adotado pelo premiê eleva as tensões dentro da região, gerando instabilidades crescentes e dificultando uma reconciliação dentro do bloco e, mais ainda, deixando no horizonte perspectivas muito elevadas de um divórcio litigioso com fortes impactos para a região e, indiretamente, para todos os atores do comércio internacional.

O Brexit está gerando impactos bastante negativos para a economia do Reino Unido, muitas empresas e grandes conglomerados econômicos estão reduzindo seus investimentos na região. No setor financeiro, muitos bancos e corretores estão se mudando para outros países da região, a City Londrina está perdendo espaços e investimentos preciosos e os indicadores estão perdendo fôlego, sinalizando momentos de instabilidades e incertezas para a região, os custos estão elevados e crescem de forma acelerada, deixando claro que os defensores do Brexit subestimaram os impactos negativos desta separação.

Muitos adeptos do Brexit temiam a invasão de estrangeiros no Reino Unido, acreditavam que a retirada do país do bloco europeu garantiria uma autonomia maior interna, desobrigando futuramente a adoção do Euro como moeda comum e faria com que fossem donos de suas próprias políticas e mantivessem a soberania que sempre desfrutaram. O que muitos não imaginavam, era que, ao apoiar a saída do Reino Unido da União Européia, o país ficaria isolado, abrindo um precedente negativo e condenando o país a uma posição secundária na região e elevando a fama do país de arrogância e de unilateralismo.

Neste atual momento, encontramos uma grande desagregação na economia mundial, esta desagregação está gerando pressões políticas fortes dos grupos que se julgam perdedores da globalização, principalmente setores da classe média dos países ocidentais, que se movimentam constantemente em lobbies demandando políticas protecionistas de seus governos, estimulando os nacionalismos e com isso, as políticas contrárias aos imigrantes, muitas delas xenófobas e intolerantes, com graves custos sociais e políticos.

Neste ambiente, é importante destacar a situação de confrontos e manifestações em curso em Hong Kong, país que retornou no final do século passado ao controle da China, depois de mais de 150 anos de controle Inglês. Neste país, os manifestantes contrários ao governo chinês estão se mobilizando em fortes e maciços movimentos de rua para defender a democracia e evitar as influências chinesas, vistas como um fenômeno de desestabilização que devem enfraquecer a tradição democrática no país. Estas movimentações geram desequilíbrios na segunda maior economia do mundo e colocam em xeque as políticas do Partido Comunista que governa o país a décadas, garantindo amplo crescimento econômico, abertura, concorrência e melhorias sociais irrefutáveis, mas ao mesmo tempo, marcados por um governo autoritário e centralizador.

Neste cenário de instabilidades crescentes, devemos destacar a situação econômica de nosso mais importante vizinho comercial, a Argentina. Depois de um longo período de crescimento marcados pelo forte protagonismo do Estado, marcado por estatizações e intervencionismos nacionalistas, a economia mergulhou numa crise econômica gerada por fortes desequilíbrios fiscais. Para reverter a situação, o governo eleito de Maurício Macri, de corte fortemente liberal, passa a adotar políticas liberalizantes, aberturas e privatizações, atuando diretamente nas reformas e deixando de lado questões sociais importantes e fundamentais, neste momento a pobreza aumenta e a crise econômica volta com força e ameaça sua reeleição e abre caminho para o retorno dos mesmos grupos intervencionistas anteriores, vistos pelo mercado como populistas e demagogos.

A economia internacional está em franca desaceleração econômica, onde destacamos os efeitos nocivos da guerra comercial entre chineses e norte-americanos, os conflitos internos na Europa motivados pelo Brexit, os movimentos em defesa da democracia em Hong Kong e a crise econômica que esfola a Argentina, os ventos da economia global sinalizam para cenários preocupantes nos próximos meses, com graves constrangimentos para os grupos mais vulneráveis em todas as regiões.

Países como o Brasil, cuja economia apresenta um longo período de recessão e uma dificuldade de recuperação econômica, devemos adotar reformas que impulsionem a recuperação produtiva, priorizando o emprego e evitando alinhamentos automáticos com os países em litígio, pois em cenários de instabilidades externas, como o atual, o equilíbrio interno é fundamental para vislumbrarmos possibilidades mais positivas num futuro próximo.

Neste ambiente é importante destacar que os grandes parceiros econômicos brasileiros se encontram em crise, China, União Europeia, Argentina e Estados Unidos, diante disso, os presságios para a economia brasileira podem ser bastante negativos, exigindo do Estado um forte reequilíbrio fiscal e reformas que visam o médio e o longo prazo, sem estas dificilmente o país conseguirá se mostrar atrativo no cenário internacional.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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