Segundo professor americano, guerra comercial piora cenário global e risco de recessão aumentou
Entrevista com Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia
Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo – 11 de agosto de 2019
Apesar de o mundo passar por uma fase natural de desaceleração econômica, os Estados Unidos têm “agravado o problema de forma significativa e desnecessária com a guerra comercial”, diz Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia. Segundo o economista, o embate entre as duas maiores potências deixou de ser comercial e passou a ser visto por políticos americanos como um conflito sobre segurança nacional e influência. “Uma nova guerra fria”. O risco de a disputa gerar uma recessão global aumentou e, caso esse cenário se verifique, o Brasil não terá como fugir, acrescenta. A seguir, trechos da entrevista.
A desaceleração global faz parte dos ciclos da economia ou poderia ser evitada caso não houvesse incertezas geradas pela guerra comercial ou pelo Brexit?
As fases de crescimento não duram para sempre e o crescimento nos EUA já dura dez anos. Há forças naturais gerando uma desaceleração gradual, mas estamos agravando o problema de forma significativa e desnecessária com a guerra comercial, que é uma questão mais séria (para a economia) que o Brexit. Estaríamos melhor com uma política estável e previsível, mas não é o que temos em Washington nem em outras capitais. Há incertezas na Itália e problemas econômicos em países como a Turquia.
Em 2018, o sr. disse que a probabilidade de haver guerra comercial era de 25%. O que aconteceu diferente do que previa?
A natureza do conflito foi redefinida. Antes, era sobre balança comercial, sobre o fato de a China estar com superávit em relação aos EUA. Agora, é um conflito sobre influência, sobre sistemas políticos incomparáveis, rivalidade de grande poder, segurança nacional. Uma nova guerra fria. Isso é muito mais difícil de se resolver. Definir influências e ter certeza de que a China não usará tecnologias para espiar os EUA são preocupações que não irão embora. Não apenas (o presidente Donald) Trump, mas democratas e republicanos no Congresso agora veem o conflito como uma questão sobre segurança nacional. Como o debate mudou, estou mais pessimista.
O sr. vê alguma possibilidade de solução?
Esses problemas poderiam ser resolvidos se tivéssemos líderes mais sutis e intelectualmente flexíveis. Eles poderiam perceber que China e EUA precisam trabalhar juntos para resolver os problemas do mundo, sejam de segurança, mudança climática ou quaisquer outros. Mas as pessoas que temos neste momento, especialmente na Casa Branca, não têm flexibilidade mental para entender que a única solução é trabalhar junto e que, se guerrear com a China até a morte, isso será prejudicial para EUA, China e todo o mundo. Melhores líderes produziriam melhores resultados, mas temos os líderes que temos.
Esse cenário só vai mudar então depois das eleições americanas de novembro de 2020?
Que alguém será eleito em 2020 é uma boa e uma má notícia. Boa porque esse alguém será mais inteligente e melhor negociador, qualquer um seria. Mas a má notícia é que há uma mudança permanente e irreversível no modo pelo qual os políticos americanos, de forma geral, veem a China: como rival geopolítica. Essa mudança não será revertida independentemente de quem for eleito.
O sr. já disse que não sabia se uma recessão poderia ser evitada em caso de guerra comercial. Estamos próximos de uma recessão global?
Agora que a guerra comercial está escalando e afetando o mercado financeiro vai haver impacto nos negócios americanos, em como a Apple vai produzir na China, por exemplo. Conflitos comerciais levam tempo para se mostrarem negativos para o crescimento. Quando Trump começou com as tarifas, a primeira coisa que as empresas americanas fizeram foi importar mais da China para ter estoque. Depois, importaram menos. Agora, os efeitos negativos no comércio e na produção estão se materializando.
Qual a probabilidade de haver recessão?
Em 2019, o risco ainda é baixo e a pergunta é se a recessão se desenvolve antes ou depois das eleições. O ciclo de crescimento dos EUA será muito longo e antigo nesse ponto, o mercado de trabalho estará apertado. Será apropriado, com o mercado de trabalho apertado e a inflação começando a subir, o Fed (o banco central americano) começar a elevar a taxa de juros? Com a pressão da Casa Branca? Ninguém sabe. Então a resposta para sua pergunta depende do que o Fed fizer e de Trump realmente colocar em prática mais tarifas sobre os US$ 300 bilhões de importações chinesas (medida anunciada há duas semanas). Não posso te dar uma probabilidade, mas é claro que os riscos estão aumentando.
Quais impactos para o Brasil?
Depende do mercado de exportação, tanto de commodities agrícolas como de uma variedade de manufaturas. Pode haver alguns impactos positivos se a China não importar mais soja dos EUA, mas, se os EUA e o mundo desacelerarem, a má notícia é para todos nós, e nós inclui o Brasil.
O Brasil está em crise há cinco anos. O novo governo está no rumo correto para mudar isso?
O governo não deve escolher entre fazer reformas estruturais ou se preocupar com equidade e inclusão econômica. Deve tentar os dois. Fazer reformas e não prestar atenção para inclusão não é sustentável. Vocês tiveram um governo (de Dilma Rousseff) que foi derrubado porque favoreceu inclusão, mas foi incapaz de fazer reforma estrutural. Agora têm um governo que faz reforma, mas não se preocupa com inclusão. Esse governo não terá vida longa. As pessoas que ficarem para trás vão reagir. Tem de fazer os dois. Nós não somos muito bons em fazer ambos nos EUA. Fazemos reformas, mas não temos Estado de bem-estar social.
O sr. afirmou que, na Turquia, o governo de Recep Tayyip Erdogan minou a liberdade de imprensa e o Estado de direito, o que é negativo para atrair investimento. O presidente Jair Bolsonaro pode estar indo por um caminho semelhante?
Para alguém de fora, é cedo para dizer. Bolsonaro chegou e disse que iria resolver o problema da corrupção, mas isso obviamente não aconteceu. Ainda há problemas de corrupção e de nepotismo. Ele tem tempo para trabalhar.
O sr. publicou um livro sobre populismo (The Populist Temptation). Vê relações entre o cenário econômico global e a ascensão do populismo?
O desencantamento com a economia é um fator-chave para a ascensão de populistas. O crescimento que temos beneficia os mais ricos e há insegurança econômica, com emprego e renda. Os governos demoraram em responder isso e a insatisfação econômica abriu a porta para políticos de fora do ‘mainstream’.