A irracionalidade e o imediatismo da economia contemporânea

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Vivemos em um mundo marcado por grandes transformações estruturais, num ambiente amplamente dominado pelos interesses monetários e financeiros, a economia se transformou no grande agente responsável pelos avanços sociais, dominando todas as áreas da gestão, da educação, da saúde, dos relacionamentos, da vida cotidiana, entre outras áreas e setores, transformando todas as relações entre os indivíduos e a coletividade em instrumentos monetizados e analisados pela lógica do dinheiro e das questões financeiras e imediatistas, gerando seres humanos frios, calculistas e desequilibrados.

Os modelos de gestão estão dominando todas as estruturas sociais e as decisões estratégicas, tudo deve ser pensado levando-se em consideração os pressupostos econômicos e financeiros, com isso, acabam tornando as decisões, cada vez mais técnicas e limitadas, levando as questões sociais a decisões puramente racionais, ou supostamente racionais, esquecendo-se de que seus impactos na vida das pessoas perpassam o imediatismo financeiro, na maior parte interessados apenas nas ganhos futuros que se concentram nas mãos de poucos e alteram a vida e a intimidade de muitos.

A tecnologia está entrando nas mais variadas áreas e setores, movidas na maioria das vezes, por interesses financeiros e monetários, eliminando setores em nome de uma racionalidade nefasta, gerando um rastro de desemprego conjuntural e estrutural, levando desesperanças e medos generalizados para todos os grupos, culminando em violências e exclusão social, sob a alegação de implementar um choque de gestão, muitas destas decisões destroem famílias e levam trabalhadores ao desemprego.

As decisões “racionais” observam apenas as questões superficiais, investimentos são feitos para construir naves espaciais para viagens estelares e férias em outros planetas ou galáxias, deixando de lado a cura de doenças que vitimam milhares de vidas em regiões pobres e miseráveis, estas pessoas vivem a margem do sistema, não possuem recursos monetários e sua sobrevivência pouco interessa aos donos do capital e aos senhores do dinheiro, com isso, são deixados de lado pelos laboratórios e são condenados a própria sorte num mundo marcado por uma alta liquidez e recursos financeiros abundantes. Muitos quando são lembrados, o são apenas para se tornarem cobaias de pesquisas científicas, ganhando pouco e colocando suas vidas em risco, como nos foi apresentado no filme O Jardineiro Fiel.

O sistema econômico atual não foi criado para satisfazer os interesses da sociedade, sua função é garantir aos donos do poder ganhos constantes e elevados, garantindo que suas empresas aumentem seu capital nas Bolsas, seus investimentos estejam sempre protegidos e suas fortunas cresçam de forma acelerada, garantindo a estes indivíduos e suas famílias uma posição de destaque na lista dos afortunados da Revista Fortune.

Na área da saúde percebemos um aumento constante no preço dos planos de saúde, inviabilizando os grupos de menos recursos, deixando-os entregues a própria sorte, sem coberturas e sem perspectivas de cura e tratamento médico. Os grupos dominantes cortam profissionais, automatizam as consultas e aumentam o uso de tecnologias variadas em atividades secundárias e aumentam, com isso, o descarte das pessoas, as que continuam empregadas ficam sujeitas a uma carga de trabalho insano, sendo obrigadas a trabalhar por outros profissionais que foram dispensados sob justificativa de racionalizar os processos e incrementar os serviços, estes cortes servem, na verdade, para garantir bônus volumosos para seus acionistas e retornos maiores para seus administradores.

Percebemos na área da saúde um incremento tecnológico que gera benefícios inestimáveis para a sociedade, estas novas técnicas são menos invasivas e melhoram a vida de muitas pessoas, levando lenitivos para muitos doentes, abrindo novas perspectivas num futuro próximo e uma melhor qualidade de vida. Estes benefícios são inegáveis e devem ser estimulados, cortar custos supérfluos e desnecessários devem ser uma tônica de todos os gestores, tendo como objetivo central uma melhora na qualidade de vida da sociedade e não única e exclusivamente incrementar os ganhos milionários dos grupos dominantes.

Vivemos em uma sociedade marcada pela ilusão da concorrência e da competição entre os agentes econômicos mas, na verdade, o que percebemos são monopólios nas mais variadas áreas e setores, onde poucos ganham fortunas e uma imensa maioria são expostos a um mercado selvagem e degradante que se baseia na exploração, nos cursos de autoajuda e na pregação das farsas da meritocracia e do empreendedorismo, temas que movimentam multidões e garantem lucros astronômicos para os poucos privilegiados que dificilmente acreditam nestes mantras e nestas pregações cotidianas.

A economia contemporânea apregoa uma defesa do pensamento liberal e das práticas concorrenciais como forma de geração de renda e de valor agregado, esquecendo-se de que, na atualidade a ideia da competição deve ser substituída pela cooperação entre os agentes econômicos, cooperar e compartilhar são verbos que devem ser estimulados e a competição e a concorrência devem ser revistas e regulamentadas sob pena de levar a sociedade a uma ampla desagregação social e ambiental, isto aconteceria porque os agentes apresentam formações e qualificações diferentes. Enquanto se fala de meritocracia em todos os livros textos de gestão, como se fosse um grande mantra da sociedade, percebemos que na prática a meritocracia é um sonho ainda muito distante desta sociedade, ainda marcada pela desigualdade e pela exclusão.

A área de educação também vem sendo transformada em um grande manancial de lucros e dividendos, onde os grandes grupos “educacionais” buscam um incremento acelerado nas matrículas e deixam de lado investimentos em qualidade, levando a educação a mais um dos imensos mercados altamente atrativos e lucrativos para os donos do dinheiro. Na atualidade, percebemos uma competição degradante, escolas de qualidade estão perdendo espaço na coletividade devido a chegada de grupos estrangeiros ou empresas educacionais que cobram mensalidades menores e seduzem os potenciais alunos com promessas de sucesso e bons empregos, mas na verdade, entregam um produto de péssima qualidade, gerando dívidas impagáveis e tornando-os profissionais diplomados, desempregados e sem perspectivas.

Neste ambiente, percebemos muitas escolas sérias e tradicionais serem adquiridas por grupos financeiros sem nenhuma experiência na área do conhecimento e da formação educacional, que introduzem planilhas complexas e avaliações de rendimento centrada em princípios do mercado financeiro, demitem professores qualificados e contratam profissionais sem conteúdo pagando salários reduzidos, com isso, diminuem o preço das mensalidades, enchem as salas de aulas e entregam para as famílias uma formação deficiente e desatualizada, muito longe das necessidades da sociedade mundial e da chamada Indústria 4.0.

O poder exagerado da gestão, focada nos lucros monetários e financeiros, vem crescendo de forma acelerada nos últimos anos, as empresas dominam o cenário econômico e expandem seu poder em variadas regiões, transformando a gestão em um instrumento de ganhos imediatistas, esquecendo-se de que cabe ao gestor um planejamento seguro e equilibrado para que as empresas se consolidem e se perpetuem como agentes de melhoria e maior qualidade de vida, levando a um progresso social inclusivo e a um desenvolvimento econômico.

O poder da gestão é tão intenso e estruturado, que em todas as áreas percebemos sua influência, setores como a religião vem incorporando as técnicas de gestão como instrumento de administração e incremento de seus lucros, nestes setores percebemos gestores gerindo dízimos e donativos de forma profissional e Igrejas sendo sondadas para a abertura de capital em Bolsas de Valores, distorcendo seus verdadeiros ideais em prol de uma lucratividade insana com graves impactos para a coletividade. Nesta sociedade, as religiões estão se transformando em um grande negócio, seus investimentos estão sendo levado a inúmeros setores, desde empresas de mídia e lojas comerciais, enquanto os valores da religião centrados na solidariedade e na empatia estão sendo substituídos por valores financeiros, materiais e imediatos.

A obsessão pela tecnologia está deixando leva de trabalhadores desempregados e sem perspectivas profissionais, muitas máquinas e equipamentos são desenvolvidos para melhorar processos e incrementar decisões, melhorando os fluxos de informações e acelerando estratégias, com isso, percebemos uma redução nos custos das empresas e uma melhora em seus valores de mercado, os ganhos advindos destas medidas são distribuídos com seus acionistas e seus funcionários, agora chamados de colaboradores, se engalfinhando para sobreviver no mercado, mesmo sabendo que esta sobrevivência está associada a um aumento acelerado na carga de trabalho, a uma redução nos rendimentos e a uma piora na qualidade de vida.

Neste ambiente encontramos visões contaminadas por supostos especialistas, profissionais com visibilidade na mídia, nos jornais e nas revistas especializadas, indivíduos treinados e capacitados, com uma visão limitada de sociedade centrada no interesse do capital e dos donos do dinheiro. São profissionais dotados de grandes conhecimentos que se vendem no mercado e passam a defender aqueles que possuem recursos para pagar seus elevados honorários, desconhecendo as origens dos recursos e a degradação destes para a sociedade.

Nesta sociedade, percebemos o poder da economia como uma ciência matemática, responsável pela geração de lucros e dividendos, com isso, deixamos de lado a importância da economia como uma ciência da escassez, criada para gerir os recursos da sociedade e melhorar a distribuição, garantindo que todos tivessem acesso ao essencial e, com isso, poderem sobreviver de forma digna e construir boas perspectivas de futuro para si e para seus descendentes.

Na sociedade contemporânea, a economia e a gestão estão se transformando em um instrumento de maximização dos lucros dos grandes grupos econômicos e financeiros, seus interesses mais imediatos visam saciar seu estilo de vida centrados no hedonismo e na busca acelerada por prazeres materiais e gozos sexuais, deixando de lado o planejamento e a construção de bases sociais mais sólidas e sustentáveis.

Numa sociedade onde a tecnologia se coloca como o grande gerador de desemprego, criando medo e desesperança para os grupos com menores oportunidades e qualificações, muitos trabalhadores são obrigados a aceitar formas de trabalho degradantes e jornadas excessivas sob pena de ficarem sem emprego e sem condições de sobrevivência. Estes trabalhadores são “obrigados” a aceitar trabalho em finais de semana e feriados, levando o empregador a criar escalas absurdas que devem ser seguidas pelo trabalhador, com isso, o funcionário é obrigado a se ausentar de sua casa e relegar sua família a uma condição secundária, nestes ambientes percebemos um incremento da degradação das famílias, uma piora nas relações entre pais e filhos e um aumento considerável da violência e da exclusão social, obrigando as escolas a assumirem um papel que, em todas as sociedades desenvolvidas, deve ser exercido pela família.

O pior desta situação é que os trabalhadores perderam seus instrumentos de proteção, em uma sociedade com um desemprego acelerado são obrigados a condições indignas e cobranças exageradas, com isso se degradam e devem aceitar esta condição de forma pacífica e subserviente, sem reclamar, sem fazer greves e sem se filiar a movimentos sindicais, mesmo porque, muitos destes sindicatos se mostraram, ao longo do tempo, sem condições de amparar seus filiados e prepará-los para as mudanças em curso na sociedade global, muitos deles se comportaram como verdadeiros cabides de empregos e refúgio de pessoas desqualificadas e desonestas.

Outro setor que devemos acompanhar com atenção e responsabilidade é o Meio Ambiente, este setor vem se degradando de forma acelerada nos últimos anos, muito desta degradação está vinculada ao domínio de uma visão imediatista de gestão centrada nos lucros e nos ganhos financeiros, por esta visão, que está cada vez mais dominante neste setor e no mundo econômico, a sociedade deve incrementar a exploração do ambiente como forma de retirar da pobreza e da indignidade muitas famílias e grupos sociais que vivem em situação de risco. Precisamos compreender que a situação de indignidade destas famílias está muito mais associada e uma visão limitada da gestão e dos negócios do que a falta de recursos para a produção. A preservação do Meio Ambiente é condição fundamental para que tenhamos um futuro digno e decente, as terras e os recursos naturais disponíveis são suficientes para que a população viva de forma decente, mas para que isto aconteça faz-se necessário que os abutres financeiros se conscientizem de que precisam retirar uma parte condizente com seus esforços e merecimentos, e deixem para os outros grupos sociais os recursos referentes a seus méritos, enquanto esta divisão for desigual os resultados desta equação serão sempre marcados pela exclusão social e pela desigualdade crescentes, onde os grandes prejudicados serão os mais pobres e marginalizados.

A economia contemporânea e os modelos de gestão precisam retomar as suas origens e repensar seus papéis na sociedade, se estes instrumentos continuarem a se limitar a ganhos financeiros e monetários improdutivos, a sociedade tende a mergulhar em condições degradantes, com desemprego em ascensão e um crescimento exponencial de indivíduos desequilibrados e doentes mentais, dotados de um individualismo crescente e desagregador incapaz de pensar e de se solidarizar com as dores dos outros, neste momento perceberemos que nossa sociedade está caminhando realmente para o caos e para a degradação social, sendo urgente alterar a rota e direcionar a sociedade para um novo caminho, mais sustentável e equilibrado.

Numa sociedade marcada pela centralidade do dinheiro e do poder econômico, os gestores e os economistas ligados a este poder financeiro se arvoram de um poder e de uma arrogância excessivos, definindo regras e escolhendo os ganhadores e transformando tudo em mercadoria, desde a educação, a saúde, os relacionamentos e a segurança, neste ambiente, os grupos mais vulneráveis da sociedade estão sempre em situação de marginalidade e de degradação,  vivendo a margem e convivendo no cotidiano com os dramas e os traumas de uma coletividade degradada pelo poder do dinheiro e da falta de solidariedade entre os indivíduos.

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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