Desencarnação, crescimento e desenvolvimento espiritual

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A morte sempre foi uma grande incógnita para os indivíduos e para as coletividades, as culturas tratam de forma diferente este tema e encontram respostas originais e inusitadas, todos sabemos que desde o nascimento estamos em contagem regressiva para uma outra vida, para alguns vamos para um vazio absoluto ou para uma escuridão sem precedentes, outros acreditam em uma espera que pode durar muitos anos ou quem sabe séculos ou milênios, a morte ainda desperta muitas dúvidas e reflexões das pessoas em todos os lugares do mundo.

Existem muitas discussões e dúvidas sobre a morte, as religiões, as culturas e as correntes filosóficas apresentam visões variadas, algumas trazem explicações mais vigorosas e consistentes, enquanto outras atribuem as respostas a dogmas inatingíveis para os homens no momento atual, contribuindo para o crescimento e o fortalecimento de um verdadeiro misticismo, que cultiva ignorância e desinformação, gerando medos e inseguranças.

A Doutrina Espirita, codificado por Allan Kardec, em 1857, com a publicação de O Livros dos Espíritos nos traz informações novas e originais, suas análises perpassam a questão religiosa e se concentram em uma visão científica e filosófica, com isso, nos mostra uma situação mais completa e uma interpretação mais consistente e inteligente, sem dogmas e desprovida de preconceitos, que muitas vezes limitam a capacidade de compreensão dos indivíduos e das coletividades.

Os conhecimentos trazidos pela Doutrina dos Espíritos nos informam que a morte como a conhecemos não existe, somos espíritos que estagiamos no corpo físico e, posteriormente, retornaremos para o verdadeiro local da vida, o mundo espiritual, embora não nos recordemos este é o verdadeiro local da nossa existência, somos espíritos habitando corpos materiais temporariamente, nele passamos por variadas experiências que devem servir como vivências, nunca como punição, mas como educação, em prol do progresso e de um verdadeiro desenvolvimento espiritual.

As informações trazidas por Allan Kardec geraram muitas controvérsias na época, é importante lembrar que, neste momento histórico, a Europa vivia os últimos espirros da Inquisição, momento marcado pelos desatinos da Igreja Católica, que se outorgava o direito de alienar os indivíduos e impor seus interesses mesquinhos e imediatos, condenando os indivíduos a uma cegueira moral e perpetuando seu poder e dominação.

As ideias descritas por Kardec reviviam os ensinamentos de Jesus de Nazaré, mostrando aos indivíduos a importância de sermos bons e justos com nossos semelhantes, isto porque estas atitudes nos auxiliariam em nosso progresso espiritual e em outros momentos da vida. Pelas doutrinas anteriores, os prazeres do mundo eram os grandes ideais dos indivíduos, as posses materiais, as terras, os títulos e as insígnias eram buscadas como forma de prazer e enriquecimento, formas de poder da sociedade da época.

Quando restringimos a vida dos indivíduos a apenas uma única vida, quando não cogitamos a existência de uma vida posterior a existência atual, nos deixamos levar por todos os instrumentos de acumulação e de prazeres materiais, afinal a vida se restringe aos momentos atuais, os prazeres do hedonismo dominam os indivíduos e nos garantem prazeres e mais prazeres, esta era, para a grande maioria dos indivíduos, os ideais da existência humana.

Se vivemos eternamente em momentos e em estágios diferentes, a vida material deve ser encarada como uma nova experiência de progresso do ser humano, uma nova oportunidade de crescimento e de desenvolvimento espirituais onde novas oportunidades e antigas experiências são revividas para que consigamos encontrar o equilíbrio e o progredir, estes sim os grandes objetivos da vida e o caminho para a evolução.

A doutrina dos espíritos vem nos mostrar um mundo muito maior e mais complexo, nos esclarecendo sobre verdades e nos mostrando que o verdadeiro caminho para a melhoria espiritual está na máxima fora da caridade não há salvação, onde devemos compreender a caridade como algo maior e mais consistente, não como muitas a veem, como a doação de recursos financeiros e de valores materiais, esquecendo-se de que a verdadeira caridade é algo muito maior do que esta doação monetária, a verdadeira caridade pode ser feita com palavras, gestos e conversas desinteressadas e estimulantes, quando despendendo tempo para ouvir e esclarecer corações aflitos e solitários.

Os desencarnados retornam ao mundo espiritual, voltam ao verdadeiro local da existência humana, quando retornam encontram situações variadas e individualizadas, a Doutrina Espírita nos mostra que não existe um modelo único de desencarnação, existem regras gerais, mas os méritos e a meritocracia são instrumentos que diferenciam os indivíduos, os que melhor se comportaram na matéria, que mais fizeram pelos semelhantes e mais trabalharam para o bem, recebem mais segundo seus merecimentos agora, aqueles que se afastaram dos caminhos do bem recebem de acordo com seus parcos merecimentos.

As pessoas desencarnadas voltam para o mundo espiritual e com a passagem não melhoram instantaneamente, muitos acreditam que os desencarnados passam deste mundo para um outro melhor, isto nem sempre é uma verdade irrefutável, muitos ao desencarnar passam para o mundo espiritual de uma forma muito pior do que estavam na matéria, muitos vivem uma verdadeira ilusão marcada por riquezas, posses e bens materiais e quando desencarnam acordam em uma situação deplorável e degradante, como encontramos no livro Nosso Lar, escrito por Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito de André Luiz, nesta obra nos deparamos com o relato do médico fluminense que vivia uma vida de conforto e posses materiais e ao desencarnar se depara com uma situação assustadora em uma região fétida e deplorável.

A Doutrina nos mostra que os espíritos são entidades que não mais possuem corpos materiais, o fato de estarem no mundo dos espíritos não os concedem nenhuma capacidade intelectual ou moral superior, são apenas espíritos em uma outra condição de vida, a desencarnação não gera desenvolvimento espiritual em ninguém, a morte física não faz o papel da evolução.

A evolução é uma conquista individual que demanda muito tempo e muita dedicação, reflexão, empenho e reforma íntima são instrumentos centrais para o desenvolvimento do ser humano, a morte é um fenômeno natural e a evolução uma conquista particular e imprescindível que todos alcançaremos, uns mais cedo e outros mais tarde, dependendo do esforço e dedicação de cada indivíduo.

Encontramos muitas pessoas buscando notícias e informações de parentes, amigos e familiares desencarnados, esta atitude é muito saudável e louvável, afinal temos saudade e queremos saber como estão nossos afetos que partiram para uma outra existência, embora saibamos que a desencarnação não conduz ao progresso imediato, muitos familiares oram e buscam auxílio de pessoas recém desencarnadas, acreditando que estes podem auxiliar nos momentos de dores e decepções. A Doutrina Espírita nos mostra que quando retornamos ao mundo espiritual somos nós mesmos, trazemos embutidos na alma os valores e conquistas morais e intelectuais, estas não podem ser tiradas, são conquistas verdadeiras que levamos para todos os momentos de nossa existência.

Todos os indivíduos que desencarnam com sentimentos saudáveis, desprendimento de bens materiais e bons pensamentos, marcados pelos trabalhos no bem e no respeito as Leis de Deus, todos que cultivam a oração e a reflexão edificante, com certeza encontrarão, no mundo espiritual, as energias e os sentimentos compatíveis com seus pensamentos e com a suas condutas individuais, estes irmãos muito brevemente estarão integrados em trabalhos e continuarão suas atividades no mundo espiritual. Ao contrário, todos aqueles que passam para o outro lado da vida, com os corações marcados pelo rancor e pelo ressentimento, muito atrelados aos bens materiais e aos prazeres do álcool e do sexo, com certeza estes irmãos demorarão algum tempo para se libertar destas energias desagradáveis e limitantes, necessitando de oração e bons pensamentos como forma de auxiliá-los no processo de melhoria e de conscientização espiritual.

Todas as vezes que interpelamos familiares desencarnados com problemas particulares, dificuldades materiais ou constrangimentos afetivos, levamos a estes irmãos, energias pesadas e densas, nos deixamos levar por sentimentos menores e transmitimos e estes irmãos desencarnados estas energias e sensações, prejudicando-os muito mais do que imaginamos, embora não queiramos prejudicá-los, nossas energias causam desequilíbrios a estes irmãos. Numa situação como esta devemos evitar os petitórios que fazemos aos irmãos desencarnados, o melhor a fazer nesta situação é nos apegarmos a oração e o envio de boas vibrações, estas devem auxiliá-los em seu progresso e desenvolvimento espiritual.

A oração deve ser uma conduta constante na vida das pessoas, quando oramos e solicitamos o amparo e a proteção de amigos espirituais estamos reconhecendo nossas limitações e fragilidades, no livro Nosso Lar, André Luiz destaca que as poucas orações recebidas em seu auxílio foram fundamentais para que este vencesse seus desequilíbrios e lhe trouxesse as energias necessárias para superar os momentos de dores e dificuldades.

Outro depoimento interessante retratado na literatura espírita está na obra Voltei, neste livro psicografado pelo ilustre Francisco Cândido Xavier, ditado pelo espírito de Frederico Figner, encontramos o autor espiritual descrevendo seu próprio velório, embora um episódio inusitado, percebemos como nos comportamos em um momento de tanta dificuldade, as pessoas se encontram distante das orações e se entregam as conversas desimportantes e as piadas degradantes, todas estas energias são absorvidas integralmente pelo desencarnado, trazendo-lhe energias e sentimentos menores marcados pelo pessimismo, pelo medo e pela insegurança.

Na obra acima, o autor nos mostra como estamos distantes dos sentimentos e das energias edificantes e desenvolvidas, mesmo sendo descrito pelos encarnados como uma pessoa de bem, de boas obras e elevados sentimentos morais, o autor espiritual se encontra em uma situação de medos e preocupações, acreditou encontrar “facilidades” variadas devido a suas obras no plano material, mas infelizmente seu trabalho foi insuficiente para angariar as conquistas que acreditava ser merecedor.

Todos os dias uma grande quantidade de pessoas retornam ao mundo espiritual e uma quantidade elevada retornam ao munda da matéria, estes fluxos mostram a grandeza das obras divinas que nos auxiliam no desenvolvimento constante da sociedade, embora buscamos todos os momentos o crescimento e o desenvolvimento espiritual, para que o angariemos, faz-se necessário nascer, morrer, renascer e morrer novamente, afinal como nos diz Allan Kardec, esta é a verdadeira Lei da vida e da natureza, e todos estamos sujeitos a esta lei para que consigamos evoluir e alcançar o verdadeiro progresso.

A vida nos traz grandes desafios e oportunidades, todos que conseguem compreender as grandes realidades da vida conseguem trilhar caminhos mais sólidos e consistentes, vive melhor e morrem de forma serena e equilibrada, mostrando que a tão falada morte na verdade não existe, mas uma nova vida se abre em um local diferente e com uma maior liberdade e consciência, afinal somos todos seres humanos em constante evolução.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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