Ovoidização, conscientização e crescimento espiritual

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A sociedade contemporânea passa por momentos de grandes instabilidades, estruturas sociais antigas e consolidadas estão passando por mudanças variadas e os indivíduos se encontram assustados, suas referências também passam por crises, levando os indivíduos a incertezas e medos generalizados.

Neste mundo de grandes inquietações, as pessoas buscam a compreensão das dificuldades e ambicionam encontrar novos caminhos, novos conhecimentos e novas oportunidades, transformando suas vidas e entendendo melhor o funcionamento da sociedade, nestes caminhos muitos indivíduos se esbarram em buscas internas e reflexões pessoais, lembrando o mito da caverna, escrito por Platão, cujas informações são ainda imensamente contemporâneas.

Na obra, Platão descreve os esforços feitos para sair da caverna e visualizar a amplitude do mundo externo, as belezas então jamais vistas e as descobertas que levam os indivíduos ao crescimento material e intelectual. Estas descobertas não foram bem vistas pelas pessoas que preferiram se manter presos a caverna, embora o descobridor trouxesse novidades e relatasse a existência de um mundo novo, os nativos o ignoravam, o agrediam e o humilhavam, chamando-o de lunático e excêntrico, deixando claro que muitos preferem, a grande maioria, se fechar em seus mundos particulares e limitar suas visões a uma intensa mediocridade, cujos males serão sentidos durante muitos anos.

Estas descobertas têm caráter libertador e enriquece o ser humano, mostrando-lhe a existência de uma sociedade muito maior e mais complexa, um mundo que não se limita a questões materiais e imediatas. A doutrina Espírita, conhecida por seus adeptos como a terceira revelação, nos traz informações precisas sobre a sociedade e sobre a vida, o mundo que nos envolve, as dificuldades, levando-nos a refletir sobre questões que nos incomodam e que, muitas vezes, não conseguíamos compreender seus motivos e suas explicações.

Um dos pontos que a doutrina Espírita nos mostra de forma clara e consciente, levando-nos a uma reflexão mais consistente é com relação aos sentimentos negativos que mantemos em nossos corações, energias menores que cultivamos e alimentamos durante muitos anos, décadas e até séculos, estes sentimentos nos geram negatividades, limitam nosso crescimento e nos impelem para desequilíbrios generalizados e, mesmo assim, alimentamos e nos comprazemos de mantê-los intimamente.

Neste momento alimentamos mágoas, rancores e os transformamos em ódios, estas energias no corroem por dentro, limitam nossa capacidade de reflexão e fazem com que alimentemos uma monoideia, que acaba se transformando em auto obsessão e, posteriormente, em sentimentos mais agressivos, podendo transformar nosso períspirito, alterando-o formato.

Como no livro Ícaro redivivo, psicografia de Gilson Teixeira Freire, ditado pelo espírito Adamastor, que destaca a história do brasileiro Santos Dumont, nesta obra percebemos que o inventor do avião se sentia muito magoado e incomodado com o baixo reconhecimento que recebeu na sociedade pelas suas invenções, acreditava-se desprestigiado, escanteado, afinal suas descobertas foram muito importantes para a humanidade, esperava ser referenciado e sempre lembrado como um dos maiores inventores da sociedade mundial, coisa que, segundo ele, não acontecia e gerava em seu coração dores intensas.

Apesar de um papel importante na sociedade, Santos Dumont acreditava que merecia mais, esta ideia se transformou em uma grande obsessão na mente deste inventor que passa a cultivá-la intensamente, transformando este pensamento em uma autoobsessão, com o crescimento deste fenômeno, percebemos um ódio crescente contra a sociedade que não o reconhecia como ele acreditava que merecia, este ressentimento se transformou em ódio que, posteriormente, se tornou tão forte e agressivo, que acabou gerando impactos sobre seu perispírito, levando-o a vivenciar o fenômeno da ovoidização.

A ovoidização deve ser compreendida como um fenômeno que transforma o períspirito do indivíduo, alterando seu formato, levando-o a algo parecido com um ovo, este fenômeno acontece porque a pessoa passa a se deixar dominar por sentimentos de ódio, rancores e ressentimenos numa escala intensa, seus pensamentos e comportamentos se direcionam a uma ideia fixa e constante, com isto, os outros órgãos do períspirito perdem sua efetividade, levando-os a perder sua relevância.

O processo de ovoidização acontece em três ocasiões especiais, segundo Suely Caldas Schubert, no livro Obsessão e desobsessão: 1) O homem selvagem quando retorna após a morte do corpo denso, ao plano espiritual, sente-se atemorizado diante do desconhecido; 2) Desencarnado, em profundo desequilíbrio, aspirando a vingar-se ou portadores de um apego vicioso; 3) Os grandes criminosos, os pervertidos, os trânsfugas do dever, ao desencarnar, ver-se-ão atormentados pela visão repetida e constante dos próprios crimes, vícios e delitos, em alucinações que os tornam dementados.

No caso descrito acima, Santos Dummont se queixava de ter sido esquecido, segundo ele, suas descobertas foram fundamentais para o desenvolvimento da humanidade, com isso, esperava um reconhecimento que não veio em vida, com isso, ao desencarnar acabou cultivando sentimentos de vingança, materializando todo seu orgulho. Como o inventor do avião tinha alguns méritos, a espiritualidade intercede a seu favor, mostrando-lhe que, embora suas contribuições tenham sido fundamentais para a humanidade, ele esquecia que na sociedade e nas pesquisas científicas e tecnológicas, as descobertas são coletivas, embora buscasse o reconhecimento para sua obra, esquecia-se de que, muitos outros contribuíram direta e indiretamente para que aquelas descobertas se materializassem, pessoas que desenvolveram pesquisas e experimentos anteriores, além de mecânicos e engenheiros que foram pioneiros nestes estudos, ou seja, uma ampla quantidade de pessoas que se dedicaram a estas descobertas.

A obra nos mostra que todos somos peças constantes de um grande e complexo ambiente, vivemos juntos e evoluímos em coletividade, quando exaltamos nossos méritos e desqualificamos ou esquecemos os esforços empreendidos por outros indivíduos, deixamos claro nossa vaidade e nosso orgulho que, quando o cultivamos em demasia, acabam nos comprometemos intimamente com impactos negativos para nosso períspirito.

Num mundo baseado em constante competição, onde a cooperação perde força e efetividade, onde os holofotes materiais nos atraem de forma variada, somos constantemente estimulados a buscar os ganhos materiais, os recursos financeiros e os reconhecimentos que acreditamos justos e necessários. Muitas vezes estes méritos não são uma exclusividade nossa, somos uma peça de um grande instrumento da Criação, fazemos uma parte enquanto outros atores fazem outras, sendo o produto final uma obra coletiva.

Muitos médicos e cientistas se atribuem poderes de criação, muitos são aclamados e elevados a categoria de deuses, são excelentes profissionais, capacitados e dotados de grandes conhecimentos, embora possuidores de grande capacidade técnica, ignoram que o mundo espiritual os auxilia muito mais do que imaginam, muitas pesquisas são direcionadas por cientistas de outras esferas espirituais, muitas cirurgias são conduzidas por médicos desencarnados, levando-nos a acreditar que, num futuro muito próximo, os médicos serão dotados de mediunidade e perceberam que muito de seus méritos devem ser divididos com o dos médicos do mundo espiritual.

As relações entre os mundos material e imaterial são muito maiores do que as pessoas acreditam, os espíritos nos influenciam muito mais do que imaginamos, estão constantemente ao nosso lado, influenciam nossos pensamentos e nos inspiram ideias, pensamentos e comportamentos, quando temos uma conduta equilibrada e sadia, estes sentimentos são positivos e edificantes, agora, quando nossos comportamentos e energias deixam a desejar, nossos companheiros espirituais são aqueles ainda renitentes nos sentimentos menores.

Construir intimamente sentimentos melhores e mais conscientes nos ajudam na nossa evolução espiritual e nosso crescimento moral, com isso, atraímos companhias de espíritos mais equilibrados que nos protegem das intempéries da vida, a melhor forma de fazermos esta construção é ter sempre a consciência tranquila, adotarmos o hábito da oração e da reflexão crítica sobre nossos atos e comportamentos e nos melhorarmos como seres humanos, auxiliando os irmãos menos favorecidos, levando a todos sentimentos melhores e palavras edificantes, muitas vezes acreditamos que não temos condição de fazer caridade, associamos caridade com doações materiais e esquecemos que a caridade, em sua grande maioria, pode ser feita com uma oração, uma palavra amiga ou com uma atitude caridosa e desinteressada, o simples ouvir o depoimento de um irmão aflito pode servir como uma forma de caridade, neste simples ato muito males podem ser evitados, ainda mais numa sociedade marcada por intensa produtividade material e baixo equilíbrio espiritual.

O livro Ícaro redivivo nos traz informações relevantes sobre nosso comportamento, adoramos ser cultuados, reconhecidos e agraciados com honras e valores monetários, vivemos numa sociedade em que somos impulsionados a nos mostrar todos os momentos em redes sociais, sempre aparecendo felizes, realizados e bem sucedidos, mesmo que esta imagem não seja verdadeira precisamos cultivar e alimentar esta percepção social.

Como nos mostrou o sociólogo Zygmunt Baumann, valemos aquilo que podemos adquirir, nossos valores monetários estão sobrepondo outros valores muito mais sólidos e importantes, desenvolvemos tecnologias de alta geração, viajamos pelo espaço e mergulhamos em mares revoltos mas, infelizmente, postergamos uma viagem mais íntima e pessoal, uma viagem interior que pode nos gerar grandes decepções, emoções e muitas mágoas mas que é fundamental para que consigamos evoluir e entender que os valores da vida são intangíveis e imateriais, nesta jornada de retorno ao verdadeiro local da vida vamos perceber que muitos nobres, reis e autoridades serão colocadas em posições intermediárias, enquanto pessoas mais simples e humildes no mundo material vão se mostrar em evidência e em destaque no mundo espiritual.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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