Gastamos mais como porcentagem do PIB do que a média do clube dos países ricos da OCDE
Renan Pieri – Folha de São Paulo – 17 de maio de 2019.
Nesta quarta-feira (15), manifestações de trabalhadores, alunos e instituições ligadas às universidades públicas se espalharam pelo país contra o contingenciamento de gastos promovido pelo Ministério da Educação em consonância com a área econômica do governo Jair Bolsonaro.
Possivelmente, essas foram as maiores manifestações de rua desde o movimento que, em 2015, antecedeu o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
A história começou na semana passada, quando o ministro Abraham Weintraub anunciou que universidades com mau desempenho sofreriam cortes de gastos de 30% dos gastos discricionários —ou seja, aqueles que não consistem em pagamento de salários, seguridade social, dentre outras despesas obrigatórias da administração pública.
Mas, em linhas gerais, o que faz sentido e quem tem razão nessa história toda? É complicado! O contingenciamento se deve, na verdade, ao fato de o orçamento do governo federal ter sido construído sob uma projeção de crescimento do PIB de 2,5% em 2019.
Como o PIB deve crescer menos de 1,5% neste ano, é natural que o governo faça contingenciamentos (que possivelmente virarão cortes caso a economia não se recupere) nas áreas em que isso é legalmente permitido.
Se fosse uma empresa, o governo faria uma análise de custo-benefício de suas diferentes áreas e, a partir disso, enxugaria o quadro de funcionários das áreas menos produtivas.
Como não é o caso, e a Constituição obriga o pagamento dos benefícios previdenciários e dá estabilidade aos funcionários públicos concursados, resta a redução de despesas discricionárias que se concentram em educação, saúde e gastos sociais.
Espera-se que este cenário de escassez melhore com a aprovação de uma reforma da Previdência, pois isso permitiria que o governo reduzisse os gastos com custeio e aumentasse os investimentos em educação.
Todo esse processo, portanto, poderia ter sido comunicado pelo governo como uma questão contábil. Um assunto duro, mas técnico. Mas não foi o que ocorreu.
Ao anunciar o contingenciamento, o MEC pôs em discussão o desempenho das universidades federais e um suposto dilema entre gastar com educação infantil ou superior. Mas será que gastamos muito em educação?
O Brasil é um país que tem se esforçado para destinar mais recursos à educação. Entre 2000 e 2015, os dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostram que o percentual gasto em educação com relação ao PIB aumentou de 4,6% para 6,2%.
Gastamos mais como porcentagem do PIB do que a média do clube dos países ricos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Entre 2000 e 2015, o gasto por aluno foi de R$ 2.587 para R$ 7.273 (em valores de 2015). Todavia, isso não significa que gastamos muito em educação, pois nosso PIB é menor que o dos países da OCDE.
Segundo os dados da edição de 2015 do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o gasto por aluno no Brasil é menos da metade da média da OCDE. Adicionalmente, o gasto acumulado por aluno entre 6 e 15 anos no Brasil é de somente 42% da média da OCDE.
Se já nos esforçamos para garantir recursos para a educação, a questão está em como alocamos esses gastos. E aí está o problema: gastamos muito mal. O gasto por aluno no Brasil é maior que o de outros países de renda média que têm desempenho melhor que o nosso no Pisa, como Chile e México.
A literatura que estima a relação entre gastos educacionais e desempenho dos alunos nos exames de proficiência nos aponta que os municípios brasileiros que destinam mais recursos para a educação não necessariamente têm melhor desempenho.
Vejamos, por exemplo, o caso de Brejo Santo, município do Ceará. Este teve Ideb igual a 7,9 em 2017. Já o município de São Paulo, que tem PIB per capita cerca de quatro vezes maior que o município cearense, teve Ideb igual a 6,0 em 2017.
Além disso, como bem apontou o ministro Weintraub, nosso gasto é desproporcionalmente maior com educação superior.
Em 2015, gastamos R$ 6.381 por aluno da educação básica, enquanto o dispêndio foi de R$ 23.215 por aluno da educação superior. Em um país onde metade das escolas de educação básica não tem biblioteca ou sala de leitura, parece um contrassenso priorizar a educação superior.
Mas o ministro erra ao colocar o dilema entre gastar com educação básica ou superior. Como sociedade, podemos viabilizar o aumento de recursos para a educação básica discutindo maneiras de reduzir gastos públicos menos produtivos, como os gastos com custeio da máquina pública.
É verdade que R$ 1 gasto em creches tem retorno maior que R$ 1 gasto com um aluno de graduação. Porém, o retorno do dinheiro gasto com educação superior é possivelmente maior do que o da verba alocada para subsídios a grandes empresas ou para o fundo partidário que financia as campanhas políticas.
O contingenciamento também poderia vir acompanhado de propostas que permitissem às universidades aumentarem suas receitas.
Não seria melhor cobrar mensalidades dos alunos que podem pagar e não cortar as bolsas de pós-graduação que viabilizam o avanço da ciência? As universidades não poderiam arrecadar com cobrança por cursos lato sensu e não diminuir os recursos para a manutenção de laboratórios?
São questões que precisam ser colocadas e discutidas. O que não podemos fazer é continuar fingindo que esses dilemas não existem.
Renan Pieri é doutor em economia, professor de economia do Insper e especialista em avaliação de políticas educacionais