A sociedade brasileira está envolta em casos assustadores de corrupção, ineficiência e desmandos com o dinheiro público, num país marcado por tanta pobreza e indignidade, os desperdícios aumentam a pobreza e a degradação social e condena uma parte considerável da população a uma miséria crônica e vergonhosa, apesar de sermos a oitava economia do mundo, estamos nas últimas colocações do ranking quando analisamos questões sociais.
A corrupção sempre foi vista como algo estrutural nesta sociedade, segundo cálculos recentes da transparência internacional, instituição de grande respeitabilidade global que analisa esta questão, desvia-se entre 3 e 5% do produto interno bruto (PIB), recursos estes que poderiam minorar as dores e a degradação das condições de vida de milhões de cidadãos que vivem e se reproduzem nas piores condições sociais possíveis e imagináveis.
Ao analisar este fenômeno da corrupção, percebemos inúmeras vertentes de análise, uma que remonta a história do país um comportamento eminentemente corrupto, onde os portugueses construíram em terras locais uma sociedade baseada em compadrio, clientelismo e patrimonialismo, onde os detentores dos poderes econômicos da metrópole, reproduziam na colônia os instrumentos de controle que eram fontes de poder e manutenção do status quo, nesta sociedade, marcada pelo conservadorismo e pela forte influência do catolicismo, os donos do poder mantinham inúmeros privilégios enquanto os cidadãos normais se limitavam a direitos e benefícios sociais e políticos limitados.
Muitos acreditam que a corrupção que vivenciamos internamente tem suas raízes na colonização de Portugal, com isso, deixam de assumir as responsabilidades da população brasileira, afinal, os portugueses foram embora do Brasil a quase duzentos anos, nestes quase dois séculos de independência o país já deveria ter assumido as suas responsabilidades e tomado as rédeas de seu desenvolvimento econômico, social e político, culpar outros países denota claramente a imaturidade que domina uma parte da elite nacional.
Outro ponto importante para se destacar quando debatemos a corrupção é em relação as críticas feitas por boa parte da população aos homens públicos, vendo neles os verdadeiros exemplos da corrupção e da ineficiência do Estado e das políticas públicas, esta nos parece uma tese incompleta para a compreensão do problema em sua essência, muitos preferem colocar a culpa em outros, atribuir a terceiro os motivos do fracasso da sociedade brasileira, com isso se esquecem da responsabilidade de cada pessoa, se esquecem dos comportamentos corruptos e das atitudes inconsequentes de todos os dias na vivência em comunidade, quando passam no sinal vermelho, quando dirigem acima da velocidade permitida, quando cortam fila ou fingem situações para passar na frente de outras pessoas, quando corrompem o guarda ou fazem propostas indecorosas para conseguir benefícios ou prazeres imediatos, ou seja, nestas situações mostramo-nos intimamente, nos desnudamos e deixamos nítido que, se tivéssemos a oportunidade ou o poder, agiríamos da forma como os políticos agem na sociedade e que nós tanto o criticamos.
A corrupção está presente nos lares da população, desde os anos 70 nos comprazemos com a ideia de que devemos tirar proveito de tudo, de que somos adoradores da Lei de Gerson, o chamado jeitinho brasileiro nos acompanha desde os primórdios do nosso íntimo, somos e nos deliciamos com nossa capacidade de tirar vantagem de tudo. Neste ambiente marcado pela corrupção e pela cidadania reduzida, nos lembramos das palavras e das reflexões do grande jurista Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
A corrupção corrói as estruturas da sociedade, gerando graves desequilíbrios nas estruturas econômicas, sociais e políticas, propala, para toda a sociedade, nacional e internacional, a certeza de que, como disse Charles De Gaulle, grande estadista francês em visita ao país nos anos 60: “O Brasil não é um país sério”. Mesmo rechaçando as palavras do político francês, todos os brasileiros sabemos, na intimidade, que o Brasil precisa passar por um banho de civilização, estamos diante de graves problemas econômicos, políticos e sociais, sem resolver estas questões de cunho moral, dificilmente daremos o salto tão almejado desenvolvimento econômico.
A corrupção perpassa variados grupos sociais, de um lado encontramos um Estado altamente ineficiente, cujos investimentos geram os mais desagradáveis retornos da sociedade global, precisamos caminhar muito em governança, reduzir os desequilíbrios e desperdícios que corroem a renda e geram um rastro de medo, insegurança e incertezas.
A corrupção se associa intimamente com o Estado, no Brasil temos um governo gigantesco, seus investimentos e gastos influenciam imensamente todos os setores econômicos e produtivos, reduzir a atuação governamental em setores marcados pela ineficiência e pelos desperdícios e concentrar sua atuação em setores com menores condições, tanto com relação ao pessoal quanto ao financeiro, garantindo políticas públicas consistentes para que todos os grupos tenham acesso a uma educação inclusiva e de qualidade, que garanta a todos os grupos sociais condições de competir no mercado de trabalho competitivo e altamente individualista.
Destacamos ainda, que devemos rechaçar a tese de que o Estado é corrupto e ineficiente, enquanto os mercados e a iniciativa privada são sempre virtuosos e competentes, Estados e Mercados são agentes centrais para o desenvolvimento do país, se estudarmos a história do desenvolvimento dos países avançados perceberemos que todos eles, no início da industrialização, contaram com o apoio e a participação de políticas industriais ativas lideradas pelos seus respectivos governos, como nos mostrou o esclarecedor livro O Estado Empreendedor, da economista italiana Mariana Mazzucato.
A coordenação entre Estado e Mercado deve ser centrada na transparência, no compartilhamento de decisões e na construção de estratégias claras e consistentes, sem o planejamento conjunto, ainda mais num momento de constante instabilidades e inseguranças, o desenvolvimento econômico e produtivo pode não se efetivar da melhor forma possível, com graves problemas para a coletividade.
Vivemos no Brasil uma situação exemplar, extraordinário e paradoxal, sempre nos caracterizamos como uma sociedade que via a política como um espaço de corrupção e ineficiência, neste mundo a parte os políticos eram o retrato mais nítido e evidente do atraso, os outros setores eram competentes e capacitados, acreditamos nisso durante muitos anos até acordarmos e percebermos que não éramos tão virtuosos como acreditávamos, que os políticos e os homens públicos eram eleitos com os nossos votos, nós os elegíamos mesmo vendo neles um exemplo de ineficiência, despreparo e corrupção.
Outro ponto central para se destacar nesta sociedade é o papel central da educação, além de ser um instrumento fundamental para a melhoria da competitividade e da economia de um país, a educação deve ser vista como um instrumento extremamente relevante para construir cidadãos capacitados e conscientes, não apenas consumidores, ou seja, indivíduos que acreditam que todas as relações sociais dentro de uma coletividade deve ser estruturada dentro das relações comerciais e financeiras, deixando de lado o papel da política como um instrumento de intercâmbio e melhorias sociais e coletivas.
A corrupção é um cancro que degrada toda a coletividade, desvia os recursos que deveriam ser investidos na melhoria das condições sociais e econômicas, gerando mais e melhores empregos e capacitando os trabalhadores para os desafios do mundo globalizado, a corrupção denigre a política e os homens públicos criando e disseminando a máxima “políticos são todos iguais”, com isso, contribui para a perpetuação das condições de iniquidade e desajustes e impulsionando a visão deletéria de que devemos ser, cada vez mais, individualistas, pensarmos primeiro em nossos mais imediatos interesses e depois, muito depois, pensarmos nos interesses de nossa coletividade.
O Brasil precisa combater efetivamente as causas da corrupção, para que isso seja feito, faz-se necessário a construção de estratégias consistentes que abarquem todos os poderes da República, a corrupção que assusta a coletividade está encravada em todos os poderes não apenas o executivo e o legislativo, como muitos querem passar a impressão, a corrupção está gangrenando dentro do judiciário e dentro do ministério público, a corrupção está dentro do mercado financeiro, dos grandes bancos, das corretoras e de outros agentes independentes, a corrupção se alastrou por todas as instituições do Estado Nacional, combater a corrupção é bradar que se está fazendo uma ampla limpeza no país, sem se aprofundar nas entranhas do judiciário e do sistema financeiro, os resultados serão sempre limitados e limitadores.
Depois de vários escândalos nos últimos vinte anos, vamos nos restringir a este período histórico, desde os anões do orçamento, a compra de votos para a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, o mensalão, o petróleo e agora a Lava Jato, muitos inquéritos foram abertos, muitos escândalos foram revelados e muita podridão nos foi mostrada em cadeia de rádio e de televisão, mesmo diante destes escândalos, muitos políticos e empresários foram presos, humilhados e suas imagens foram destruídas mas, neste período poucos foram efetivamente condenados e muitos deles, através de delações premiadas já estão em liberdade, sendo que alguns voltaram a delinquir.
A corrupção se manifesta de forma diferente na sociedade contemporânea, a pior forma de corrupção é a corrupção do caráter, a corrupção da moral, esta forma está em ampla ascensão na sociedade, pessoas que conhecem a situação social, intelectuais e homens públicos que se vendem em troca de recursos amoedados, garantindo uma vida de prazer, dinheiro, bens e hedonismo, pesquisadores que vendem descobertas científicas que degradam a vida de milhões de pessoas, destroem as bases da sociedade, se esquecendo dos graves impactos e consequências de suas decisões, com isso, percebemos uma sociedade em alta ebulição, marcadas por crises e desequilíbrios crescentes.
A discussão sobre a corrupção é uma conversa muito mais complexa do que as pessoas imaginam, conversar sobre este tema é refletir sobre as desigualdades que reinam na sociedade, falar sobre corrupção é conversar sobre as formas de educação que estão sendo vendidas nas escolas e nas universidades, falar sobre a corrupção é adentrar na discussão de como as empresas e os empregadores tratam seus funcionários ou como exigem os gestores, os colaboradores, esta discussão é muito pouco comentada na sociedade, esta discussão não interessa apenas aos donos do poder e, sendo assim, esta discussão não aparece nos jornais, nas revistas e nos sites de notícias, aparecem apenas na mente e nos lábios dos professores que ousam pensar e refletir, ou seja, uma pequena e ínfima minoria.
Quando escrevi a minha tese de doutorado, o assunto escolhido foi a corrupção e os custos econômicos para a coletividade, naquela época nos deparamos com as investigações relacionadas ao mensalão, concomitantemente estudava o começo dos anos 90, quando o governo Fernando Collor de Mello sofreu impeachment e foi acusado de corrupção generalizada, nesta época lia os artigos de teóricos e políticos importantes, todos revoltados com a situação de corrupção do país, para minha surpresa, anos depois, estes mesmos que gritavam e bradavam contra a corrupção, estavam no centro das investigações justamente por corrupção e desvios de recursos públicos, neste momento me vinha a mente de forma veemente uma fala do teórico alemão, tão criticado no Brasil contemporâneo Karl Marx: A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.