Morte e o morrer:  medos, tabus e os dilemas da humanidade

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Um dos maiores medos do homem e da civilização humana está associado à morte, todos sabemos que estamos condenados a perecer mas, constantemente, ficamos apavorados e amedrontados com a chegada deste momento que gera tanto desespero nos indivíduos e nas coletividades, levando muitos indivíduos a desequilíbrios intensos e frenéticos.

Desde os primórdios da humanidade, o ser humano vem se debatendo com a possibilidade da morte, tribos indígenas e culturas orientais constroem verdadeiros rituais para homenagear seus mortos e fazer com que estejam todos vivos na mente e no imaginário da sociedade, mesmo assim a morte causa repulsa e desespero em muitos indivíduos, somos racionais e nos julgamos modernos, mas ainda temos medo daquilo que pretensamente não conhecemos, digo pretensamente porque, segundo o conhecimento espírita, nascemos e morremos muitas vezes.

As religiões apresentam visões diferentes da morte, umas acreditam que o indivíduo quando morre passa a viver ao lado de Deus, outros acreditam que vamos mergulhar em um sono intenso, acordando apenas no dia do juízo final, neste momento seremos julgados por nossos atos na vida física, se formos absolvidos ganharemos o reino do céu agora, se formos condenados seremos expurgados para os locais de desesperança, rancor e desequilíbrios.

A doutrina espírita apresenta uma visão muito particular sobre a morte, para os espíritas a morte não existe, somos espíritos e estagiamos no corpo material como um instrumento de depuração e crescimento, nascemos e morremos inúmeras vezes para nos melhorarmos como seres humanos, desenvolvermos nosso desprendimento e nossos valores mais íntimos e pessoais, a vida no corpo material funciona como uma grande escola de aprendizados e ensinamentos onde aprendemos os verdadeiros sentidos da palavra amor.

Muitos questionam o porque não nos lembramos de nossas existências anteriores, se tivéssemos a possibilidade de lembrar as nossas vidas pregressas, poderíamos evoluir de uma forma mais rápida, argumentam estes indivíduos. A doutrina dos espíritos estimula o livre pensamento e aceita bem estas colocações mas acredita que, dentre os motivos de não lembrarmos de nossas vidas anteriores, é que não saberíamos como reagir a descobertas intimas e pessoais assustadoras, se vivemos inúmeras vezes e nestas experiências acumulamos muitos afetos, amores e sentimentos nobres, em contrapartida, acumulamos ainda, inúmeros desafetos, desamores e sentimentos menores, nas vivências passamos por muitas coisas e a lembrança efetiva poderia nos gerar graves constrangimentos morais, físicos e psicológicos.

Para o espiritismo as vivências são oportunidades sublimes de crescimento e de melhorias comportamentais e para o desenvolvimento de sentimentos e pensamentos mais avançados, deixando de lado uma vida marcada por desejos e buscas materiais e hedonistas e sua substituição por sentimentos e vivências mais intensas e estimulantes, com crescimento e desenvolvimento espiritual, nossa passagem pelo mundo espiritual tem este objetivo, crescer e se melhorar continuamente, afinal, esta é a lei de Deus, a lei natural que rege a sociedade e todos estamos naturalmente sujeitos a ela.

Vivemos em uma sociedade muito materializada, os valores do dinheiro e do poder material domina as mentes e os corações incautos, estamos nas afastando de Deus e as religiões tradicionais estão se deixando conduzir por interesses mesquinhos e, cada vez mais, marcados pelo materialismo, o dinheiro como meio está se tornando um fim para muitas sociedades e os excessos estão surgindo de forma acelerada, neste ambiente estamos tendo que conviver com um forte crescimento tecnológico em consonância com graves desajustes íntimos dos indivíduos, depressão, ansiedade, transtornos generalizados e suicídio são males modernos que estão afetando a todos os indivíduos e coletividades.

Neste mundo dominado pelo prazer material, pelo imediatismo e pelo hedonismo, somos impulsionados a gozar a vida todos os momentos, nos despindo do futuro e nos entregando ao gozo imediato, quando desencarnamos e percebemos que ainda nos encontramos vivos, somos acometidos de uma grande frustração, os momentos perdidos em farras e em prazeres sensoriais passam a nos cobrar a ausência de obras edificantes, quando acordamos estamos em situação de desespero e desesperança, marcados pelo medo e pela intensa decepção.

Outro ponto importante para se destacar, grande parte daqueles espíritos que desencarnam, desconhecem a sua nova situação, percebem algumas mudanças em suas vidas mais relutam em aceitar que desencarnaram, acreditam ou querem acreditar que o mal estar é algo temporário, com isso geram constrangimentos intensos em seus familiares e postergam esclarecimentos que são cruciais para sua nova condição de vida.

A morte é uma grande incógnita para a sociedade mundial e para o indivíduo particularmente, todos ouvimos desde pequenos que a morte é certa, a hora é que é incerta.   Esta frase representa uma grande verdade, sabemos que um determinado momento iremos passar para um outro mundo, este conhecimento nos parece inscrito no interior de cada um de nós, são informações que estão inseridas em nosso corpo espiritual e levamos para todo sempre.

Muitos acreditam que quando o indivíduo morre, ele parte desta vida para uma melhor, apesar de ser uma frase repetida exaustivamente pela sociedade e muitos acreditarem, os espíritas acreditam que existe uma inconsistência muito forte neste pensamento, muitos ao desencarnarem partem desta vida para locais muito piores, assustadores e infelizes, marcados por dores intensas, gemidos ensurdecedores e um cheiro insuportável, para muitos se trata do inferno agora, para os espíritas, o local é conhecido como umbral, local este imortalizado na obra clássica de André Luiz, Nosso lar.

            Existem vários equívocos sobre a morte que foram construídos pela sociedade desde seus primórdios, dentre elas,  que a morte torna a pessoa mais sábia, incrementa seus conhecimentos e as exime de seus erros ou equívocos anteriores, diante disso, todos que partem para o mundo espiritual devem ser lembrados com carinho e com atenção, os familiares e amigos daqueles que “partiram” devem orar constantemente e guardar sempre um respeito e um pensamento positivo de sua memória, como forma de auxiliá-lo em sua nova condição de vida e em seu aprimoramento espiritual.

Muitos fazem inúmeros pedidos para seus familiares e amigos desencarnados, pedem ajuda para superar momentos de dificuldades e estão, constantemente, solicitando a presença do desencarnado, estas atitudes geram severos constrangimentos no recém desencarnado, criando neste graves desequilíbrios e desajustes. Muitos desencarnados, ou ouvirem os pedidos e os choros de seus colegas ou familiares desencarnados entram em desespero querendo auxiliar, muitos deixam suas colônias e retornam ao mundo material com o intuito de amparar, infelizmente nesta atitude acabam causando maiores desequilíbrios e constrangimento aos colegas encarnados, gerando processos constantes de desequilíbrios mútuos e obsessões severas.

            Para muitos a morte assusta porque leva o indivíduo a um local desconhecido, com o conhecimento espírita a sociedade passou a conhecer melhor o significado da morte, destacando a vida no mundo espiritual, as vivências do espírito, as atividades desenvolvidas e os sentimentos que os dominam, deixando claro a existência de um verdadeiro espaço de interdependência entre os indivíduos encarnados e desencarnados, todos convivendo lado a lado, sofrendo as dores e gozando os prazeres da convivência compartilhada.

A Doutrina Espírita nos descortina a existência da morte, somos espíritos estagiando em corpos materiais, reencarnamos lado a lado para progredirmos coletivamente, nesta convivência nos encontramos debaixo dos mesmos lares como familiares, recebemos como filhos desafetos de outras existências físicas e nos embrenhamos em relacionamentos com pessoas conhecidas de muitas existências como forma de nos depurarmos de desajustes e desequilíbrios anteriores, onde ofendemos e fomos ofendidos, onde agredimos e fomos agredidos, onde matamos e fomos mortos, num espiral incrível regido pela espiritualidade maior em busca de um progresso que será alcançado por todos, indistintamente.

Ao desencarnar nos deparamos com nossas virtudes e nossos equívocos, quando acordamos no mundo espiritual vamos perceber como foi nossa existência no corpo físico, se formos para locais ermos, mal cheirosos e violentos, pode ter certeza que sua construção na matéria foi deficiente agora, se ao acordar pudermos nos enxergar em locais mais sublimes, acompanhados por pessoas mais equilibradas e serenas, nossos passagem no mundo da matéria foi exitosa e os frutos destes merecidos êxitos serão colhidos intensamente.

Na coleção  A vida no mundo espiritual, ditada pelo espírito André Luiz ao médium Francisco Cândido Xavier, os espíritos nos mostram que quando retornam ao mundo espiritual se entregam ao trabalho estimulador, servir aos irmãos mais necessitados, estudar as leis da natureza e se entregar ao conhecimento libertador auxilia e abre espaço para um crescimento continuado e edificante, para aqueles que se veem na ociosidade no mundo espiritual, o pós morte pode ser algo frustrante e decepcionante.

O crescimento deve ser visto como um esforço pessoal e individual, todos podemos e devemos crescer e nos desenvolver, nos melhorarmos como espírito, agregarmos conhecimento e buscarmos uma evolução constante, para isso somos auxiliados por missionários espirituais, irmãos dedicados que se entregam ao melhoramento contínuo. Um exemplo sempre presente nas obras iluminadas da doutrina espírita, é o caso de Segismundo, contida no livro Missionários da Luz, da lavra de André Luiz em parceria com o médium Francisco Cândido Xavier, depois de muitos desequilíbrios e desajustes na vida anterior, onde cometeu as mais severas insanidades, no mundo espiritual, depois de muitas dificuldades, tomou consciência de seus desajustes mais intensos, trabalhou intensamente, se dedicando de corpo e de alma para o auxílio dos irmãos sofredores e, com isso, conseguiu angariar virtudes e inúmeros créditos para uma verdadeira transformação moral e espiritual, que possamos acompanhar a experiência deste espírito abençoado e iluminado.

Numa sociedade marcada por intensa violência, como a que vivemos na atualidade, muitos irmãos estão retornando ao mundo espiritual em condições difíceis, exigindo dos trabalhadores da imortalidade uma vigília constante na sociedade, estes trabalhadores se desdobram no processo de orientação e auxílio para os recém chegados, amparando e auxiliando neste momento que, embora acreditem ser inéditos, são momentos vividos por todos os indivíduos inúmeras vezes nas mais variadas existências que todos experienciamos.

A morte é um momento doloroso para muitos, ainda mais quando somos separados daqueles que amamos intensamente, nestas separações somos tentados a bradar contra Deus, a xingar e a ofender, como se desta forma pudéssemos colocar pra fora nossa ira e nosso ressentimento, embora muitas vezes não entendamos os verdadeiros motivos da separação, a verdadeira fé nos leva a acreditar nos desígnios divinos, nestes momentos passamos a compreender que, na verdade, somos muito pequenos e insignificantes, conhecemos muito pouco da vida e estamos no mundo para crescer e as perdas são instrumentos importantes para compreender a justiça divina.

Diante do exposto acima, percebemos que a morte não mais existe como acreditamos, a doutrina codificada por Allan Kardec nos auxilia na compreensão dos verdadeiros ideais do mundo e da sociedade, mesmo assim sabemos que, com nossa insignificância e pequenez, temos muitas experiências para viver neste mundo e muitas perdas para computar em nossa trajetória de crescimento e de melhoramento espiritual.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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