Adriano Calsone, autor do livro Madame Kardec

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Adriano Calsoni

Olá Adriano, desde já agradecemos pela atenção e presteza em nos responder a algumas perguntas a respeito do livro espírita “Madame Kardec” que foi recentemente lançado.

Agradeço muitíssimo a confiança em nosso livro Madame Kardec, ciente de que estamos apresentando, aos leitores do Clube do Livro Letra Espírita, uma literatura genuinamente espírita e de qualidade.

A seguir algumas perguntas formuladas por nossa equipe com base nas curiosidades dos nossos leitores sobre a obra literária em comento.

Quando você tornou-se espírita e como descobriu o dom de escrever livros? Por que optou por escrever obras espíritas?

Me tornei espiritista nos anos 2000, na época da faculdade. Foi uma situação bastante inusitada, pois “desafiei” os espíritos a me transmitirem uma comunicação mediúnica na biblioteca da universidade. Daí, eu apanhei uma caneta e um pedaço de papel e me concentrei com muito ceticismo para um transe mediúnico – sem saber ao certo o que estava fazendo. Foi quando a minha mão direita (involuntariamente) começou a se movimentar e a escrever um pensamento muito diferente do meu. O acontecimento mecânico me chocou por horas. Ao sair da universidade, passei numa papelaria e comprei telas e tintas, e o ato se repetiu com muito mais intensidade. Em casa, logo me chamaram de médium e fui orientado a procurar a Federação Espírita do Estado de São Paulo. Permaneci nessa Instituição por quatro anos, fazendo os cursos de evangelização e de educação mediúnica. Minha chegada no Espiritismo foi assim: um misto de curiosidade com desafio.

Não enxergo, necessariamente, o ato de escrever livros como um dom. Vejo mais como uma paixão pela literatura espírita de qualidade, reforçada por uma entrega desinteressada em prol da Doutrina-Luz. É o que venho fazendo e é o que vem funcionando, sem pretensão alguma, em nome da verdade mais próxima da verdade.

A opção por escrever obras espíritas surgiu em 2002, quando senti a necessidade de se pesquisar sobre a pintura mediúnica que vinha exercendo à época, pois eu tinha muitas dúvidas sobre essa mediunidade. Foi aí que surgiu o nosso primeiro livro, Pintura Mediúnica – A visão espírita em ampla pesquisa (Mythos Books), coletânea espírita que nos facilitou o acesso à participação na primeira pesquisa científica mundial sobre pintura mediúnica e neuroimagem, que aconteceu em 2013, na Universidade de Aachen, na Alemanha.

Qual foi a sua principal motivação para escrever o livro “Madame Kardec” e o que pretende transmitir ao leitor?

A principal motivação surgiu ao constatarmos que a biografia de Amélie-Gabrielle Boudet estava completamente apagada dos anais do Espiritismo mundial, e que os espíritas haviam se esquecido da importância que a esposa de Allan Kardec exerceu na Doutrina Espírita, seja como espírita empreendedora, seja como a continuadora do legado espírita deixado pelo seu marido. Por meio de nossas pesquisas, fomos descobrindo que desapareceram (propositalmente) com a história de Amélie, ou seja, ocultaram a sua biografia num descaso sem tamanho. Tudo por conta dos interesses escusos de um grupo de “amigos” de Allan Kardec, os que se sentiram incomodados com as muitas iniciativas espíritas de Amélie. Em verdade: quiseram riscá-la do mapa do Espiritismo, mas não conseguiram…

O que pretendemos transmitir ao leitor, por meio da obra Madame Kardec é, justamente, a relevante militância da mulher mais importante do Espiritismo francês do século 19. Madame Kardec, como empreendedora inteligente, soube conduzir o legado espírita de maneira exemplar, cuidando da imagem póstuma de Allan Kardec e preservando as dez obras fundamentais do Espiritismo, principalmente contra as deturpações em seus originais, que se tornaram uma sorrateira ameaça.

Talvez, o principal destaque do trabalho discreto de Amélie está na defesa de nossa Doutrina. Ele teve que enfrentar os muitos “reformadores” sincréticos de plantão, que desejavam imiscuir teorias e sistemas esdrúxulos na água potável do Espiritismo. Muitas dessas enxertias
atentavam contra os preceitos espíritas, como fora o caso dos conceitos roustenistas e teosóficos (ambos aceitam, por exemplo, a retrogradação dos espíritos por meio da metempsicose), concepções que surgiram com a pretensão de “atualizar” a Doutrina ou mesmo “modernizar” Allan Kardec. Um aspecto contraditório nisso tudo foi que os próprios “espíritas” franceses consentiram essas aproximações difamatórias, o que ocasionou um fenômeno irreversível de cisão que, infelizmente, vem se repetindo nos dias de hoje, dentro do sincrético Movimento Espírita Brasileiro. Enfim, o passado espírita se repete…

Como foi realizada a elaboração e o desenvolvimento da obra? Houve orientações da Espiritualidade? Em caso afirmativo, poderia nos contar como ocorreram?

Madame Kardec é um trabalho de pesquisa espírita, não se trata de romance ou obra de ficção. Procuramos compor uma leitura leve e agradável, indo direto aos assuntos, sem rodeiros. O livro levou cinco anos para ficar pronto, haja vista a enorme dificuldade que encontramos para localizar, no Brasil e no exterior, fontes primárias e secundárias (inéditas) sobre a esposa do mestre. Tudo foi muito difícil, pois os historiadores espíritas do passado nos fizeram o grande favor de estilhaçar a biografia de Amélie, tendo nós, na atualidade, que juntar esses cacos biográficos, a fim de preservarmos a história que quase se apagou e o trabalho espírita de nossa biografada.

No decorrer das pesquisas, descobrimos a existência de Madame Berthe Fropo, mulher forte que fora amiga íntima de Amélie, e que a ajudou na manutenção da coerência doutrinária depois da morte de Allan Kardec. Durante a escrita da nossa obra, pressentimos, por diversas vezes, a aproximação do Espírito Fropo, nos sugerindo orientações sobre os caminhos literários que a biografia de Madame Kardec podia tomar. Inclusive, é da valente Fropo a belíssima mensagem espiritual que abre a nossa obra, psicografada pela médium Sandra Carneiro, de Atibaia-SP.

Mensalmente são lançadas dezenas de obras espíritas, mas poucas alcançam tanta repercussão como “Madame Kardec” está tendo nas redes sociais. Você esperava tamanha repercussão?

Acredito que a nossa obra vem ganhando tal repercussão por conta do ineditismo da pesquisa biográfica sobre Madame Kardec, como também pelo trabalho editorial realizado pela Vivaluz Editora Espírita. Eles produzem livros espíritas como obras de arte, com projetos gráficos impecáveis, como deveria ser toda obra espírita, pois os nossos leitores merecem um produto de alta qualidade.

O nosso trabalho alcança popularidade porque há nele muitas verdades, revelando uma Madame Kardec em sua plenitude. A obra não engana os seus leitores com distorções historiográficas, muito menos maquia os fatos espíritas do passado, já que é dever de todo historiador não ser conivente com falsários e exploradores que se passam (até hoje) por “benfeitores” do Espiritismo francês. Enfim, o livro deposita valores espíritas em quem realmente os merece: Madame Kardec, Berthe Fropo e Gabriel Delanne são exemplos de espíritas merecedores desses valores, principalmente pela vigilância redobrada na coerência doutrinária – em respeito ao legado espírita que Allan Kardec nos deixou.

Madame Kardec é considerada uma das figuras femininas mais importantes para a história do Espiritismo que em modo geral sempre teve homens como grandes expositores. Como você vê a relevância da mulher à frente da Divulgação Doutrinária?

Vejo como atos de conquista e persistência femininas. Hoje, nos encontramos num cenário muito diferente, onde a mulher espírita tem liberdade e voz ativa, é escritora respeitada, conferencista competente, dirigente eficiente e até vice-presidente de instituições espíritas respeitadas, como é o caso atual da Federação Espírita Brasileira. Sou otimista em acreditar que, em menos de uma década, uma mulher assumirá a presidência da FEB, posição secular que até hoje foi absorvida apenas por homens. Tempos atrás, essa presença feminina em cargos importantes no meio espírita nacional ou internacional era muito subjetiva e, no Espiritismo francês do século 19, pouco provável, também por conta dos preconceitos de gênero.

Fizemos um levantamento para descobrir quantas mulheres espíritas francesas frequentaram a antiga Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, presidida por Kardec nos idos de 1860. Descobrimos que não passavam de meia dúzia. Na década de 1880, esse número subiu para uma dúzia de militantes, diante de centenas de sócios homens, muitos desses, machistas e com ideias preconcebidas sobre como deveria se comportar a mulher na sociedade francesa.

Amélie-Gabrielle Boudet foi rara exceção entre as mulheres espíritas francesas, sempre respeitada pelo marido Allan Kardec, que compreendia muitíssimo bem a sua importância. Isso deixou de acontecer quando Kardec desencarnou, depois de março de 1869. Viúva Kardec, acabrunhada, passou a ser extremamente desrespeitada por aqueles mesmos “amigos” íntimos do mestre, sendo, inclusive, assediada moralmente pelo seu mandatário, o senhor Pierre-Gaëtan Leymarie, que foi o braço direito do mestre. Leymarie, como teósofo e roustenista convicto, sentiu-se “o sucessor de Kardec” sem o ser, o que o levou a subestimar as iniciativas espíritas da idosa viúva, a ponto de ignorá-la completamente como a responsável pela Revista Espírita, pela Livraria Espírita e demais ações que criou e desempenhou, onde seguia como a detentora do legado kardeciano. Infelizmente, encontramos algumas citações de fontes confiáveis sobre o assédio moral praticado por esse sincretista, o que levou a lúcida Amélie a um rápido adoecimento, como relatamos minuciosamente em nosso livro. Inclusive, as tristes circunstâncias da morte de nossa biografada têm muitíssima relação com essa montanha de descaso e assédio moral.

Como você vê o Movimento Espírita Brasileiro na atualidade com a expansão da literatura espírita?

A literatura genuinamente espírita sempre será o maior patrimônio da nossa cultura espírita. O que vemos hoje, no Movimento Espírita Brasileiro, é uma enxurrada de literatices se passando por espírita. São as abusivas pseudo-literaturas espíritas de baixíssima qualidade, até mesmo como literatura espiritualista.

Há um compromisso importante que o leitor espírita, ou simpatizante da literatura espírita, deve assumir como confrade consciencioso: ler de tudo que pousar em suas mãos, mas prezando sempre a qualidade doutrinária em Kardec. Isso equivale a dizer que as obras que contradizerem os preceitos espíritas devem ser compreendidas como literaturas não espíritas, e que essas não deveriam ser vendidas em livrarias espíritas, não deveriam ser aceitas em bibliotecas espíritas ou mesmo em feiras do livro espírita. Neste sentido também, sempre haverá a necessidade de seleção editorial rigorosa por parte dos dirigentes e/ou responsáveis por departamentos vitais nas casas espíritas. O que vem acontecendo ultimamente é uma verdadeira inversão de valores: obras não espíritas se passando por espíritas e sendo aceitas no Espiritismo sem critério algum. Isso incorre numa incoerência coletiva: a de estarmos sendo coniventes com esses rasos literatismos, permitindo a adoção e a prática de seus conceitos ou sistemas que impugnam o que já foi estabelecido como preceito espírita pelos espíritos superiores nas obras fundamentais da Doutrina Espírita.

Por fim, não façamos do incorruptível Espiritismo caricatura grosseira, permitindo a infiltração dos caracteres maléficos dessas literatices oportunistas.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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