Mundo perigoso, violento e de perspectivas sombrias

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Vivemos em uma sociedade marcada por grandes medos e desesperanças, de um lado uns milionários ou melhor, bilionários, vivendo de forma nababesca, ganham recursos de forma rápida, na maioria das vezes com o preço de suas ações e de títulos públicos, se fecham em condomínios fechados, moram em casas suntuosas, seguranças disfarçados, luxo, ostentação e hedonismo são as marcas destes indivíduos, seus gastos diários correspondem aos recursos que os grupos mais fragilizados ganham durante anos, uma sociedade onde as classes médias estão desaparecendo e dois extremos surgindo, os muito ricos e os muito pobres.

Esta nova organização social ainda está sendo construída, de um lado percebemos a destruição e a violência intensa dos países desenvolvidos, fenômenos anteriormente restrito aos países pobres e subdesenvolvidos, hoje se tornou rotina em países desenvolvidos e estruturados, como a França, que recentemente se viu acossada por revoltas e destruições nas ruas, vandalismo e destruição em massa, com saques e roubos no cair da tarde, as reivindicações são as mais variadas, desde os aumentos constantes nos preços dos combustíveis que reduzem o poder de compra da população até os mais variados medos de um futuro próximo, descrito como sombrio, nebuloso e de desesperança.

Nas décadas anteriores vivíamos em uma sociedade mundial marcada por países ricos e pobres, os primeiros eram os grandes beneficiários das benesses da civilização, nestes países a produtividade era alta, os recursos eram abundantes, os serviços públicos eram de excelência e o bem-estar da população era garantido. Nos países mais pobres ou subdesenvolvidos, a situação era diferente, os serviços prestados pelo poder público deixavam muito a desejar, a produtividade dos trabalhadores era alta e as condições sociais eram bastante negativa.

Com o avanço do século XX, percebemos o surgimento de uma nova organização social, a economia passou a ser o centro das atividades produtivas, a política se transformou em refém das decisões econômicas e todo o espectro social se alterou imensamente, era a economia dando as cartas na sociedade, transformando tudo em instrumentos de acumulação, o poder do dinheiro destruía as bases da sociedade e corrompia todas as estruturas sociais, criando uma nova sociedade marcada pelo lucro, pela produtividade e pela busca constante por acumulação, nesta nova sociedade se compra de tudo, desde as mercadorias mais sofisticadas até os prazeres do sexo e do amor verdadeiro, isto mesmo, no mundo contemporâneo compramos até amor verdadeiro.

Com o crescimento do poder da economia, as pessoas são obrigadas a trabalhar todos os dias e horários, se dependessem dos empresários as empresas estariam abertas 24 horas por dia, para este poder dominante da sociedade o trabalho é fonte criadora, apenas esquecem de destacar que numa sociedade onde os trabalhadores trabalham diuturnamente, as famílias perdem seus referenciais e as relações familiares se degradam intensamente, abrindo novos espaços para o avanço da criminalidade, da violência e do banditismo. Não estamos condenando o trabalho e colocando-o no centro dos problemas da sociedade, apenas estamos refletindo sobre o excesso de trabalho, o acúmulo de metas agressivas e a redução do tempo e das relações entre pais e filhos, menos exemplos em casa os adolescentes são facilmente recrutados para atividades paralelas, esta sim está no centro da desagregação e do incremento na violência urbana em curso na sociedade.

Regiões mais desenvolvidas do mundo, como Europa, América do Norte e Japão, viram seu poderio econômico perder força com a nova organização produtiva global, uma nova geopolítica passou a dominar a sociedade global, empresas das regiões mais avançadas migram intensamente para regiões mais pobres e subdesenvolvidas, esta migração objetiva a construção de novos mercados consumidores e a exploração da mão de obra barata destes países, este fluxo econômico e financeiro, num primeiro momento é bem vindo e exaltado por todos, afinal geram empregos e novos investimentos, angariando um incremento da renda, dos salários e do desenvolvimento econômico, mas posteriormente geram instabilidades e incertezas variadas, isto porque estes conglomerados acumulam poder econômico e uma gigantesca força política, influenciando o poder político, fragilizando e colocando em xeque as bases da democracia representativa.

As novas empresas levam também o poderio econômico e político de seus Estados Nacionais, são estes que abrem as portas através de negociações comerciais e financeiras para a instalação destes conglomerados em solos estrangeiros, esta parceria foi muito importante para a internacionalização destas organizações e para o fortalecimento da chamada globalização, cujos malefícios hoje nos parecem mais claros e os benefícios, embora muitos, estão sendo esquecidos e sobrepostos pelas dificuldades do momento.

Depois de mais de trinta anos de crescimento econômico e melhorias sociais inquestionáveis, os anos 1980 nos trouxeram grandes inquietações e preocupações, as corporações ganharam força e poder político, com isso, passaram a dominar as sociedades e traçar estratégias de dominação e cooptação, com seu poder em ascensão e o enfraquecimento dos Estados Nacionais, estas instituições passaram a comandar um novo modelo de capitalismo, mais financeiro e imediatista, onde o lucro crescente, as metas exigentes e os ganhos constantes se transformaram no novo mantra da sociedade internacional.

Nesta nova sociedade, percebemos os impactos crescentes sobre os trabalhadores, de um lado a tecnologia transforma os postos de trabalho, diminuem a contratação e reduzem os salários, obrigando os trabalhadores a salários cada vez menores e jornadas maiores, toda e qualquer reclamação pode, simplesmente, levar a demissão, obrigando-o a trabalhar, trabalhar e trabalhar… até o final de suas forças físicas e emocionais. É neste ambiente, que percebemos um crescimento dos desequilíbrios psíquicos e emocionais, pesquisas recentes destacam que as pessoas estão sofrendo de problemas psiquiátricos com maior frequência, o trabalho exacerbado, as metas inatingíveis e as cobranças desmesuradas estão levando uma parcela cada vez maior dos trabalhadores para os consultórios de psicólogos e para as clínicas psiquiátricas, são verdadeiros zumbis que para enfrentar mais uma jornada exaustiva de trabalho precisam se dopar, com medicamentos e drogas tarjas pretas, sem estes o destino final ou é o manicômio ou o cemitério, isto sem falar no crescimento nos índices de suicídio, somente no amo passado tivemos mais de 800 mil pessoas que se suicidaram no mundo, um número em torno de um suicídio a cada 40 segundos.

Os movimentos ocorridos na França neste final de semana retratam que as dificuldades não estão limitadas apenas aos países em desenvolvimento, depois de um período de forte crescimento econômico e uma ampla melhoria em suas condições de vida, a população dos países desenvolvidos percebeu uma queda considerável em seu padrão de vida, sua renda vem sofrendo uma forte redução nos últimos vinte anos, tudo isto gerou grave descontentamento político e social, levando a população a novas reivindicações e demandas que não estão mais sendo respondidas a altura pelo Estado Nacional e por toda a classe política destes países, o grande risco está na demonização da política, sem ela o que sobra é a lei do mais forte, e nesta os grandes sempre levam vantagens.

Nos Estados Unidos os movimentos e as perspectivas sociais não são mais animadores que os ocorridos na França, a vitória de Donald Trump para a presidência em 2016 mostrou uma forte insatisfação de grupos que estão, nos últimos anos, sendo alijados do poder e vendo sua renda, seus recursos e seus rendimentos serem reduzidos, seu status quo diminui e seus medos com relação aos produtos estrangeiros e aos indivíduos que chegam de outros países crescem de forma acelerada, alimentando grupos de direita e setores mais reacionários da sociedade.

Com a integração das economias e o crescimento dos blocos econômicos, o fortalecimento dos conglomerados transnacionais, os Estados perderam força política e poder econômico, ao mesmo tempo que as demandas sociais da comunidade cresceram de forma acelerada, a competição desenfreada e a busca constante por lucros e rendimentos geraram um incremento no desemprego e uma queda na renda agregada da economia, tudo isto impactou sobre as receitas dos governos e, ao mesmo tempo, pressionou seus gastos, levando a um incremento na dívida pública e a uma maior dependência dos mercados para financiar estes gastos adicionais e constantes, o resultado disso tudo é que a maior parte dos Estados Nacionais estão presos aos mercados financeiros nacional e internacional, suas dívidas crescem de forma acelerada e grande parte de seus recursos são tragados para o pagamento destes compromissos, deixando a população, principalmente as mais vulneráveis, em condições de calamidade.

O avanço da tecnologia nos últimos anos contribuiu para uma melhoria na prevenção e na cura de inúmeras doenças, moléstias que até recentemente eram vistas como muito agressivas e os pacientes estavam condenados a morte, agora sobrevivem e vivem muitos anos, tudo isto pode ser descrito como uma das maiores conquistas da humanidade, nesta sociedade global os seres humanos estão vivendo mais e melhor e os impactos sobre as finanças da sociedade é imediato e preocupante, levando todos os Estados a repensarem seus gastos com a previdência  e a seguridade social.

Ao mesmo tempo que tivemos melhorias na medicina nos anos recentes, percebemos também um incremento na insegurança pública, a violência cresceu de forma acelerada em todas as regiões do mundo, países como o Brasil apresentaram em 2017 mais de 63 mil assassinatos, colocando-nos nos primeiros lugares entre os países mais violento do mundo, em situação semelhante a países que se encontram, a muito tempo, em guerras fratricidas. Além do crescimento da violência, percebemos o crescimento do crime organizado, grupos bem estruturados que atuam dentro do território nacional em várias áreas e setores altamente rentáveis, desde o roubo de cargas, comércio clandestino de cigarros, prostituição, tráfico de drogas, terrorismo, corrupção e roubos a bancos e, com isso, movimentam bilhões de reais criando medo, insegurança e instabilidade. Este avanço exige uma forte organização dos Estados Nacionais, estrutura repressiva, judiciário capacitado e políticas públicos concatenadas para o combate a estas organizações que crescem de forma acelerada, cooptam pessoas nas mais variadas áreas e setores e minam a democracia e o poder das instituições governamentais.

A população dos países desenvolvidos percebe que o futuro está marcado por incertezas, medos e desesperanças, os cidadãos que conheceram as benesses do crescimento econômico e da melhoria das condições sociais, hoje estão amedrontados com as condições que se colocam, a concorrência acirrada e os fortes investimentos em tecnologias, colocam os trabalhadores em condições secundárias no mercado de trabalho, a qualificação e o aperfeiçoamento sozinhos não respondem as principais indagações na busca por empregos, as corporações exigem cada vez mais capacitação e remuneram cada vez menos, estamos no pior momento da classe trabalhadora que, definitivamente, na atualidade não vai mais para o paraíso.

Aos trabalhadores, a busca por trabalho e qualificação é uma constante, na era da inteligência artificial, os novos empregos exigem investimentos enormes e de uma motivação infinita, além de uma grande bagagem emocional e sólida estrutura espiritual, como construir uma carreira de sucesso se o mundo se transforma com uma rapidez jamais vista na história da humanidade? E como compatibilizar carreira de sucesso com uma família estruturada e feliz? E o que podemos entender, no mundo contemporâneo, como uma carreira bem sucedida? São perguntas que toda sociedade civilizada precisa responder para poder viabilizar um futuro melhor digno e esperançoso para seus cidadãos.

Nestes momentos de instabilidades e medos, faz-se necessário repensar o modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade internacional, de nada adianta aumentar a produtividade do trabalhador, diminuir o preço dos produtos, produzir em escalas cada vez maiores se o ser humano precisa urgentemente de ajuda emocional, se continuarmos criando indivíduos doentes e com graves desequilíbrios emocionais o fim da humanidade estará diuturnamente mais próximo e todos seremos condenados e responsabilizados por esta destruição.

Todos nós somos culpados pelos desajustes desta sociedade, todos contribuímos para esta desagregação dos vínculos sociais e da desumanização que cresce a passos largos e consolidados, as revoluções armadas não conseguem e não conseguiram sozinhas dar as respostas que todos desejamos, apenas uma revolução silenciosa e individualizada, onde cada um deve fazer a sua parte, com isso, os resultados positivos crescerão rapidamente e a sociedade tende a se consolidar, abrindo espaço para a empatia, o respeito e a solidariedade, sentimentos esquecidos no mundo contemporâneo mas fundamental para a construção de uma sociedade inclusiva e solidária.

 

 

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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