A inovação tecnológica atual, longe de ampliar as oportunidades criativas das pessoas, tornou-se vetor de redução de salários e de concentração de riqueza
Sem aumento na produtividade do trabalho não há como compatibilizar o tamanho do sistema econômico com a preservação e a regeneração dos serviços ecossistêmicos dos quais todos dependemos. O problema é que, nos países que lideram as mais importantes inovações tecnológicas atuais, a produtividade do trabalho está praticamente estagnada. Entre o início dos anos 1990 e 2005 ela cresceu 2,4% ao ano, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Na década seguinte, porém esta taxa caiu a 0,5%.
A recuperação econômica global da crise de 2008 é marcada por aumento dos empregos, mas por queda na produtividade, como mostra um trabalho recente da consultoria global McKinsey. Claro que ampliar os empregos é positivo. Esse aumento, porém, concentra-se hoje em ocupações com remuneração minguada e imensa distância entre as práticas produtivas dominantes e a economia do conhecimento.
As sociedades contemporâneas vivem uma espécie de dualização da vida econômica, em que um punhado de empresas (e de empregos) surfa na onda do que o Fórum Econômico Mundial chama de 4ª Revolução Industrial, enquanto a esmagadora maioria nem chega perto dessas inovações.
Essa é uma das mais preocupantes consequências dos rumos tomados pela atual economia do conhecimento. É verdade que cada um de nós tem um conjunto imenso e crescente de dispositivos digitais que fazem parte de nossas vidas, de nossas relações sociais, de nosso corpo e cada vez mais de nossa própria identidade. Mas esta difusão massiva é paradoxalmente concentrada quando se examina a oferta de bens e serviços e os mercados de trabalho.
A inovação tecnológica atual, longe de ampliar as oportunidades criativas das pessoas, tornou-se vetor de redução de salários e de concentração de riqueza. Pelos cálculos da McKinsey, na Europa Ocidental, somente 12% dos potenciais da revolução digital atingem a vida econômica. Nos Estados Unidos, a proporção é um pouco maior: 18%.
Roberto Mangabeira Unger, em livro a ser lançado ano que vem (e do qual uma primeira versão encontra-se disponível na internet), resume a questão: a economia do conhecimento, mesmo nas sociedades mais ricas e educadas tornou-se um arquipélago de ilhas alheias ao teor principal da vida econômica que as cerca.
Essa é a razão principal que explica a conversão da renda básica de cidadania em verdadeiro mantra do Vale do Silício: as oportunidades de participar da criação da imensa riqueza do mundo atual se reduzem e isso deveria ser compensado por meios institucionais que garantissem a todos, ao menos, sua sobrevivência.
Mangabeira Unger não se opõe, claro, a mecanismos de proteção dos mais pobres. O que ele critica é a ideia de que a concentração de renda, de poder e de oportunidades seja uma consequência natural das próprias tecnologias digitais.
Na verdade, a internet tende a suprimir aquilo que os economistas costumam enxergar como o inevitável trade-off entre equidade e eficiência. Ela abre o caminho para que meios técnicos radicalmente descentralizados, poderosos e operando em rede ofereçam possibilidades inéditas de invenção e criação de bens e serviços. Mas estas possibilidades só se realizarão se forem corrigidos os rumos atuais da economia do conhecimento.
Nosso desafio não está em remediar ex-post os produtos de uma estrutura econômica que reduz as chances de os indivíduos participarem de atividades criativas e socialmente úteis. O desafio maior está em fazer do combate às desigualdades o vetor fundamental para que as bases sociais da inovação se ampliem e, por aí, para que o sentido do crescimento econômico (e, em última análise, do próprio trabalho) se altere.
A ideia de que o trabalho é um fardo do qual nos emanciparemos tão logo a abundância o permita tem tanto em Marx como em Keynes alguns de seus principais defensores. Mas a economia do conhecimento abre a possibilidade, inédita, de que se estabeleça um vínculo orgânico entre a produção de riqueza e sua distribuição, que no capitalismo tipicamente industrial era inconcebível.
Esse vínculo apoia-se no que Mangabeira Unger chama de “vanguardismo inclusivo”, em que as mais avançadas tecnologias possam servir não apenas para ampliar a oferta de bens e serviços, mas sobretudo para converter em protagonistas a esmagadora maioria dos atores econômicos, as micro, pequenas e médias empresas e os próprios indivíduos.
Combater as desigualdades não é apenas um imperativo ético em torno de valores centrais como a liberdade, a autonomia e a dignidade humana. Este combate é também o meio mais promissor de estimular a inovação e colocar a economia do conhecimento a serviço do desenvolvimento sustentável.
Página 22 – 11 de outubro de 2018